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Boris Johnson: a outra forma de se escrever Brexit

Afetado pela Covid-19, o primeiro-ministro britânico – que se quer que continue a ser até ao dia em que os britânicos quiserem – já escreveu o seu nome na história. Rebelde, despenteado e sorridente, cumpriu com o que disse que faria e que é afinal o que os britânicos querem.
  • DR Daniel Leal-Olivas/ REUTERS
30 Março 2020, 07h55

O Eton College, uma universidade para meninos ricos, gente fina e outros mimados, forneceu à sociedade britânica uma série não negligenciável de personalidades mais ou menos relevantes e mais ou menos conhecidas, nos mais diversos segmentos da atividade humana. Mas nem todos conseguiram passar para a área bem mais restrita da iconografia nacional. Assim por alto, só dois dos seus antigos estudantes conseguiram chegar a essa espécie de estrelato social: Montagu Brownlow Parker e Boris Johnson.

Brownlow Parker entrou no imaginário britânico depois de ter organizado uma bizarra expedição a Jerusalém (entre 1909 e 1911) que tinha por objetivo encontrar o Templo de Salomão e todos os montes de tesouros que era suposto lá estarem. Não só não os encontrou, como conseguiu uma inesperada e nunca mais vista aliança entre judeus e muçulmanos para o expulsarem. Acabaria os dias pacatamente como quinto conde de Morley.

Boris Johnson ainda não conseguiu tanto, mas praticamente foi expulso do território continental europeu quando Bruxelas verificou que o jovem jornalista tinha ideias muito despenteadas sobre o relacionamento entre o Reino Unido e os seus parceiros na União Europeia, tudo isso tendo a ver, como é evidente, com o Brexit.

Johnson destacou-se entre os Brexiters por ter ideias absolutamente extravagantes sobre a matéria – algumas delas tão risíveis que até acabam por ser desculpáveis – mas o sorumbático luxemburguês Jean-Claude Juncker há-de ter ficado sobejamente apreensivo quando percebeu que os britânicos – ou mais propriamente um punhado deles, uns 90 mil – tinham  escolhido aquele homem um pouco gordo e bastante despenteado para liderar as negociações do Brexit.

Tal como havia prometido, Boris Johnson tratou de não apoquentar muito o velho Juncker, o mesmo fazendo com a sua sucessora Ursula von der Leyen: mal entrou no número 10 de Downing Street – e principalmente quando para lá voltou fortalecido pela retumbante vitória nas eleições de 12 de dezembro passado – Johnson deu a entender que não estava para maçar-se muito com o assunto. Lá em Bruxelas, que não esperassem estarem sempre a vê-lo por lá, como fazia a sua antecessora, Theresa May, que muitas milhas há-de ter acumulado só com a pequena viagem por cima do Canal da Mancha.

Para todos os efeitos – apesar de todos os defeitos e de todas as reticências com que foi recebido em Bruxelas e Estrasburgo – Boris Johnson foi o britânico que conseguiu desfazer o inacreditável nó em que o Brexit se tinha transformado. Poderão um dia dele dizer que estava errado quando preferiu sair a manter-se na União Europeia, mas nunca ninguém poderá deixar de dizer que foi ele que conseguiu o que ninguém até então havia conseguido – sendo certo que foi mesmo para o Brexit que os britânicos nele votaram por larga maioria.

Boris Johnson comemorou a preceito o dia 31 de janeiro deste ano, a véspera do primeiro dia sem União Europeia – como se o calendário britânico tivesse tido uma ‘branca’ entre 1 de janeiro de 1973 e 31 de janeiro de 2020 – e por esses dias já estava a trabalhar na festa seguinte: o Orçamento de Estado para o ano em curso.

O documento, apresentado há umas semanas, antecipava o melhor dos mundos: dinheiro a rodos para todos os setores, para todos os grupos de interesse, para todos os contribuintes, para todo o sempre. Serviço nacional de saúde, enfermeiros, construtores civis, locatários e senhorios, banca, grandes empresas, médias empresa, pequenas empresas e micro-empresas estavam a um passo de deixar a sufocante austeridade patrocinada por um obscuro alemão chamado Wolfgang Schäuble (uma espécie de alter-ego de Angela Merkel) e lançar-se de braços ávidos sobre a abundância que, como Johnson tinha prometido, estava do lado de lá da porta que se fechava sobre a Europa, miserabilista e tudo.

Nem nos anexos do Orçamento vinha plasmado o que estava por vir por aí: a Covid-19 deu cabo do Orçamento de Estado britânico e ‘en passant’ de tudo o mais que tocou, toca e tocará nos meses mais próximos. Desgraçadamente, Boris Johnson foi um dos tocados. Espera-se que por pouco tempo.

Nas semanas anteriores Johnson teve um dos piores momentos da sua carreira como político e como cidadão: não percebeu que a pandemia era isso mesmo, uma pandemia, e tardou a colocar os britânicos a salvo de maior dano. Foi precisa muita insistência para que o primeiro-ministro acabasse por entender que, desta vez, humor britânico e fleuma aristocrática não iam ser suficientes para derrotar tão minúsculo assassino.

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