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Augusto Mateus: “Dar crédito às empresas não serve de nada. É preciso congelar a economia”

Economista Augusto Mateus considera que perante a crise da Covid-19 as linhas de crédito e os baixos juros não resolverão problemas aos empresários. Por isso, defende o “congelamento” da atividade económica durante um mês.
27 Março 2020, 11h15

Terça-feira, 24 de março. Nesse dia o Eurogrupo deu luz verde para que o Mecanismo Europeu de Estabilidade emprestasse cerca de 2% do Produto Interno Bruto a cada país-membro. Assim, poderão chegar a Portugal 4,2 mil milhões de euros. No Parlamento, o primeiro ministro António Costa, defendeu a emissão de obrigações europeias – as “coronabonds”, com as quais a Alemanha discorda –, que seriam mais um instrumento para financiar o combate à crise da Covid-19. Por proposta da Comissão Europeia, acordada no Conselho Ecofin, suspendem-se as regras orçamentais do Pacto de Estabilidade e Crescimento. E o Banco Central Europeu (BCE), por seu turno, lançou um programa de compra de ativos, de 750 mil milhões de euros. No entanto, no enquadramento do combate aos efeitos destrutivos da Covid-19 no tecido empresarial – em entrevista ao Jornal Económico (JE) – o consultor e antigo ministro da Economia, Augusto Mateus, considera que o crédito é “ineficaz e injusto” e não resolve problemas dos pequenos empresários. O antigo professor universitário do ISEG defende uma solução de “congelamento” de parte significativa da atividade económica portuguesa durante abril, garantindo um rendimento mínimo à população – o que “custaria menos de 10 mil milhões de euros”, diz – como “única forma de salvaguardar uma reativação sã da economia”, quando passarem os riscos da Covid-19.

Projeções suas admitem, no pior cenário, uma quebra de 15% do PIB, num único ano, em consequência da crise da Covid-19. Outros estudos, como o da Universidade Católica, admitem a possibilidade da economia portuguesa registar uma quebra de 20% no PIB. Não há memória de uma queda destas na economia portuguesa…

Não. Mas a crise de 1929-1933, nos países mais atingidos, os EUA, a Alemanha, França e Reino Unido, teve quebras acumuladas no PIB próximas de um terço, em quatro anos. E o comércio internacional caiu 45%. Desse ponto de vista, não é novo. As ‘Vinhas da Ira’ tinham uma base económica real.

As medidas de combate a esta crise prometem surgir rapidamente. Vão resultar?
O que não dá resultado são medidas como as que foram lançadas no passado. Aquelas que os governos portugueses tiram da gaveta quando há qualquer problema – os fundos estruturantes. Isso não serve para nada. Provavelmente, nós desligámos uma parte muito grande da economia. E vamos continuar a desligar. Mas, se calhar, vai ser preciso meter parte da economia no “congelador”. Isto é: será preciso suspender tudo, para depois voltar a partir nas condições em que estávamos quando se fechou a economia.

Como é que se consegue fazer isso?
Desligando a produção do rendimento. O problema é garantir o rendimento mínimo à população. Mas as pessoas estão a descobrir que o rendimento mínimo é muito menor do que julgavam. Porque é um rendimento mínimo para comer e pagar medicamentos, contas de eletricidade, internet, gás e água…

Quanto representa no consumo habitual?
Estamos a falar de qualquer coisa que representa entre 25% a 30% do consumo habitual. Para isso, precisamos obviamente do equivalente em termos de rendimento. Porque a poupança já não existe em Portugal, portanto, não vale a pena contarmos com ela. Isso significa ter um mecanismo específico de layoff, em que só há salários e rendimentos do tipo do trabalho independente, reduzidos bastante mais do que em dois terços. O que não mudaria nada, porque é assim que as pessoas já estão a funcionar. É preciso repartir essa redução entre dinheiro do Estado, dinheiro das empresas e dinheiro das pessoas. É um valor que se situa num intervalo que vai de um terço até 40% do rendimento, qualquer coisa assim. Isso, obviamente, agilizaria muito o problema da liquidez das empresas. E quando a economia voltasse a ser ligada, seria ligada nas condições em que estava antes. O sector financeiro pode perfeitamente aceitar moratórias, portanto, ninguém se aproveita. Ninguém é tratado melhor que qualquer outra pessoa. E as dívidas e os créditos permanecem ao seu valor. Mas a amortização e os juros são “congelados”. Isto coloca à banca o mesmo problema que coloca às empresas.

Durante quanto tempo é que pode ser concretizada uma medida dessas?
É possível deixar a economia no congelador durante um mês. No máximo, um mês e meio. Mais que isso é impossível. Como tudo indica que nós precisamos do mês de abril para desligar completamente a economia e não dar cabo dela – para, eventualmente, não a termos ao ar livre, mas no “congelador” –, esta é capaz de ser a melhor solução. Isto nunca foi feito, mas começa-me a parecer que é absolutamente indispensável.

Quem asseguraria o rendimento mínimo?
Isso é défice público, défice das famílias e défice das empresas. É um défice repartido. Um mês de economia total representa cerca de 15 a 16 mil milhões de euros. Isto pode ser aplicado parcialmente no Estado – mas não totalmente –, porque é preciso manter os hospitais e um conjunto de outros organismos e serviços. Obviamente, temos as escolas fechadas e os hospitais abertos. As pessoas que estão a manter a luta contra a pandemia, estão a trabalhar o dobro, portanto não estão a entrar neste regime. Há um conjunto de empresas que estão a trabalhar bem. E pode-se ampliar. Ao mesmo tempo que se metem empresas no “congelador”, agilizam-se mudanças de atividades nas empresas. Há coisas que se fazem melhor coletivamente do que individualmente.

Como por exemplo?
Tudo o que são bens essenciais podem ser distribuídos num contexto de relação social que as pessoas têm. Pode haver empresas que se organizem entre elas para garantir kits que são distribuídos centralizadamente. Não têm de ser distribuídos em casa. São distribuídos em sítios estratégicos, fáceis de aceder, e as pessoas vão lá levantá-los. Isso torna as coisas muito mais baratas. E permite sustentar este “congelador”.

Quanto custa esse “congelamento”?
Se isto abarcar 60% da economia, estamos a falar de oito a nove mil milhões de euros, que é um valor que já não assusta os portugueses, porque é dinheiro que já ouviram dizer que se meteu nos bancos. Se não hesitámos em meter oito ou nove mil milhões de euros para salvar bancos, não é muito difícil aceitar que se apliquem oito ou nove mil milhões para salvarmos uma economia…

Por maioria de razão…
Sim, por maioria de razão. Portanto, começo a pensar que o problema nevrálgico é não deixar desequilibrar as empresas. Se muitas pequenas empresas fecharem, elas já não abrem. E acredito que o crédito é completamente ineficaz. Porque as empresas funcionam numa lógica de bens de consumo.

O crédito é ineficaz?
Completamente ineficaz e injusto. Porque o Estado garante os créditos junto da banca, que não tem risco, e não garante nada junto de quem toma o empréstimo, que tem o risco todo. É um mecanismo injusto do ponto de vista económico e social. E é ineficaz porque neste momento precisamos é de liquidez, não é de dinheiro com dívida. Portanto, os instrumentos utilizáveis têm de ser com entradas no capital. Depois tem de se criar uma nova estrutura no capital. Tem que haver capital acionista, ou quotas nas sociedades, que serão capital de crise e quotas de crise.

Como seria aplicada essa liquidez?
É meter dinheiro de forma justa, rápida e com muita experiência, bom senso e conhecimento do que se está a fazer, que é uma coisa que falta. É preciso que as empresas tenham acesso a liquidez, sem que lhe seja oferecido, mas essas responsabilidades têm de ser imediatas para serem cumpridas no médio prazo. Em quatro, cinco ou seis anos, para que esse capital reapareça. Isso até pode depois criar um sistema de recuperação interessante, que será as melhores empresas quererem comprar empresas “atrapalhadas”.

Em quanto tempo é que essa estratégia teria de estar operacional?
Muita coisa que tem de ser feita no imediato. Muito na lógica de uma unidade de cuidados intensivos, onde é mobilizado tudo aquilo que se tem para uma pessoa não morrer. Relativamente aos efeitos da Covid-19 nas empresas, é a mesma coisa. Se é preciso meter a economia no “congelador”, façam isso. Aqui o que se mantém ativo é um pouco mais de um terço a 40% da economia. Estamos a falar sempre de soluções rápidas e não é preciso utilizar um modelo muito complicado. Cada mês corresponde a 8% do PIB para o total da economia. Como já se fechou o turismo, o país perde 20% do PIB, portanto, nesses 8% se perdermos um terço da atividade, ficam 5% a 6%. A recuperação desta crise não é como a recuperação de crises anteriores. É como se alguém fosse empurrado pela escada abaixo, recuando 50 degraus, mas quando recupera, fará isso a partir do degrau de onde caiu. E recupera à velocidade a que estava a subir. O que significa que, tirando algum investimento e alguns bens duradouros – ninguém pode produzir e vender depois o que não produziu e vendeu agora –, nos serviços de bens de consumo correntes não duradouros, quando se volta a jantar, não se janta duas vezes, só se janta uma vez.

Na saída do “congelamento”, como ficarão as PME portuguesas?
Quando foi da crise que começou em 2008, com as sucessões da crise financeira internacional, da crise do sub-prime, da crise da Europa do Sul, da crise de dívida soberana, e da crise portuguesa, em que pedimos emprestados cerca de 90 mil milhões de euros, nessa crise morreram 10% das empresas. No pico mais baixo da crise, é como se as populações do concelho de Lisboa, da Madeira e dos Açores tivessem desaparecido, o que é um cataclismo. Foi o que aconteceu com as empresas. Desapareceram as mais fracas, as que nunca deveriam ter existido. Eram projetos tontos, sem sentido. Já passámos por períodos com quebras muito significativas. Eventualmente, vamos ter agora um processo que se pode aproximar deste e que o pode ultrapassar. Tudo depende das variáveis em causa. Há muitas coisas que não se controlam. Daqui a uma semana e a 15 dias já saberemos mais. Mas agora não sabemos. Mas temos de nos preparar, como estamos a fazer, na saúde, para travar ao máximo a difusão da pandemia. Para ganharmos tempo, para nos organizarmos, para tomarmos medidas. No mundo empresarial, quando a economia tem condições para estar bem é muito mais fácil do que na guerra. Na guerra costuma dizer-se que por cada morto, um novo herói se levanta. No mundo empresarial não é preciso ser herói, portanto as empresas a nascerem, nascem rapidamente quando a economia tem condições para funcionar.

Parece-lhe adequada a forma como António Costa tem conduzido esta época de crise?
Do ponto de vista de comunicação, sim. Do ponto de vista das medidas, creio que conseguiu gerir muito bem aquilo que foi a dificuldade dos apoios técnicos do Governo chegarem-se à frente e dizerem as coisas antipáticas – e isso foi bem gerido. Do ponto de vista económico, estamos agora nas semanas de testes, que serão esta e a próxima, mas estamos um bocado fora de jogo do ponto de vista económico, a fazermos aquilo que toda a gente está a fazer. Mas como as coisas começaram mais tarde em Portugal – a crise moveu-se do leste para o oeste –, António Costa aproveitou muito bem o facto de fazer o que está a fazer a comunidade internacional e, particularmente, a Europa, para fazer mais cedo em Portugal do ponto de vista relativo, do que aquilo que se passou nos outros países.

Ganhou tempo…
Desse ponto de vista, mais uma vez se prova que António Costa é uma pessoa com qualidades para o exercício das funções governativas, nomeadamente do ponto de vista da comunicação. Agora, do ponto de vista estratégico, o Governo português está como os outros governos, muito a apalpar e, no terreno económico, atrapalhado, porque vai percebendo que as medidas tradicionais não servem. Todos os responsáveis têm essa sensação. Mais complicado que o dinheiro que é necessário, é a forma como se constrói a eficácia das medidas.

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