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Cabral dos Santos revela carta onde Berardo pede à CGD crédito de 350 milhões para comprar ações do BCP

“A carta de Joe Berardo a Carlos Santos Ferreira de 10 de novembro de 2016 evidencia que foi a Fundação Berardo tomou a iniciativa de consultar a Caixa” [para o empréstimo de 350 milhões de euros]. A operação ou era feita com rácio de cobertura por garantias de 105% ou não se fazia. Essa era condição do cliente. A operação fez-se apesar de o parecer do risco ter inicialmente exigido uma cobertura de 120%.
  • O ex-diretor das Grandes Empresas da Caixa Geral de Depósitos, José Pedro Cabral dos Santos, intervém durante a sua audição na II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à Gestão do Banco, na Assembleia da República, em Lisboa, 17 de junho de 2019. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
17 Junho 2019, 16h34

José Pedro Cabral dos Santos era vogal do conselho de administração e da comissão executiva da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e foi ex-diretor de grandes empresas da Caixa  quando o conselho de crédito do banco estatal decidiu dispensar o aval pessoal de Joe Berardo nos empréstimos concedidos ao empresário, em troca de uma autonomia financeira de 20%, relacionada com as contas da Fundação Berardo.  “A Fundação tinha ativos de 771 milhões de euros, capitais próprios de 226 milhões e uma autonomia financeira de 29,3%”, por isso, após a análise das contas da Fundação, o conselho alargado de Crédito da Caixa “decidiu prescindir da exigência do aval”.

Sobre a Metalgest, Cabral dos Santos explicou o racional da operação: “as contas de Metalgest de 2005 tinham ativos de 224 milhões de euros, 150 milhões de tivos financeiros [ações do BCP, PT, PT Multimédia, Sonae SGPS] e capitais próprios de 200 milhões de euros.

O empréstimo de 50 milhões à Metalgest dado pela CGD, foi justificado por Cabral dos Santos, com o elevado envolvimento da empresa de Berardo com a Caixa, já que o grupo Berardo era cliente do banco do Estado com um envolvimento comercial de 1,5 milhões de euros. Este envolvimento resulta do facto de a Metalgest ter comprado empresas de telecomunicações que eram clientes da CGD.

Inicialmente o conselho alargado de crédito propôs uma operação de financiamento diferente que era de de apenas 5 milhões a 48 meses com garantia de ações a cobrir 110% do empréstimos e com aval de Joe Berardo. Esta proposta data de 17 de janeiro de 2006. Mas a Metalgest não aceitou.

Passou depois para 50 milhões a cinco anos para refinanciar dívida do BCP e compra de ações BCP autorizada pela CGD, com essas ações como garantia e com um rácio de cobertura de garantias de no mínimo 100%.

O Conselho Alargado de Crédito acabou por aprovar “um financiamento de 50 milhões de euros, a cinco anos (bullet, ou seja com reembolso integral no final) para refinanciamento da dívida ao BCP e compra de ações aprovadas pela CGD, com penhor de ações com um rácio de 100%”, disse o bancário que relata que esta operação que foi aprovada em 14 julho de 2006.

Cabral dos Santos reconheceu que este crédito foi aprovado em condições diferentes das recomendadas pela direção de risco da CGD.  “A Metalgest era uma SGPS, uma SGPS não é melhor ou pior por ter resultados operacionais positivos ou negativos, porque não tem uma operação — a mais-valia ou menos-valia vem da forma como evoluem as avaliações das empresas participadas, nem mesmo os dividendos são resultados operacionais”, disse ainda. O ex-diretor da Caixa ressalva que as contas da Metalgest “davam bastante segurança, não tinham quase dívida” e “se a operação fosse para, em parte, para substituir outra dívida (ao BCP) isso não ia alavancar mais a empresa. Havia alguma defesa técnica para esta operação”.

José Pedro Cabral dos Santos faz uma declaração inicial, começando por explicar a origem de alguns dos créditos concedidos a José Berardo e à Investifino.

O empréstimo à Fundação Berardo de 350 milhões de euros, também foi descrito pelo ex-diretor da CGD. Este crédito andou em ‘bolandas’, com propostas, contra-propostas, e pareceres de risco desfavoráveis, mas acabou aprovado em abril de 20017, a cinco anos, sem aval, sem denúncia anual; com rácio de cobertura por garantias em 105%, condicionada a um autonomia financeira do devedor de 20% e um spread de 0,7% (uma redução face à proposta de spread de 0,8%).

Na audição de Berardo, foi dito que foi a CGD que lhe foi bater à porta, e citado o nome deste ex-diretor da CGD. “Depois de consultar o seu advogado, Berardo disse o meu nome. Fui procurar evidências. Fui ao arquivo da Caixa e encontrei uma carta de 10 de novembro de 2006 assinada por José Berardo e dirigida a Carlos Santos Ferreira, então CEO da CGD, com o assunto: “Concessão de linha de crédito”, afirmou Cabral dos Santos naquela que é a sua segunda audição no âmbito desta comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da CGD e à gestão do banco”. Nessa carta estipulavam-se as condições de um pedido de crédito de 350 milhões para compra de ações do BCP garantido +pelas ações do BCP e de outras empresas do PSI-20. O bancário já tinha ido ao Parlamento no passado dia 24 de abril.

“Esta carta, em 7 de dezembro de 2006, é despachada para mim pelo Dr. Maldonado Gonelha”, diz Cabral dos Santos, que foi Carlos Santos Ferreira quem remeteu para o administrador do pelouro de crédito. “Analisem [a direção de grandes empresas] esta consulta como se analisa outra consulta qualquer”, relatou o ex-diretor a instrução dada pelo administrador Maldonado Gonelha.

Depois, a 7 de março de 2007, aprovou-se o financiamento, mas não nas condições pedidas inicialmente pela fundação, nem nas condições recomendadas pela Direção de Risco, que propunha uma cobertura por garantias de 120%, com denuncia anual a poder substituída por um rácio mínimo de autonomia financeira de 25%.

As contas da Fundação Berardo em 2016 revelavam um lucro de 56,5 milhões.

“A primeira decisão do Conselho Alargado de Crédito é uma decisão de meio-termo entre as condições impostas pelo departamento de risco e da proposta feita por Berardo. Havia a possibilidade de um aval, um rácio de 110% mas podia ser revisto trimestralmente, se inferior a 100% devia ser reposto . Mas o cliente fez finca-pé e disse que não aceitava. Face a essa situação foi preciso decidir: ou se faz assim ou não se faz”, descreveu o ex-diretor de grande empresas.

Isto é, a Direção de Risco começou por exigir 120%, depois cedeu para 110% e acabou por ceder às exigências de Berardo de 105%. “A operação com 120% não se faz, com 105% faz-se. Qual é a decisão? Fez-se”, relata.

Cabral dos Santos falou também do uso de 38 milhões de euros da linha de 350 milhões já aprovada. Berardo usou esses 38 milhões para acorrer ao aumento de capital do BCP, no início de abril de 2008. na sequência disto foi pedido um reforço de garantias a Berardo. A Fundação propôs um reforço de garantias que não foram aceites pela CGD.

José Cabral dos Santos, foi quem propôs a operação de crédito a Conselho Alargado de Crédito. Nesse conselho que aprovou o crédito nas condições de Berardo não esteve presente nem Cabral dos Santos, nem Maldonado Gonelha.

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