Tive o privilégio de viver por dentro a história do biodiesel em Portugal. Entrei para a PRIO em 2007 para liderar a revisão de projeto de Engenharia do Terminal Marítimo da PRIO em Aveiro e organizar a logística dos combustíveis, aditivação e biocombustíveis a partir deste Porto.  Com apenas 33 anos, e logo após concluir um MBA na Universidade do Porto, fui convidado para integrar uma equipa de pioneiros que arrancaram com a fábrica de biodiesel  da PRIO em Aveiro.

Nessa época, quatro investidores destacaram-se pela sua aposta no biodiesel. A família Jorge de Mello, que construiu uma fábrica junto à extratora da Sovena na Trafaria; a Martifer, que através da PRIO instalou uma bio-refinaria em Aveiro; o empresário João Rodrigues que montou uma linha de produção junto à extratora da Iberol em Alverca e mesmo ao lado a fábrica da Biovegetal; e a família Cardoso, que iniciou produção em Riachos, perto de Torres Novas.

Estas cinco fábricas, todas com capacidade de produção anual próxima das 100.000 toneladas, foram montadas e entraram em produção entre 2006 e 2008. Tendo iniciado a sua atividade numa fase de otimismo, viram esse sentimento abalado pelo comportamento errático do preço dos óleos vegetais ao longo de 2008. Os preços do óleo de soja, por exemplo, subiram mais de 40% entre janeiro e julho de 2008, para caírem vertiginosamente no resto do ano, chegando a dezembro com uma queda de 30% em relação a janeiro, e mais de 50% relativamente ao pico registado em março.

Amplificando essa instabilidade no preço das matérias-primas, a crise financeira provocou uma queda dos preços do petróleo e dos seus derivados, que dificultou ainda mais a competitividade dos preços do biodiesel. Este biocombustível passou a encarecer o gasóleo, em vez de o embaratecer como era esperado quando foram feitas as decisões de investimento nestas cinco fábricas. E as companhias petrolíferas, principais compradores de biocombustíveis em Portugal, não viam com bons olhos que o gasóleo por si refinado fosse substituído por um produto que, ainda por cima, o encarecia.

Foi nesse contexto difícil que, em 2009, pude testemunhar como a força de vontade de cinco pessoas, unidas num propósito comum, pode moldar o futuro de um setor económico. Cada um restruturou internamente as suas unidades produtivas e em conjunto fundámos a Associação Portuguesa de Produtores de Biocombustíveis (APPB), em cuja primeira reunião estiveram presentes: Paulo Carmona como secretário-geral, João Rodrigues pela Iberol, Miguel Martins da Biovegetal, Joan Recasen pela Sovena, Rui Cardoso da Torrejana, e eu próprio em representação da  PRIO. Este pequeno núcleo reuniu regularmente ao longo destes anos de crise e foi tomando posições que tentou comunicar com clareza e persistência à comunicação social e ao Governo.

Na frente da comunicação, lançámos o desafio “Se não há petróleo, plante-se!” através de uma campanha publicitária em revistas especializadas e na televisão. No campo regulatório, o principal fruto desse trabalho foi a operacionalização do Decreto-Lei nº 117/2010, que transpôs a diretiva comunitária das energias renováveis e trouxe para Portugal a obrigação de incorporação de biocombustíveis sem qualquer benefício fiscal na produção ou comercialização.

As vantagens deste regime legal para o país são inquestionáveis. Em Espanha, 24 das 54 fábricas de biodiesel faliram ou suspenderam a atividade durante a crise do Euro e outras 10 fecharam as portas até ao fim de 2017. Em contraste, as grandes fábricas em Portugal mantiveram-se sempre a funcionar. Mantivemos os mais de 170 empregos destas fábricas, contribuímos para a redução de importações de petróleo, para a redução do preço da proteína animal, e para a recolha de óleos usados. E, acima de tudo, cumprimos o objetivo principal da Diretiva Comunitária, a redução das emissões de gases de efeito de estufa pela substituição de gasóleo por biodiesel.

Novos desafios se levantam agora ao setor: a GALP tornou-se ela própria produtora de biodiesel; o Governo adiou nos últimos três anos o aumento das metas de incorporação de biodiesel previstos na lei em vigor; e a segunda Diretiva Europeia para as Energias Renováveis vem exigir permanentes avanços nas matérias-primas a utilizar para biodiesel. Estas mudanças trazem algum risco para o futuro do setor.

Mas, conhecendo a história do setor, estou confiante: os últimos 11 anos do biodiesel em Portugal foram um sucesso, os próximos 11 podem ser muito mais.