Ninguém parece saber ao certo o que levará os britânicos a aceitarem com fleuma – aquele traço de tradição que tanto tem desaparecido nos últimos tempos – a possibilidade de terem Boris Johnson como próximo primeiro-ministro. Bom, saber sabe-se: ninguém lhes perguntou nada! Mas a pergunta, mesmo assim, pode colocar-se a um numero mais reduzido de britânicos: o que levará os cerca de 170 mil inscritos no Partido Conservador (universo que vai eleger o sucessor de Theresa May) a aceitarem como praticamente inevitável a ida de Johnson para o número 10 de Downing Street? Ninguém sabe.
Desde logo porque o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e mayor de Londres tem vindo a destruir a ideia que o colocou na primeira linha das escolhas dos conservadores: a opção pelo Brexit duro. Tendo descoberto que uma coisa é uma campanha para o Brexit e outra coisa é o Brexit propriamente dito, abraçou uma abordagem mais “mayana” desde que arrisca ser primeiro-ministro.
Ou seja, para os conservadores que consideram o Brexit sem acordo a única forma de tomarem em mãos o uno e indivisível destino dos britânicos, Johnson dificilmente cumpre os mínimos – de há uns 15 dias a esta parte. Para muito espanto dos colegas de formação, o aguerrido Boris – que tantas vezes atropelou a verdade que lhe atrapalhava o desígnio mais nobre do Brexit – já cometeu o pecado maior de colocar a hipótese de ‘repescar’ alguns itens que faziam parte do acordo de Theresa May com Bruxelas, três vezes humilhado na Câmara dos Comuns e muitas mais vezes calcado em plena rua.
Mesmo assim, continua a surgir destacado nas sondagens, sendo Jeremy Hunt o único que pode fazer-lhe alguma frente, mas pouca. E nem uma reserva de peso parece pôr em causa a sua aura: John Griffin, o multimilionário fundador da empresa Addison Lee, profundo defensor do Brexit (doou mais de quatro milhões de euros aos conservadores para a campanha do referendo de 2016), quer apurar o que se passou entre o seu até agora ‘menino bonito’ e Carrie Symonds.
Carrie Symonds, uma jovem trintona um pouco loira, advogada e especialista em comunicação – chegou a trabalhar com Sajid Javid, um dos candidatos a primeiro-ministro entretanto trucidados pela concorrência – é a atual namorada de Johnson. Ora, o casal parece ter-se especializado em discussões violentas – segundo o ‘The Sun’, Carrie tem um historial interessante na matéria – e o multimilionário quer ver o caso esclarecido.
É uma bondade inesperada de Griffin, pois o empresário parece nunca ter tido grandes problemas em apoiar Johnson numa altura em que o seu percurso pessoal – onde avulta, enquanto jornalista, uma inusitada predisposição para a mais pura invenção (um verdadeiro precursor das fake news) – deu sempre nota de algum aborrecimento face à realidade, quando esta não era de feição.
Ao longo da campanha para o Brexit ficou claro que Johnson usou sempre a máxima de que não se deve deixar que a realidade estrague uma bela história, ou, no caso, um belo argumento: as ‘patranhas’ que disse sobre o que seria a vida dos britânicos se não se apressassem a sair da União Europeia são dignas de livro de anedotas, mas em vez disso podem passar a ser o argumento trágico do programa do próximo governo de Sua Majestade – que também não vota.
Talvez por isso, os circunspectos analistas da Société Générale atualizaram o ponto de vista sobre as negociações entre o Reino Unido e a União Europeia e afirmaram que a chegada de Johnson a Downing Street aumenta as probabilidades de saída “caótica” em 43 por cento. Mania de medir tudo, mesmo o que não é medível, dirão. É certo, mas a posição de primeiro-ministro parece garantida para Boris Johnson, “desde que este evite escândalos nas próximas semanas”.
Portanto, para os que preferem Brexit com acordo e para os que não querem de todo qualquer Brexit, a última esperança é que ele não consiga evitá-los.
Artigo publicado na edição nº 1995, de 28 de junho, do Jornal Económico
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