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Auditoria exige forte investimento em tecnologia e recursos humanos

A absorver o impacto da digitalização, da automação e da escassez de talento, as auditoras e consultoras apostam no desenvolvimento de novas ferramentas para cumprir as exigências do regulador.
30 Junho 2019, 20h00

Os especialistas são unânimes: o recurso mais valioso do mundo já não é o petróleo mas sim os dados. Os avanços tecnológicos tornaram muito mais fácil acumular informação em grandes quantidades, e capitalizar esses dados ajuda a criar valor e crescimento – razão pela qual as organizações estão a investir em pessoas e recursos tecnológicos para extrair deles o maior valor possível.

Jeff Thomson, presidente e CEO do Institute of Management Accountants, executivos da multinacional Johnson & Johnson e o cientista de dados Daniel Smith consideram que a gestão de talentos financeiros é fundamental para a evolução desta ciência e que a revolução digital oferece uma enorme oportunidade para as funções financeiras, sejam elas de administração, contabilidade ou auditoria. Também a consultora McKinsey, no relatório “The new CFO mandate: Prioritize, transform, repeat”, revela que 91% dos administradores financeiros inquiridos terá sofrido pelo menos uma transformação na sua organização nos últimos três anos. O relatório também destaca o papel ativo que os Chief Financial Officers (CFOs) estão a desempenhar, as oportunidades e os desafios que enfrentam enquanto líderes de mudança. De facto, à medida que mais funções analíticas e de dados são integradas nos processos de planeamento financeiro, torna-se mais necessário o uso de ferramentas para maior visualização e integração do fluxo de trabalho e interpretação da informação de forma eficaz para a tomada de decisões. “À semelhança daquilo que acontece em muitos outros setores, a atividade de auditoria está a sofrer o impacto das tendências globais relacionadas com o digital, a automação e a escassez de talento. Sendo uma atividade regulada, acresce ainda a pressão de um maior escrutínio público e regulatório, com a evolução dos normativos a resultar numa complexidade crescente do trabalho do auditor”, afirma Rui Martins, assurance leader da EY Portugal.

O efeito combinado de todas estas tendências exige investimentos fortes em tecnologia e em recursos humanos. Antecipando esta tendência, a EY investiu algumas centenas de milhões de euros a nível global no desenvolvimento de novas ferramentas de suporte ao processo de auditoria, inclusive em Portugal, o qual foi também complementado com alguns investimentos específicos para responder às exigências do regulador. “Em Portugal, antecipámos esta tendência e a nossa realidade já é a de alargamento dos perfis que contratamos, com as equipas de auditoria a serem cada vez mais diversas, com competências que incluem contabilidade, auditoria, programação, sistemas de informação e atuariado, entre outras. A conjugação de tecnologia com um novo perfil de auditor está a permitir automatizar análise mais rotineiras e que os auditores se foquem nas áreas de maior risco e mais exigentes em julgamento profissional”, acrescenta Rui Martins.

Para o managing partner da Baker Tilly Portugal, o mercado já percebeu que as auditoras de maior dimensão não têm o exclusivo de qualidade e que o modelo de negócio “assente num partner que supervisiona projetos e equipas alargadas de auditores juniores” deixou de ser o pretendido. “Os auditores individuais e as pequenas sociedades de auditores (locais e não integradas em networks), por problemas de sucessão e continuidade interna, serão definitivamente substituídos, essencialmente por mid-tear firms. Este movimento tende a acelerar-se com a maior internacionalização das empresas portuguesas, que exigirá o envolvimento de auditores nacionais com presença noutros países”, diz Paulo Gil André.

Já o managing partner da Mazars Portugal sublinhou ideia de que opção da auditoria conjunta teria “um potencial de impacto considerável nos objetivos da nova regulação”. A seu ver, a reforma da auditoria tem tido consequências de carácter limitado em Portugal e assentou, basicamente, na obrigatoriedade da rotação dos auditores e na restrição dos limites da prestação de serviços distintos de auditoria. “Seria realmente bom para o mercado que existisse uma maior diversificação de players, e players de maior dimensão. A opção pela joint audit foi a grande oportunidade perdida com a transposição da diretiva para o mercado nacional. Não só devido ao potencial efeito ao nível do aumento da concorrência, mas da própria qualidade do trabalho produzido”, defende. Para Luís Gaspar, há regras que vieram reforçar a limitação da natureza dos serviços distintos de auditoria que são permitidos prestar às entidades auditadas. “Se grande parte das receitas da sociedade auditora resultar de outros serviços distintos da auditoria, isto pode comprometer a sua independência”, alerta.

O futuro da profissão
Transformação da função financeira, ciência e análise de dados, suporte dos auditores na ética profissional e gestão de risco efetivo e controlo interno são alguns dos veículos de preparação dos auditores para o futuro, segundo o relatório “Future Ready Accountants in Business” da IFAC. Para os próximos anos, os profissionais contactados pelo Jornal Económico admitem esperar estabilização regulatória, para que possa ser assimilada e aplicada de forma consistente pelos diversos agentes, bem como a “rápida” conclusão da consulta pública da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários para alterar o regime jurídico de auditoria. “O ano de 2019 acabará por fechar o ciclo que implementou o processo de rotação de auditores nas sociedades que ainda permaneciam com um mandato em curso à data de adopção da nova legislação”, refere Vitor Ribeirinho, vice-presidente da KPMG.

Segundo o porta-voz da Baker Tilly, verificar-se-ão mudanças nos padrões de auditoria e na forma como o regulador verá o uso da tecnologia no trabalho de auditoria. “Haverá a necessidade de avaliar como é que estas auditorias menos complexas, podem melhor ser realizadas e documentadas usando os atuais (ou revistos) padrões”, aponta, admitindo que a empresa investe uma percentagem cada vez maior da faturação na tecnologia e formação.

Admitindo que o Auditor 4.0 tem de ter perfil de talento sofisticado, com conhecimentos contabilísticos e financeiros sólidos e, simultaneamente ser um nativo digital, apaixonado por inovação e com uma “apurada” curiosidade intelectual, Vitor Ribeirinho lança também um aviso: “Temos que garantir que a auditoria não se torne um mero serviço commodity e indiferenciado. É este o objetivo que deve ser perseguido não apenas pelos auditores, como também por reguladores, empresas auditadas e pelo mercado em geral, e apenas poderá ser alcançado através da prestação de um serviço de qualidade, que acrescente valor e que procure enfatizar a protecção do interesse público, face ao aumento da complexidade do desenvolvimento dos negócios, num ambiente de economias abertas cada vez mais tecnológicas”.

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