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Brexit ao contrário: como a Premier League domina futebol europeu

Duas finais europeias, quatro equipas inglesas (três das quais londrinas): Champions e Liga Europa. Nunca se viu nada assim no ‘Velho Continente’. A Premier League tomou a Europa de ‘assalto’ e gera receitas ímpares. A maior ameaça ao modelo de negócio é interna.
  • epa07611235 Chelsea’s Willian (C) in action during the UEFA Europa League final between Chelsea FC and Arsenal FC at the Olympic Stadium in Baku, Azerbaijan, 30 May 2019. EPA/MAXIM SHIPENKOV
16 Junho 2019, 10h00

No time for losers, ‘cause we are the champions of the world”. Em outubro de 1977, os britânicos Queen lançavam um dos hinos da história do rock e à falta de títulos ao nível das Seleções, o ‘orelhudo’ tema interpretado por Freddy Mercury espelhava o domínio avassalador dos clubes ingleses no continente europeu já que entre 1977 e 1981 Liverpool e Nothingham Forest dominavam o ‘Velho Continente’ e a sua principal competição: a Taça dos Campeões Europeus. Numa altura em que o Reino Unido parece, a cada dia, mais distante da União Europeia, a lógica do futebol faz questão de contrariar a realidade e coloca as equipas britânicas nas duas finais europeias (algo nunca visto) na ribalta da Liga dos Campeões. Duas equipas que há muito não sabem o que é ser a melhor em Inglaterra.

O Wanda Metropolitano, em Madrid, recebe Liverpool e Tottenham para uma final que pode dar o título de campeão europeu aos reds (que foram campeões pela última vez em 1990) ou aos spurs, cujos adeptos já não vêm o clube ganhar o campeonato desde 1991. Em 1977, vivia-se a época do kick and rush (que iria durar mais uns anos), os estádios ingleses eram autênticos pesadelos para as equipas europeias que ousavam contrariar o entusiasmo britânico e a forma de jogar pouco convencional. Como não há domínio que perdure, italianos, espanhóis e alemães começaram a mostrar argumentos e o futebol inglês perdeu-se numa teia de problemas que fez com que os britânicos tivessem que reinventar o modelo de negócio.

Conquistar a Europa (e o mundo)

Na década de 90, a criação da Premier League foi o primeiro passo para dominar a Europa (e por arrasto, o mundo do futebol). “Acho que passámos por uma reconversão absoluta daquilo que era o futebol inglês há quinze ou vinte anos, tendo em conta que os britânicos estavam de costas voltadas para o continente europeu e os futebolistas mais talentosos jogavam em Itália ou em Espanha”, refere João Marcelino, jornalista e comentador do programa ‘Jogo Económico’. A título de curiosidade, refira-se que na primeira jornada da Premier League, na época de 1992/93, atuaram 13 jogadores que não pertenciam ao Reino Unido ou à República da Irlanda, um estrito lote onde reinava o francês Eric Cantona. Nos dias de hoje, a Premier League alberga mais de 350 estrangeiros com França e Espanha a dominarem entre os países mais representados. Ao nível dos treinadores, a nova era do futebol inglês (na longínqua época de 1992/93) começou sem a presença de qualquer treinador estrangeiro.

Com a Premier League a tornar-se cada vez mais global, a edição 2018/19 teve quatro treinadores ingleses e um irlandês, com as restantes equipas a confiarem as suas equipas à sabedoria de técnicos maioritariamente espanhóis e portugueses. E por falar em quem decide, até os clubes se renderam ao domínio estrangeiro. Na época de estreia da Premier League, em 1992/93, todos os clubes tinham como proprietários gestores britânicos. Vinte e seis anos depois, apenas cinco clubes têm propriedade 100% inglesa: Brighton, Burnley, Huddersfield, Newcastle e o finalista da Liga dos Campeões, Tottenham Hotspur, clube que chega ao topo do futebol europeu sem contar com qualquer reforço esta época. De resto, os chineses são donos de Wolverhampton e Southampton, enquanto Manchester United, Arsenal e Liverpool estão nas mãos dos norte-americanos. Há um iraniano a tomar conta do Everton, um italiano a mandar no Watford, um malaio nas rédeas do Cardiff, o Fulham com um paquistanês no comando e os russos a dominarem emblemas como Bournemouth e Chelsea.

Não há volta a dar. “Houve uma altura que o futebol inglês deu uma volta completa e para isso foi à procura dos melhores treinadores e dos jogadores mais talentosos. A globalização mudou o futebol inglês. As equipas inglesas já não têm nada a ver com o pontapé para a frente, com o kick and rush de antigamente”, explica João Marcelino ao ‘Jornal Económico.

Direitos televisivos: a ‘pedra de toque’

Nada mexeu tanto com o futebol inglês como os direitos televisivos. Importa perceber que, para garantir cinco anos de transmissões televisivas, a Sky pagou 257 milhões de euros para transmitir jogos da Premier League entre 1992 e 1997. Na altura, eram emitidas 60 partidas por temporada para dois milhões de assinantes. A verba parece agora anedótica comparada com os valores praticados atualmente. Em 2016, a Sky e BT foram obrigadas a unir-se em torno do ‘bem comum’: arranjaram 6,9 mil milhões de euros para garantir os direitos televisivos até 2019. E quem ganha com a centralização das verbas dos direitos televisivos? Todos. “No negócio”, realça João Marcelino, “houve a capacidade de distribuir de forma equilibrada as verbas dos direitos televisivos. O Huddersfield, que ficou em último na Premier League, vai receber 109 milhões de euros, o que corresponde a quatro orçamentos do campeão nacional português e isso faz toda a diferença”. Apesar de ter sido vice-campeão, o Liverpool foi o rei da TV em 2018/19: 29 jogos transmitidos em direto deram aos reds 172 milhões de euros. Marco Silva viu o Everton arrecadar 145 milhões de euros e Nuno Espírito Santo vai contar com 143 milhões de euros para o orçamento da próxima época. Tudo à conta dos espetáculos televisivos.

Artigo originalmente publicado na edição do Jornal Económico nº 1991 de 31 de maio de 2019

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