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Carlos Costa: Balanço inicial do Novo Banco seguiu a metodologia das “imparidades incorridas” e não as “esperadas”

O ex-Governador do Banco de Portugal revelou que os 4,9 mil milhões de euros de capital com que foi criado o Novo Banco resultou de um “compromisso entre três entidades: o Banco de Portugal que queria mais, o Ministério das Finanças que achava qualquer valor alto e a Comissão Europeia que queria evitar distorções de concorrência”.
17 Maio 2021, 16h41

Carlos Costa está hoje na audição da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Novo Banco a falar pela primeira vez desde que os deputados tiveram acesso ao Relatório Costa Pinto que fez a “autópsia” à atuação do Banco de Portugal na resolução do BES em 2014. A subcapitalização do balanço inicial do Novo Banco é um dos pontos revelados nesse relatório. O Banco de Portugal defendeu a criação de uma almofada de 500 milhões de euros face ao valor determinado de necessidades de capital do Novo Banco, a 3 de agosto de 2014 (5,5 mil milhões em vez dos 4,9 milhões de euros). Mas a Comissão Europeia defendeu que a capitalização de um banco em resolução deve ser feita estritamente pelos mínimos, pelo que vingou a versão dos 4,9 mil milhões de euros. Valor este que foi confirmado pela PwC.

Carlos Costa explicou ao deputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, que os 4,9 mil milhões de euros de capital com que foi criado o Novo Banco resultou de um “compromisso entre três entidades: o Banco de Portugal que queria mais, o Ministério das Finanças que achava qualquer valor alto e a Comissão Europeia que queria evitar distorções de concorrência”. Carlos Costa lembrou que o rácio de capital inicial de 9,2% do Novo Banco foi estipulado para assegurar a continuidade do banco, porque as perdas do passado tinham de “ser imputadas aos stakeholders“, referiu. O ex-governador citou um banco italiano que também era um banco de transição que foi constituído com um rácio de capital de 9%.

O capital regulatório alterou-se ao longo do tempo, passou de 8% para 14% e o Novo Banco conseguiu 6 pontos percentuais de capital adicional, reduzindo os ativos ponderados pelo risco, o “que foi uma gestão muito inteligente”, defendeu.

O  antigo Governador do Banco de Portugal explicou, na resposta às perguntas feitas pela deputada do CDS, Cecília Meireles, que a metodologia de avaliação dos ativos do Novo Banco foi feita pelas “imparidades por perdas incorridas” e não por “imparidades por perdas esperadas. Isto significa que estes ativos vão gerar novas perdas no futuro à medida que gerarem novos incumprimentos”.

Carlos Costa diz que à data da resolução implicava usar a melhor informação disponível. “É sempre previsível que até à data da venda haja surpresas porque não estavam refletidas no valor económico”.

“Na nova metodologia (a metodologia atual) os ativos problemáticos no balanço do Novo Banco de 12,5 mil milhões de euros que tinham um valor líquido de balanço de mais de sete mil milhões de euros, porque já tinham sido constituídas imparidades para esse pacote de ativos, teriam tido um abatimento muito maior no balanço, pelo que o burden-sharing  [partilha de encargos e perdas para acionistas, para credores subordinados] do Novo Banco teria sido muito maior”, explicou.

“Mesmo que tivessem sido contabilizadas as imparidades esperadas, não estaríamos a refletir o valor económico”, disse.

“Na resolução os riscos de burden-sharing permanecem até ao momento do fecho”, referiu. Em 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal tinha de concluir o burden-sharing, tinham de concluir o processo de partilha de perdas.

O ex-Governador Carlos Costa começou a sua audição lembrando que das 50 vezes que veio ao Parlamento, 12 foram depoimentos sobre o BES e o Novo Banco.

“São cerca de 70 a 80 horas de depoimentos nesta câmara”, lembrou Carlos Costa que pediu à Comissão Parlamentar de inquérito para anexar o Acórdão do Tribunal Administrativo de Lisboa; a decisão do Supremo Tribunal Administrativo sobre questões de idoneidade; e uma determinação de capitais iniciais feita num banco de transição em Itália, já antevendo que o vão confrontar com o capital inicial do Novo Banco.

“Qualquer processo de aquisição, público ou privado, o vendedor dá garantia ao comprador sobre contingências futuras”, disse Carlos Costa, que lembrou que em ambos os processos de venda do Novo Banco isso se colocou.

Carlos Costa elogiou o mecanismo de capitalização contingente, porque impõe um tecto (3,89 mil milhões) às perdas ocorridas no futuro e aceites para chamadas de capital.

Havia no Banco de Portugal uma estimativa acerca de quanto do mecanismo de capital contingente é que poderia ser utilizado (face ao total de 3.890 milhões)? “Não, o Banco de Portugal nunca fez uma estimativa”, explicou o ex-Governador que acrescentou que “nenhum de nós tem, nem consegue antecipar o apetite de mercado por aqueles ativos, portanto depende muito das circunstâncias”.

As contingência futuras eram o pacote de ativos de risco de 12,5 mil milhões de euros que iriam entrar no mecanismo de capital contingente. “O comprador não era forçado a aceitá-las”, lembrou acrescentando que aliás só a Lone Star aceitou esse mecanismo. “A questão é sempre a mesma,  a venda do Novo Banco foi “como vender um cabaz de fruta que parcialmente está apodrecida, nessa situação eu não posso contar com a benevolência ou generosidade do comprador de comprar toda a fruta como sendo de qualidade”, disse Carlos Costa.

Carlos Costa lembra que a redução dos ativos maus pelo Novo Banco também ajudou a reduzir as necessidades de capital, a prazo.

“As outras propostas [de compra do Novo Banco] também implicitamente tinham um mecanismo de garantia sobre contingências futuras daqueles ativos”, só que nas outras propostas a exigência era de reembolso de um euro por um euro (de perdas), explica, reforçando o elogio ao mecanismo impõe “dois travões”.

A deputada Cecília Meireles invoca a crítica do Tribunal de Contas, de que o mecanismo de capital contingente é desequilibrado por poder incluir perdas acumuladas e não apenas do ano anterior.

Recorde-se que o montante dos pagamentos a realizar pelo Fundo de Resolução corresponde ao menor dos seguintes montantes: perdas líquidas acumuladas nos Ativos CCA, e montante necessário para repor o rácio de capital do Novo Banco no nível acordado (rácio de CET 1 de 12%).

A condição de capital serve como mecanismo de partilha de perdas e de menorização dos encargos para o Fundo de Resolução. No máximo, o Fundo de Resolução paga o montante correspondente às perdas nos ativos abrangidos; mas o Fundo de Resolução poderá pagar menos do que as perdas nesses ativos se a insuficiência nos rácios de capital for inferior ao montante das perdas.

Carlos Costa antes tinha lembrado que “havia dois anos para vender o banco, havia o risco de liquidação do banco e grande desconfiança das autoridades europeias relativamente à possibilidade de vender, havia um plano de contingência que correspondia a uma liquidação, que teria um custo muito superior ao que terá a venda que foi realizada”.

“Qual foi o custo de agir e o custo de não agir? E o custo de agir foi incomparavelmente inferior ao custo de não agir“, defendeu Carlos Costa dizendo que não foi uma opção pelo melhor, foi uma opção pelo “menos mau”, lembrando que “nos caiu nas mãos um banco que entrou em insolvência no dia 30 de junho de 2014”.

A venda do banco de transição tinha de ser feita em dois anos “e estávamos numa situação em que tínhamos um tempo-limite, e uma espada de Dâmocles [sobre a cabeça], que era risco de liquidação que poderia custar mais de 20 mil milhões à economia portuguesa”. O valor das perdas com a liquidação do BES atingiu os 22 mil milhões segundo o Tribunal de Contas.

Carlos Costa remete para o BCE a decisão sobre o presidente da Nani Holdings

A deputada do CDS-PP confrontou Carlos Costa com a informação de que o atual presidente da Nani Holdings fez parte da equipa do Deutsche Bank que assessorou o Banco de Portugal na venda do Novo Banco.

Nessa altura, “quando Evgeny Kazarez trabalhou no Deutsche Bank para prestar assessoria não era chefe de equipa nem era dos mais relevantes”, respondeu Carlos Costa que lembrou que “depois, decorreu um período em que Evgeny Kazarez não estava em contacto com a realidade do Novo Banco e, depois, apresenta-se (ao BCE) como candidato à presidência da Nani Holdings – se a autoridade de supervisão achou que não havia conflitos de interesse, não seria eu a contrariar a autoridade de supervisão”, disse.

“Quem decide, em última instância, é o SSM (Single Supervisory Mechanism)”, explicou referindo-se ao supervisor europeu.

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