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BCE diz que reforma de supervisão de Centeno cria pressão política sobre a função de Governador do BdP

Banco Central Europeu (BCE) já entregou o seu parecer sobre a proposta de reforma de supervisão financeira em Portugal e faz suas algumas das críticas enunciadas pelas entidades de supervisão financeira nacionais, nomeadamente o BdP. Entre as críticas está a possibilidade de a Assembleia da República poder propor ao Conselho de Ministros a cessação do mandato do governador.
23 Maio 2019, 17h20

O BCE emitiu o seu parecer à Proposta de Lei orgânica do Banco De Portugal, resultado da reforma de supervisão financeira em Portugal proposta pelo Ministério das Finanças.

Este parecer não é vinculativo, mas o Ministério das Finanças vai enviá-lo para o Parlamento que tem poderes para alterar a proposta de lei.

Violação dos Estatutos do Sistema Europeus de Bancos Centrais, é uma das críticas apontadas à reforma da supervisão financeira, que está na Assembleia da República para ser apresentada no próximo dia 7 de junho pelo Secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix.

No que toca à duração mínima do mandato do Governador do Banco de Portugal e fundamentos para a sua exoneração, o BCE diz que “para garantir a independência dos governadores dos bancos centrais nacionais (BCN) e dos membros do Conselho do BCE, cada Estado-Membro tem de garantir a compatibilidade dos estatutos do seu BCN com os Tratados e com os Estatutos do SEBC quanto à duração do mandato do governador e aos fundamentos para a sua exoneração”.

Ora, embora a Proposta de Lei preveja em geral uma duração do mandato de sete anos, superior à duração mínima de cinco anos exigida pelo artigo 14.º-2 dos Estatutos do SEBC, “a disposição relativa à designação do governador de entre um dos membros do conselho de administração do BdP durante o seu mandato, não é compatível com os Estatutos do SEBC, na medida em que dispõe que o antigo membro do conselho de administração do BdP é designado para as funções de Governador apenas pelo período remanescente da duração inicial do seu mandato”.

Esta era já uma das críticas apontadas pelo Banco de Portugal no seu parecer à reforma da supervisão, e é repetida agora pelo BCE.

“Dado que o período remanescente da duração inicial do mandato do antigo membro do conselho de administração do BdP (designado como governador) pode ser inferior a cinco anos, a duração mínima do mandato prescrita pelos Estatutos do SEBC não seria respeitada”, diz o BCE.

Recorde-se que o artigo 14.º-2 dos Estatutos do SEBC prevê que os estatutos dos bancos centrais nacionais devem prever, designadamente, que o mandato de um governador de um banco central nacional não seja inferior a cinco anos.

O parecer do BCE foi divulgado hoje, em primeira-mão pelo Observador.

A proposta altera a Lei Orgânica do Banco de Portugal, alargando o leque de iniciativas de exoneração do Governador.

Mas o BCE recorda que nesses estatutos, “um Governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave. O Governador em causa ou o Conselho do BCE podem interpor recurso da decisão de demissão para o Tribunal de Justiça com fundamento em violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação. Esses recursos devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação da decisão ou da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tiver tomado conhecimento da decisão”.

Em consequência, para ser consentânea com os Estatutos do SEBC, “a Proposta de Lei tem de ser alterada para garantir que a duração do mandato do governador não pode ser inferior a cinco anos, incluindo nos casos em que o governador seja designado de entre os membros do conselho de administração do BdP”.

Quais são os fundamentos de exoneração do Governador?

Um Governador só pode ser exonerado se “deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das [suas funções] ou se tiver cometido falta grave”.

O BCE é da opinião que “os conceitos subjacentes às circunstâncias em que um governador pode ser exonerado são conceitos autónomos do direito da União, cuja aplicação e interpretação não dependem de um contexto nacional, independentemente de tais conceitos estarem também incorporados na Lei Orgânica do BdP”.

Considerada por esta perspetiva, a Lei Orgânica do BdP é compatível com os Estatutos do SEBC, na medida em que reproduz a redação do artigo 14.º-2 dos Estatutos do SEBC.

Mas, a Lei Orgânica do BdP teria de ser clarificada “no sentido de não pretender definir em termos mais alargados o âmbito de aplicação do artigo 14.º-2 dos Estatutos do SEBC, em especial no que respeita às circunstâncias em que o governador pode ser exonerado”, expõe o BCE.

“Uma vez que, depois de ser designado, um Governador não pode ser exonerado com um fundamento diferente dos previstos no artigo 14.º-2 dos Estatutos do SEBC, a Lei Orgânica do BdP é incompatível com os Estatutos do SEBC, na medida em que prevê a possibilidade de a designação de um governador depender de confirmação por um Governo recém-designado”, lê-se no documento que irá hoje ser publicado no site. “Isto porque a falta dessa confirmação produziria efeitos equivalentes à exoneração do Governador com um fundamento diferente dos previstos no artigo 14.º-2 dos Estatutos do SEBC, em especial dado que, nesses casos, o desiderato de salvaguardar a liberdade do Governador face a influência política deixaria de poder ser alcançado”.

O BCE diz ainda que pelos mesmos motivos, a Lei Orgânica do BdP é incompatível com os Estatutos do SEBC, na medida em que prevê que o mandato do governador pode cessar em caso de fusão ou cisão do BdP.

Independentemente de o BdP ser objeto de um processo de reestruturação, o governador só pode ser exonerado se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das suas funções ou se tiver cometido falta grave.

“Relativamente ao processo de exoneração do governador, o BCE nota que, na sequência das alterações introduzidas pela Proposta de Lei, não só o Governo mas também a Assembleia da República podem propor ao Conselho de Ministros a cessação do mandato do governador”, lê-se no parecer.

O BCE diz que embora seja compatível com os Estatutos do SEBC, “esta disposição pode criar um nível suplementar de pressão política sobre o exercício das responsabilidades do governador”.

A Proposta de Lei de Centeno também determina que a designação, ou proposta de designação, dos membros do conselho de administração não pode ocorrer nos seis meses anteriores ao fim da legislatura em curso ou entre a convocação de eleições para a Assembleia da República ou a demissão do Governo e a investidura parlamentar do Governo recém-designado, salvo se se verificar a vacatura dos cargos em causa e a urgência da designação, caso em que as referidas designação ou proposta de designação dependem ainda de confirmação pelo Governo recém-designado.

Além disso, segundo a Proposta de Lei, os membros do conselho de administração do BdP têm de ser escolhidos de entre pessoas com reconhecida idoneidade, aptidão, sentido de interesse público, experiência profissional, capacidade de gestão, conhecimento e competência técnica relevantes e adequados ao exercício das respetivas funções.

No que se refere às “Salvaguardas da independência dos restantes membros do conselho de administração do Banco de Portugal”,  todos os membros de órgãos de decisão dos bancos centrais nacionais têm de exercer os poderes e executar com independência as atribuições e deveres que lhes são conferidos pelos Tratados e pelos Estatutos do SEBC.  Dado que tanto o Governador como os demais membros do conselho de administração do BdP estão envolvidos na execução de atribuições relacionadas com o SEBC”, diz o parecer.

O BCE congratula-se com o facto de “as disposições da Lei Orgânica do BdP relativas à inamovibilidade se aplicarem não apenas ao Governador mas também aos demais membros do conselho de administração do BdP, para salvaguarda da sua independência”. Consequentemente, “a autoridade que procede à consulta deve ter em conta as observações formuladas no ponto 2.1 [duração mínima do mandato do governador do Banco de Portugal e fundamentos para a sua exoneração] também no que diz respeito aos restantes membros do conselho de administração do BdP”.

Critérios para designação do governador e dos demais membros do conselho de administração do Banco de Portugal

O BCE faz notar que os critérios de «sentido de interesse público» e «aptidão» introduzidos pela Proposta de Lei de Mário Centeno, nos critérios a serem considerados na designação do conselho de administração do BdP “são um pouco vagos e, por conseguinte, podem ser de difícil interpretação e aplicação prática”.

Em consequência, o BCE sugere que os critérios se reduzam aos restantes termos propostos, os quais estão já estabelecidos de longa data, como «idoneidade» e «experiência profissional», ou são mais comuns na área monetária e bancária.

Ao nível das normas deontológicas e criação da comissão de ética do Banco de Portugal, o BCE nota que os bancos centrais nacionais e as autoridades nacionais competentes “devem cumprir a Orientação (UE) 2015/855 do Banco Central Europeu (BCE/2015/11)18, que estabelece os princípios do Código Deontológico do Eurosistema, e a Orientação (UE) 2015/856 do Banco Central Europeu (BCE/2015/12)19, que estabelece os princípios do Código Deontológico do Mecanismo Único de Supervisão (MUS)”.

Nesta matéria, o BCE nota que o BdP já implementou estas Orientações. A Proposta de Lei pode portanto ser vista como um complemento aos três normativos internos através dos quais o BdP implementou as Orientações, adianta.

As orientações do BCE estabelecem os padrões mínimos aplicáveis às regras deontológicas e não impedem a aplicação, por parte dos bancos centrais nacionais ou pelas autoridades nacionais competentes, de normas deontológicas mais rigorosas aos membros dos órgãos dos bancos centrais do Eurosistema e a autoridades nacionais responsáveis pela supervisão prudencial de instituições de crédito.

O BCE congratula-se com o facto de as normas deontológicas serem acompanhadas pela criação de uma comissão de ética com assento na lei. No que se refere à composição da comissão de ética, a independência dos seus membros não deve suscitar quaisquer dúvidas, defende a entidade de supervisão bancária europeia.

Embora não possam ter qualquer vínculo ou relação contratual com o BdP, devem, no entanto, dotar-se de uma sólida compreensão dos objetivos, das atribuições e da governação do BdP.

Além disso, a exigência de unanimidade para as decisões da comissão de ética salvaguarda a idoneidade e a imparcialidade das suas decisões, implicando que não podem ser tomadas decisões contra o voto do membro designado pelo conselho de administração do BdP ou do membro designado pelo conselho de auditoria do BdP, defende o banco central.

No entanto, o BCE assinala que qualquer intervenção pela comissão de ética nos processos de contratação de serviços externos, conforme previsto na Proposta de Lei, não pode prejudicar a capacidade do BdP de prosseguir eficientemente as suas atribuições nem a sua autonomia organizacional.

Além disso, o BCE esclarece que todas as normas deontológicas “estão sujeitas ao cumprimento do princípio da proporcionalidade enquanto princípio geral de direito”, tal significa que também a aplicação das regras de incompatibilidade a dirigentes e equiparados, tal como previsto na Lei Orgânica do BdP, e os prazos de restrição aplicáveis aos membros do conselho de administração e aos trabalhadores do BdP, nos termos previstos na Proposta de Lei “não devem ser desproporcionados ou prejudicar indevidamente a capacidade de recrutar trabalhadores qualificados”.

Disposições relativas aos procedimentos de recrutamento e contratação do Banco de Portugal

A Proposta de Lei sujeita o BdP a regras específicas relativas ao recrutamento externo de dirigentes e equiparados; e à contratação pública. O BCE considera que os procedimentos de recrutamento concursais, incluindo os procedimentos externos, são uma importante ferramenta de gestão para um banco central nacional. Ao mesmo tempo, deverá levar-se em conta a capacidade do BdP para manter nos seus quadros pessoal altamente qualificado através do desenvolvimento de percursos de carreira internos.

Para salvaguardar a capacidade do BdP de reter trabalhadores qualificados, o BCE sugere ainda que a Proposta de Lei seja clarificada no sentido de não obrigar a que esses procedimentos sejam executados a intervalos regulares, por exemplo de três em três anos, dado que a Proposta de Lei estabelece um mandato de três anos para as posições de direção.

Regime de auditoria das atividades do Banco de Portugal e o poder do IGF

O Banco de Portugal considerou, no seu parecer à reforma da supervisão, que há normas na proposta de lei do Governo que determinam a sua “sujeição a controlo direto por parte do  Ministério das Finanças e, em especial, da Inspeção-geral de Finanças”. Na altura em que foi publicado, quinta-feira, 21 de Março, a instituição liderada por Carlos Costa defendeu que “do que se trata verdadeiramente é da criação de uma tutela inspetiva do Governo relativamente ao Banco”, conclui o parecer do banco central”.

No seu parecer, o BCE diz que as contas do BCE e dos bancos centrais nacionais (BCN) têm de ser fiscalizadas por auditores externos independentes, designados mediante recomendação do Conselho do BCE e aprovados pelo Conselho da UE. Esses auditores têm de ter plenos poderes para examinar todos os livros e contas do BCE e dos BCN, assim como para obter informações completas sobre as suas operações. Por isso, o regime nacional de auditoria das atividades de um BCN deve ter estes requisitos em conta.

O BCE nota que, nos termos da Proposta de Lei, o BdP continua sujeito a auditorias pelo Tribunal de Contas, excetuando no que se refere à sua participação no desempenho das atribuições cometidas ao SEBC.

Na sequência das alterações introduzidas pela Proposta de Lei – segundo as quais o BdP não está sujeito ao regime de inspeção e auditoria dos serviços do Estado no que diz respeito à sua participação no desempenho das atribuições cometidas ao SEBC – o BCE entende que o BdP, “para além das auditorias pelo Tribunal de Contas, ficaria também sujeito a outros tipos de auditorias e inspeções dos serviços do Estado em todas as áreas não relativas à sua participação no desempenho das atribuições cometidas ao SEBC”. Tais auditorias e inspeções dos serviços do Estado seriam executadas por serviços administrativos do Estado, como a Inspeção-Geral de Finanças.

A IGF, é um serviço administrativo que funciona junto do Ministério das Finanças e que atua sob controlo hierárquico direto do Ministro das Finanças ou do Secretário de Estado competente, e goza de autonomia técnica no exercício das suas atribuições. É responsável por assegurar o controlo da gestão financeira do Estado, compreendendo o controlo da legalidade e a auditoria financeira e de gestão, incluindo inspeções. Entre outras atribuições, a IGF é responsável pela auditoria e pelo controlo nos domínios orçamental, económico, financeiro e patrimonial, bem como por auditorias de sistemas e de desempenho, inspeções, análises de natureza económico-financeira e outros tipos de exames fiscais e ações de controlo relativos às entidades abrangidas pela sua intervenção. A IGF é ainda responsável por realizar inspeções, inquéritos, sindicâncias e averiguações a quaisquer serviços públicos ou pessoas coletivas de direito público, para avaliação da qualidade dos serviços, através da respetiva eficácia e eficiência, bem como desenvolver o procedimento disciplinar, quando for o caso, nas entidades abrangidas pela sua intervenção.

O BCE também entende que, nos termos da Lei Orgânica do BdP, na redação que lhe é dada pela Proposta de Lei, a exclusão explícita da participação no desempenho das atribuições cometidas ao SEBC por parte do BdP das auditorias e inspeções que os serviços do Estado e o Tribunal de Contas podem realizar, implica que todas as outras atividades do BdP podem ser incluídas no âmbito de tais inspeções e auditorias. Isto é, confirma a possibilidade de a IGF fiscalizar toda a atividade que não se relaciona com a política monetária.

Diz o parecer que “a este respeito, o BCE tem afirmado repetidamente que os serviços de auditoria ou organismos semelhantes de um Estado-Membro aos quais forem cometidas essas atribuições, como a IGF ou o Tribunal de Contas, têm de respeitar um certo número de salvaguardas destinadas a preservar a independência do banco central nacional: o âmbito do controlo tem de ser claramente definido no quadro jurídico aplicável; tal controlo tem ser aplicado sem prejuízo das atividades dos auditores externos independentes do BCN de exame dos livros e das contas do BCN; a auditoria deve respeitar a proibição de procurar influenciar os membros dos órgãos de decisão do BCN no desempenho das suas atribuições relacionadas com o SEBC e deve ser efetuada numa base não política, independente e puramente profissional”.

Complementarmente, diz o parecer, as auditorias relativas a atividades de supervisão do BdP não devem: estender-se à aplicação e à interpretação de normas jurídicas e de práticas de supervisão no contexto do MUS; nem incluir ou interferir com as atribuições cometidas ao BCE pelo Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho”.

Dado o âmbito alargado dos poderes da IGF e o facto de a IGF consistir num serviço administrativo que funciona junto do Ministério das Finanças, sob controlo hierárquico direto do Ministro das Finanças, as inspeções e auditorias realizadas por um serviço desta natureza não seriam compatíveis com as salvaguardas supramencionadas destinadas a preservar a independência do BdP, considera o BCE.

Obrigações do Banco de Portugal em matéria de transparência e de prestação de informações à Assembleia da República

À imagem de quaisquer deveres de transparência, as normas sobre a informação a ser publicada no sítio web do BdP têm de ser compatíveis com as obrigações em matéria de dever de segredo consagradas nos Estatutos do SEBC e no direito derivado da União, tendo especialmente em conta a importância da confidencialidade nos contextos da supervisão bancária e da gestão de crises, diz o parecer. Em consequência, o BCE entende que “as considerações subjacentes às exceções aplicáveis à publicação de certas informações previstas na Lei Orgânica do BdP se aplicariam não apenas às súmulas das reuniões dos órgãos do BdP mas também aos pareceres e aos relatórios do conselho consultivo e do conselho de auditoria”.

Além disso, quanto aos pareceres e aos relatórios do conselho consultivo e do conselho de auditoria, o BCE sugere que se “pondere cuidadosamente o impacto da publicação dos pareceres e dos relatórios desses órgãos internos do BdP no funcionamento e no processo decisório do BdP, tendo também em conta considerações de estabilidade financeira resultantes do impacto dessa publicação no mercado, em especial quando disserem respeito a assuntos internos do BdP e se destinarem exclusivamente a uso interno do BdP”.

BCE defende salvaguardas para garantir dever de segredo consagradas no direito da União na divulgação de informação a comissões parlamentares

Num dia em termina o prazo para o Banco de Portugal entregar o relatório extraordinário dos grandes devedores aos banco que tiveram ajuda pública nos últimos 12 anos (Caixa Geral de Depósitos, BES/Novo Banco, Banif, BPN, BCP e BPI), o BCE refere-se à divulgação de informação a comissões parlamentares por membros dos órgãos internos do BdP.

O BCE assinala que têm de ser postas em prática salvaguardas adequadas para garantir que as obrigações em matéria de dever de segredo consagradas no direito da União são respeitadas, incluindo condições para divulgação de informação confidencial de supervisão.

O documento de 22 páginas faz ainda referência à comissão de avaliação e remunerações. “Conforme tem sido repetidamente afirmado pelo BCE, os Estados-Membros não podem prejudicar a capacidade de um BCN para contratar e manter o pessoal qualificado necessário ao desempenho independente das atribuições que lhe são cometidas pelos Tratados e pelos Estatutos do SEBC”.

Proibição de financiamento monetário  

No que diz respeito ao BdP, os limites decorrentes da proibição de financiamento monetário prevista no artigo 123.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia devem ser tidos em conta na conceção do novo quadro institucional do sistema de supervisão financeira em Portugal.

O BCE tem afirmado repetidamente que a legislação nacional não pode exigir que um BCN financie o exercício de funções do setor público, uma vez que tal teria um efeito equivalente a uma concessão de crédito. “Logo, embora uma concessão de crédito implique uma obrigação de reembolso dos fundos, o artigo 123.º, n.º 1, TFUE também se aplica a formas de financiamento que não impliquem uma obrigação de reembolso dos fundos”, lê-se no documento.

Em especial, o BCE nota que a Proposta de Lei prevê o financiamento da Autoridade da Concorrência pelo BdP, entre outros. No entanto, não há qualquer indicação de que a autorização dada pela Proposta de Lei ao BdP para liquidar e cobrar taxas em nome e por conta de outras entidades, nacionais ou europeias, confie ao BdP a tarefa de cobrar taxas no âmbito da atividade específica da Autoridade da Concorrência.

“O projetado financiamento da Autoridade da Concorrência pelo BdP seria incompatível com a proibição de financiamento monetário prevista no artigo 123.º, n.º 1, TFUE, que, entre outros aspetos, proíbe a concessão de créditos, sob a forma de descobertos ou sob qualquer outra forma, por um BCN a favor do setor público. Na medida em que a atividade da Autoridade da Concorrência seja financiada não só por fundos fornecidos por autoridades reguladoras setoriais e por taxas cobradas no âmbito da sua atividade específica mas também por fundos fornecidos pelo BdP, o objetivo do artigo 123.º, n.º 1, TFUE, isto é, a manutenção de uma sólida política orçamental por parte dos Estados-Membros, é contornado”.

Pelos mesmos motivos, a prossecução de atribuições, cometidas ao BdP, por uma pessoa coletiva de direito público diferente, “não pode ser prevista de uma forma que o BdP simplesmente financie uma pessoa coletiva de direito público sem ter controlo sobre a mesma, por exemplo, um esquema semelhante ao projetado financiamento da Autoridade da Concorrência. Neste contexto, importaria determinar se a contribuição financeira do BdP é proporcional à participação geral e influência do BdP no desempenho das atribuições da pessoa coletiva pública em causa”.

Sobre a possibilidade de atribuições de supervisão cometidas ao Banco de Portugal serem prosseguidas por uma pessoa coletiva de direito público diferente, o BCE entende que, nesta fase, a Proposta de Lei só prevê a possibilidade de, no futuro, serem cometidas atribuições de supervisão a uma pessoa coletiva de direito público diferente, sob a dependência ou a autoridade do BdP. O BCE, diz que teria de ser consultado “sobre legislação complementar que estabelecesse ou desenvolvesse o quadro em que as atribuições de supervisão atualmente cometidas ao BdP fossem exercidas por uma pessoa coletiva de direito público diferente”.

O BCE lembra que os Princípios Fundamentais de Basileia exige que os supervisores bancários tenham independência operacional.

Nesse sentido, o BCE recomenda que “as disposições relativas à criação e ao funcionamento de uma pessoa coletiva de direito público separada, em conjunto com a Lei Orgânica do BdP, garantam a atribuição clara do estatuto de ANC em Portugal e especifiquem a competência do BdP para conduzir o desempenho das funções da ANC (autoridades nacionais da concorrência) o seio do MUS – Mecanismo Único de Supervisão, em especial as relacionadas com a participação no Conselho de Supervisão, nas ESC e noutras estruturas do MUS.

Além disso, a criação de uma pessoa coletiva de direito público separada responsável por atribuições de supervisão prudencial sob a autoridade do BdP não deve interferir com o desempenho efetivo de outras atribuições do BdP relacionadas com o funcionamento do Sistema Europeu de Supervisores Financeiros, defende.

A Proposta de Lei não é clara quanto às atribuições do CNSF em matéria de coordenação das respostas a pedidos de entidades nacionais e estrangeiras, bem como de organizações internacionais, acusa o BCE.

Papel do Banco de Portugal no planeamento da resolução

Embora a Proposta de Lei preveja a criação da Autoridade de Resolução, que assumiria as responsabilidades do BdP como autoridade nacional de resolução (ANR) designada, o BdP reteria determinadas competências relacionadas com o planeamento da resolução nos termos da Proposta de Lei, ao passo que a Autoridade de Resolução passaria a ser responsável por exercer os poderes e as ferramentas de resolução, salienta o BCE.

Neste ponto o BCE diz que  seria útil clarificar a base jurídica com fundamento na qual o BdP assumiria atribuições acessórias relacionadas com a resolução, dado que aparentemente deixaria de ser a ANR.

“Relativamente à criação de uma nova autoridade responsável pelo exercício de poderes e ferramentas de resolução, os Estados-Membros devem assegurar que a autoridade competente e a autoridade de resolução mantenham um intercâmbio adequado de informações com o banco central, quando este último não seja ele próprio a autoridade de resolução”, recomenda o BCE.

O parecer do BCE chegou hoje, depois de ter sido enviado para consulta a 11 de janeiro de 2019. Isto é, antes das modificações que foram introduzidas na versão que foi aprovada pelo Conselho de Ministros de 6 de março.

A reforma da supervisão financeira deu entrada no Parlamento no dia 11 de março e desde então não avançou nada. Primeiro terá de ir a plenário para aprovação na generalidade. Duarte Cordeiro, Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares tem de combinar com o Parlamento e agendar o debate onde o Ministro das Finanças e o Secretário de Estado irão apresentar a reforma em plenário. Aqui poderá ou não haver lugar a votação dos grupos parlamentares.

Depois desce à especialidade (COFMA) que antes da votação vai ouvir toda a gente (BdP, CMVM, ASF e pode ouvir as associações do setor e ainda a Euronext e a Autoridade da Concorrência).

O projeto começou por ser discutido em Conselho de Ministros e seguiu para consulta direta obrigatória ao BCE [Banco Central Europeu] e aos três supervisores financeiros nacionais. Os três supervisores financeiros portugueses entregaram os seus pareceres pouco depois do prazo (11 de fevereiro) e o BCE pediu mais tempo porque não conhecia o dossier suficientemente.

As Finanças decidiram avançar com o processo legislativo, antes mesmo do parecer do BCE,  tendo em vista a apresentação de uma proposta à Assembleia da República.

O Parlamento poderá vir a fazer alterações após mediante os apontamentos do BCE, mas se não acatar as sugestões, o BCE pode fazer uma participação à Comissão Europeia, que irá depois decidir — consoante o nível de incumprimento — se levanta ou não um processo de incumprimento a Portugal. Em última análise, pode chegar ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

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