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Biden vai falar para um país tremendamente dividido

O apelo a uma espécie de reunificação nacional vai estar com certeza no centro das palavras do discurso de tomada de posse. Como deverá também estar o conjunto de prioridades internas, que são todas elas emergências. Vale a pena recordar alguns dos temas principais de alguns dos discursos anteriores.
20 Janeiro 2021, 07h10

É um dos discursos mais aguardados de todas as mais recentes tomadas de posse de presidentes dos Estados Unidos e tudo leva a crer que o novo ocupante do cargo, o democrata Joe Biden, irá enfatizar ao longo da sua intervenção que é o vértice de agregação de todas as vontades da nação. Num país fraturado entre os apoiantes de Biden e os não muito menos numerosos votantes em Donald Trump, o republicano derrotado, o novo presidente tem de explicar que é o presidente de todos os norte-americanos e que é para eles – para o seu bem-estar, para os seus empregos e para os seus sonhos – que vai trabalhar nos próximos quatro anos.

A novidade é nenhuma, mas os comentadores não conseguem lembrar-se – pelo menos os que já se esqueceram de George W. Bush, que teve menos votos que o seu opositor mas ganhou – de uma situação em que estas palavras são tão essenciais. Até porque, para além dos números, há as ruas: o trauma causado pelas imagens do assalto ao Capitólio correram o mundo e deixaram milhões de norte-americanos com um nó no estômago. Pelo menos daqueles que não se lembram de uma eleição ter resultado em tumultos, como sucedeu há… quatro anos: no dia em que Trump tomou posse como 45º presidente dos Estados Unidos, as ruas encheram-se de manifestações de pesar. Registaram-se mesmo confrontos entre manifestantes e polícia antes e depois da tomada de posse em Washington, com a polícia a fazer mais de nove dezenas de detenções e a registar a vandalização de várias lojas nas imediações do Capitólio. As autoridades tiveram mesmo de usar gás pimenta para controlar a situação, numa altura em que os manifestantes tentavam seguir rumo à Casa Branca e disso foram impedidos.

No dia anterior, o realizador Michael Moore e os atores Robert De Niro e Alec Baldwin tinham reunido com milhares de outras pessoas junto a um dos empreendimentos imobiliários de Donald Trump: estava lançada a contestação – de forma não particularmente pacífica – aos quatro anos de presidência do magnata da construção e dos casinos.

Joe Biden terá também por certo de explicar as suas prioridades, principalmente as caseiras: a luta contra a pandemia está à frente, mas o plano de 1,9 biliões de euros que tem em preparação – e com o qual quer relançar a economia e auxiliar os mais desfavorecidos – também deverá marcar presença.

Esquecidos não serão por certo os aliados internacionais, tão vilipendiados ao longo dos últimos quatro anos de confronto. Biden, que sabe que parte do mundo está à sua espera para resolver os mais diversos problemas, terá com certeza uma palavra do género ‘não desesperem, que já vos atendo’.

De qualquer modo, Biden não precisa de pensar em grandes frases: alguém tratará de as escrever por ele, para que fiquem registadas para a história. Como sucedeu aliás com os seus antecessores.

A começar pelo próprio Donald Trump: “Washington floresceu mas o povo não beneficiou desta riqueza. Os políticos prosperaram mas perdemos postos de trabalho. O poder estabelecido protegia-se a si próprio mas não protegia o país”; “A partir de agora vai haver uma nova visão a governar o nosso país. A partir daqui será sempre a América Primeiro. Todas as decisões sobre comércio, impostos, imigração, negócios estrangeiros serão tomadas para beneficiar as famílias norte-americanas”. Salvo raras exceções, Trump não se desviaria destas premissas.

Em 2009, Obama deixou uma frase que serviria na perfeição para ser repetida esta quarta-feira por Biden: “Neste dia, reunimo-nos porque escolhemos a esperança em vez do medo, a unidade de propósito em vez do conflito e da discórdia. Neste dia, viemos proclamar o fim às queixas mesquinhas e falsas promessas, às recriminações e aos dogmas desgastados, que por muito tempo enfraqueceram a nossa política”. Nem mais.

Quatro anos antes, as referidas falsas promessas eram ‘vendidas’ por George W. Bush em 2005 deste modo: “A sobrevivência da liberdade no nosso país depende cada vez mais do êxito da liberdade noutros países. A maior esperança para a paz no nosso mundo é a expansão da liberdade em todo o mundo”. Estava lançado o mote que levaria o país às eventuais improváveis nos confins da Ásia, bem longe de casa – como sempre.

Anos antes, Bill Clinton tinha dito que “A nossa democracia não deve ser apenas a inveja do mundo, mas o motor da nossa própria renovação. Não há nada de errado com os Estados Unidos que não possa ser curado pelo que está certo nos Estados Unidos”, mas tudo isso foi há muito tempo.

Há muito tempo foi também dita a única frase presidencial que tem lugar cativo nos compêndios de história: “Compatriotas: não perguntem o que o vosso país pode fazer por vocês, perguntem o que podem vocês fazer pelo vosso seu país. Cidadãos de todo o mundo: não perguntem o que os Estados Unidos podem fazer por vocês e sim o que podemos fazer juntos pela liberdade do ser humano”. John F. Kennedy em 1961.

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