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Brexit: e se de repente houver mesmo um acordo?

Uma fronteira deslocada da terra para o mar. É esse o acordo que está em cima da mesa e prestes a ser aceite por ambas as partes. Confuso? Não importa: a semântica pode salvar tudo.
16 Outubro 2019, 07h47

O primeiro-ministro britânico Boris Johnson parece estar à beira de chegar a um acordo sobre o Brexit – mas também deverá estar à beira de um ataque de nervos, depois de fazer grandes concessões às exigências da União Europeia no que diz respeito à fronteira entre as Irlandas, matéria que até agora era considerada intocável e inegociável.

Um texto preliminar do acordo poderá ser publicado já hoje, dizem os jornais britânicos, se Downing Street der luz verde final àquilo que parece ser a quadratura do círculo: em princípio que haverá uma fronteira aduaneira no mar da Irlanda.

O mais espantoso, é que um acordo semelhante foi rejeitado por Theresa May, antecessora de Johnson, que na altura afirmou que nenhum primeiro-ministro britânico poderia aceitar semelhante solução. A posição de Johnson e do seu executivo – cheio de brexiters adeptos da linha dura, sem acordo – é uma surpresa, depois de o primeiro-ministro ter inicialmente desprezado as negociações, para de seguida simular – segundo a ótica de Bruxelas – que nelas estava empenhado, sem contudo fazer qualquer esforço nesse sentido.

Johnson terá ainda que conquistar o parlamento – incluindo os unionistas do DUP e a linha dura do European Research Group, basicamente aquela que conseguiu tirar May do caminho e enfileirar o país num Brexit sem acordo – com base no facto de que, com este novo acordo, a Irlanda do Norte ainda estará legalmente dentro do território aduaneiro do Reino Unido.

“A Irlanda do Norte estaria de jure no território aduaneiro do Reino Unido, mas de facto no da União Europeia”, disse, citada pelo jornal ‘The Guardian’ uma fonte diplomática sobre o acordo provisório, que assim deixou claro que o entendimento entre as duas partes pode ter como solução pura semântica.

Bruxelas já disse estar confiante de que a Comissão e a equipa de negociação do Reino Unido podem estar perto de atingirem um acordo – o que muda radicalmente o ambiente do Conselho Europeu que reúne amanhã, quinta-feira, em Bruxelas. Isto porque, apesar do pouco tempo que os chefes de Estado e de governo terão para analisar o documento – partindo do princípio que o farão, sendo que a alternativa é deixar à Comissão a decisão final – a ‘palavra de ordem’ é que os 27 devem aceitar aquilo que as duas partes acordarem entre si.

Se o acordo surgir de facto, o mais provável é que a possibilidade de um novo adiamento da data de saída do Reino Unido, 31 de outubro, deixe de ser necessário – o que permitirá ao menos algum alívio entre as duas fações, crescentemente desavindas desde 2016.

O primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, procurou tranquilizar as capitais da União, que temem que o acordo esteja a ser demasiado apressado. “Eu nunca pediria à Comissão ou aos Estados-membros que comprometessem o Mercado Único, porque o nosso emprego, a nossa economia e a nossa segurança dependem disso também”, afirmou, citado pelos jornais.

“Se conseguirmos chegar a um acordo na quinta ou na sexta-feira, e se a Câmara dos Comuns puder votar a favor no sábado, pode não ser necessário sequer considerar uma prorrogação” do prazo de saída”, disse. Apesar disso, Varadkar manteve-se na órbita do otimismo cauteloso, dizendo que “as indicações iniciais são de que estamos a progredir”.

Michel Barnier, o negociador-chefe do lado de Bruxelas, havia fixado um prazo para à passada meia-noite para Johnson aceitar a exigência da União e concordar com uma fronteira aduaneira no mar da Irlanda; a alternativa era ficar sem nada para levar ao conhecimento da Câmara dos Comuns.

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