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Bolsonaro: quem tem filhos tem cadilhos

São mais do que muitos os casos em que os três filhos do presidente brasileiro, Flávio, Eduardo e Carlos, estão envolvidos, sob as mais diversas suspeitas. Terá sido por isso que Sérgio Moro foi levado a afastar-se.
3 Maio 2020, 13h30

Um juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil determinou a abertura de um inquérito para investigar as acusações de interferência em processos judiciais contra Jair Bolsonaro, feitas pelo ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro no momento da sua saída – acusou-o de interferência política na Polícia Federal na sequência da exoneração do diretor dessa força de segurança. Segundo Moro, o presidente brasileiro afastou a liderança da força policial porque quer ter acesso às investigações judiciais, algumas das quais envolvem os filhos.

A presença de Jair Bolsonaro na presidência do Brasil tem sido marcada por inúmeras suspeitas de que os seus filhos entendem o lugar do progenitor como uma espécie de via verde para o nepotismo mais extravagante – o que não só coloca em causa um eventual segundo mandato, como implica desde já o avolumar, que marca esta semana, da possibilidade de um impeachment.

Marielle Franco
Um dos casos mais grave que envolvem um dos ‘piquenos’ de Bolsonaro é o do assassinato da vereadora do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes (em 14 de março de 2018) – que deixou o Brasil estarrecido.

Um porteiro do condomínio onde o presidente tem um apartamento afirmou à polícia que um dos acusados do crime se dirigiu à casa de Jair horas antes do homicídio. A testemunha relatou ter ligado, ao receber o acusado na guarita, para a casa 58 para confirmar se o visitante poderia entrar, e alguém na residência autorizou.

Carlos Bolsonaro gravou e publicou um vídeo nas redes sociais no qual, através do acesso ao sistema de gravações da portaria, mostrou que não havia nenhum registo de ligação para a casa do seu pai no momento apontado pelo porteiro. O que levou à acusação de obstrução à justiça, que acabou por ser arquivado depois de a Procuradoria Geral da República não ter visto elementos suficientes para uma investigação.

Fabrício Queiroz
O mais complicado será contudo o chamado Caso Queiroz – ex-assessor de Flávio Bolsonaro e amigo de Jair Bolsonaro desde a década de 1980. A investigação teve início em 2018, depois de a Unidade de Inteligência Financeira, órgão que atua na prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ter identificado diversas transações suspeitas feitas em contas de Fabrício Queiroz.

Queiroz movimentou mais de 1,2 milhões de reais (cerca de 200 mil euros) entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, valor que seria incompatível com o seu património e ocupação. Essas movimentações atípicas ficaram evidentes no âmbito da Operação Lava Jato e levaram a uma investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Tudo se complicou quando Flávio Bolsonaro recorreu ao Supremo Tribunal Federal para barrar a investigação. Vários meses depois, o tribunal indeferiu o recurso e as investigações foram retomadas. A tese dos investigadores é que Flávio Bolsonaro é o líder de uma organização que lava dinheiro – tendo sido investigado por suspeita de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Já o caso de fake news investigado por uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito tem a ver com a eventualidade da participação de dois filhos, Carlos e Eduardo, do presidente e de pessoas a eles ligados em campanhas na internet para atacar adversários do pai, com o uso frequente de notícias falsas. “Milícias digitais”, chamou-lhe a deputada federal Joice Hasselmann (do Partido Social Liberal-SP, que levou Jair até à Presidência) num dossiê que entregou à comissão – que inicialmente deveria entregar a investigação até ao final deste mês, ou seja, hoje.

O jovem Carlos passou a ser investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por suspeitas de que assessores nomeados pelo seu gabinete nunca exerceram de facto qualquer tipo de funções. É aquilo a que no Brasil se chama o esquema de rachadinha: os funcionários que não exerciam qualquer função devolveriam o salário, parcial ou integralmente, a Carlos. Aliás, parte do processo do Caso Queiroz radica exatamente neste esquema, tendo o irmão Flávio como suspeito.

De regresso a Eduardo, que disse numa entrevista que, se a esquerda exercer muita pressão sobre o governo do pai, “a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”. O “novo AI-5” remete para os Atos Institucionais decretados pela ditadura militar em 1968 – de que Jair é manifesto admirador – que transferiam para a ditadura mais poderes discricionários. A Câmara de Deputados e o Supremo abriram investigações.

Ana Cristina
Entretanto, contas feitas pela imprensa brasileira informam que ao longo de 18 anos de mandato na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, Carlos empregou Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do pai, e sete familiares dela. Na Assembleia Legislativa fluminense Flávio deu emprego a nove familiares da então mulher do seu pai. Na Câmara dos Deputados, Bolsonaro, o próprio, nomeou seis membros da família da ex-mulher.

Sérgio Moro
Não será por isso de admirar que, depois do caso Moro – ou seja, ao longo desta semana –, 54% dos entrevistados numa sondagem do Instituto Atlas Político sejam favoráveis a um processo de impeachment contra Jair Bolsonaro, o número mais elevado desde maio de 2019, quando as pesquisas começaram a ser efetuadas. Segundo a imprensa brasileira, já chegaram à Câmara dos Deputados 20 pedidos para o lançamento do processo de impeachment, o último dos quais do PSL, imagine-se, o partido que Jair Bolsonaro abandonou depois de usar como trampolim para a presidência para fundar um novo, o Aliança Brasil.

Paralelamente, a taxa de rejeição ao presidente nunca foi tão elevada: são 49% os que qualificam a atuação de Bolsonaro como má, um aumento de oito pontos face à sondagem de março. Os que a aprovam não passam dos 21%, menos cinco pontos do que em março.

Do que ninguém parece ter dúvidas – principalmente face à forma como o presidente está a lidar com a pandemia de Covid-19 e que têm conseguido espantar o mundo – é que as condições políticas de permanência de Jair Bolsonaro no cargo estão a esboroar-se muito rapidamente. Se há uma semana, o impeachment parecia estar longe da agenda da oposição, uma semana volvida tudo parece ser diferente. A porta que diz ‘impeachment’ pode já estar entreaberta.

Artigo publicado no Jornal Económico de 30-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor

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