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Áustria: eleições devem fazer regressar a extrema-direita ao poder

Tudo aponta para que, este domingo, o Partido da Liberdade regresse ao poder naquele que foi o primeiro país da União Europeia a fazer surgir os extremistas de direita como alternativa.
Viena, Áustria
29 Setembro 2024, 09h45

Liderado por Herbert Kickl, o FPO, o Partido da Liberdade, de extrema-direita, segue confortavelmente à frente das sondagens: tem 27% de intenções de voto, segundo o site “Politico”, enquanto que o segundo lugar é disputado de forma renhida pelo SPO (Partido Social Democrata) e pelo OVP (Partido Popular Austríaco, democrata-cristão), com, respetivamente 25% e 21%. A esperança da corrente não extremista é que os austríacos acabem por votar noutro sentido, já que o FPO está a descer nas sondagens desde o pico de 30% de intenções de voto que se manifestou no início do ano – mas esse é um cenário em que nenhum analista aposta.

Nessa altura e até ao início do verão, os social-democratas seguiam à frente dos democratas-cristãos, mas a alteração da narrativa política destes últimos – que se aproximou ‘perigosamente’ do discurso extremista, alterou a relação de forças.

Mais abaixo, mas igualmente num despique taco-a-taco, seguem os Verdes e o NEOS (Nova Áustria, liberal), com uma vantagem deste último partido (10% contra 9%), mas com constantes alterações de posição relativa.

O FPO, fundado na década de 1950 por ex-oficiais das SS, é uma das bandeiras da extrema-direita na Europa e de algum modo inaugurou o discurso radical contra a imigração, a insistência federalista da Comissão Europeia e o crescimento das liberdades individuais. A saída da União é, aliás, uma possibilidade com que o partido acena constantemente ao eleitorado, para desespero do bloco dos 27. Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, o FPO passou também a enfileirar no grupo dos partidos que consideram que a Europa não deve apoiar o regime de Kiev – mais uma preocupação para Ursula Von der Leyen, que há muito se encantou com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Uma vitória dos extremistas colocaria uma parte substancial da Europa central – com a Eslováquia e a Hungria – na órbita de Vladimir Putin.

Se a isso se juntar a importância que a Áustria tem no capítulo da adesão dos países balcânicos à União, percebe-se que as preocupações da Comissão Europeia são mais que muitas. Até porque é por ali que chegam à Europa diversas rotas de imigração vindas principalmente da Síria, do Afeganistão e do nordeste africano. Na última década, o país recebeu mais refugiados per capita que qualquer outro país da União, o que, evidentemente, tem alimentando o ressurgimento do partido de extrema-direita.

A proposta do FPO nessa matéria é a que se estava à espera: fechar as fronteiras à imigração – principalmente a islâmica – e recambiar todos os ilegais de volta para o país de origem ou para outro lado qualquer desde que seja do outro lado das linhas divisórias. O caso muito recente da Alemanha demonstra bem até que ponto os habitantes da Europa central estão disponíveis para servirem de barreira à multiculturalidade – que chegou a ser, em tempos muito remotos, um dos predicados do continente.

Ex-ministro do Interior, Herbert Kickl é o líder do partido desde 2021 e, a acreditar-se nas sondagens, conseguiu enterrar no passado o escândalo que atirou o FPO para fora das cadeiras do poder em 2019. Foi o chamado Caso Ibisa, que deu a perceber que membros do partido ofereceram à Rússia vantagens futuras (o partido estava na altura na oposição) em negócios do Estado em troca de apoio financeiro.  O caso envolvia o vice-chanceler Heinz-Christian Strache e a coligação (FPO-OVP) que entretanto governava o país e era liderada por Sebastian Kurz (do OVP, que chegou a ser o primeiro-ministro mais jovem da Europa) foi dissolvida.

Kickl também foi alvo de um escândalo, depois de, enquanto ministro, ter mandado investigar os serviços secretos que, estava ele convencido, tinha infiltrado o próprio FPO para encontrar os extremistas nazis que lá se acolitavam. No decorrer de uma busca policial na sede da agência de espionagem (no início de 2018), um banco de dados que continha anos de comunicações secretas entre a inteligência austríaca e os serviços ocidentais, incluindo a CIA norte-americana e o MI6 britânico, foi apreendido. As autoridades nunca foram claras sobre se cópias do chamado disco rígido Neptune passaram ou não a circular sem controlo, mas os serviços secretos parceiros ocidentais da Áustria, sabendo das ligações do partido com o regime de Moscovo, suspenderam a cooperação.

Mais tarde, já em abril deste ano, um antigo agente dos serviços secretos da Áustria chamado Egisto Ott, foi detido por suspeitas de ter fornecido a Moscovo dados de antigos altos responsáveis austríacos – naquele que é considerado o maior escândalo de espionagem das últimas décadas. Foi acusado de ter fornecido dados de telemóveis de antigos altos funcionários austríacos aos serviços secretos russos e de ter ajudado a planear um assalto ao apartamento do jornalista de investigação búlgaro Christo Grozev, cujo trabalho se centra maioritariamente às ameaças de segurança relacionadas com a Rússia.

De qualquer modo, uma vitória do FPO no domingo não lhe assegurará que venha a governar. De facto, segundo os analistas, pode ser que os extremistas de direita austríacos passem pelo mesmo ‘drama’ dos seus congéneres neerlandeses liderados por Geert Wilders – que ganharam as eleições de novembro do ano passado, mas nunca conseguiram formar governo. A maioria dos partidos austríacos descartou a possibilidade de aceitar uma coligação com a extrema-direita – mas como os democratas-cristãos já furaram no passado a chamada ‘cerca sanitária’, não há sobre esta matéria qualquer certeza. São bons nisso: o OVP é o atual líder do governo, em coligação com os Verdes. O atual chanceler, Karl Nehammer (que substituiu Sebastian Kurz quando este desistiu inesperadamente da vida política), insiste que nunca aceitaria Kickl como chanceler. Mas o melhor será com certeza esperar pelos resultados de domingo. Ou então esperar que o presidente do país, Alexander Van der Bellen (ex-líder do partido dos Verdes e europeu convicto), se recuse a aceitar entregar-lhe o poder.

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