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Carlos Costa defende que harmonização de regras vai acelerar movimentos de concentração bancária transfronteiriça

Esse processo de concentração será tão mais rápido quanto menos preparados estiverem os bancos para concorrer no espaço europeu, defendeu o Governador no Banco de Portugal na conferência sobre a Banca do Futuro.
25 Setembro 2018, 14h54

Carlos Costa encerrou a conferência do Jornal de Negócios subordinado ao tema “Banca do futuro”.

Nela, abordar os desafios do futuro para o setor bancário, concluiu que “os bancos europeus, e muito particularmente para a banca portuguesa, o digital não é o único grande desafio imediato”.

Pois para além de temas que têm sido amplamente debatidos – como sejam a gestão dos ativos não produtivos em balanço e o cumprimento de requisitos regulatórios muito mais exigentes (designadamente em sede de MREL) – também o desaparecimento da fragmentação no mercado financeiro europeu comporta um conjunto de desafios que não podemos ignorar”, alertou o supervisor.

O debate europeu atual centra-se “na maior harmonização de regras através da remoção de opções e discricionariedade nacional que ainda subsiste, bem como no recurso a Regulamentos Comunitários de aplicação direta em vez de Diretivas que requerem transposição nacional”, recordou.

Ora, “tal harmonização é vista como necessária à integração financeira transfronteiriça, potenciadora de maior partilha de risco no espaço europeu”. Pelo que “a concomitante aceleração de movimentos de concentração bancária transfronteiriça será neste contexto uma realidade a prazo”.

“Esse processo de concentração será tão mais rápido quanto menos preparados estiverem os bancos para concorrer no espaço europeu”, disse.

“Ao nível nacional, importará avaliar quais as necessidades de investimento e onde apostar para concorrer num mercado em que a delimitação da fronteira nacional é cada vez menos relevante, tendo como pano de fundo a discussão sobre a localização dos centros de decisão”, realçou o Governador do Banco de Portugal.

No seu discurso começou por lançar questões sobre o tema do caminho para a digitalização da banca.

“Em face do desenvolvimento tecnológico exponencial, começo por deixar uma pergunta a todos na audiência: como anteveem a atividade bancária daqui a 10 anos, a 5 ou mesmo a 2 anos?”, questionou.

Carlos Costa lembrou que “a crise financeira de 2007 e desenvolvimentos subsequentes puseram em causa os níveis elevados de confiança e de reputação de que beneficiava o setor bancário. Há mesmo quem advogue que as marcas bancárias sofrem hoje de uma crise existencial, num contexto em que cada vez mais as marcas capazes de criar empatia com os consumidores são os grandes ícones tecnologicos”, referiu.

“Atualmente, e para termos um ponto de comparação, a valorização da Apple no mercado acionista quase ultrapassa a valorização dos 48 maiores bancos europeus, ao mesmo tempo que empresas FinTech atraem rondas de investimento de dimensão cada vez maior, com valorizações que começam a ultrapassar os milhares de milhões de euros”, destacou.

Neste contexto “há algumas questões que requerem reflexão.  Estarão os bancos condenados a uma redução progressiva da sua dimensão e do seu valor acrescentado, tornando-se backoffices, ou poderão ser atores no mercado global na era digital? Serão os bancos capazes de antecipar as necessidades dos consumidores? E como será o ecossistema em que os diversos agentes irão interagir?”, lançou Carlos Costa.

O Governador considera que “é expectável que a disponibilidade de grandes quantidades de dados (big data) e a utilização destes dados através do recurso a inteligência artificial se tornem centrais ao ecossistema digital, tanto financeiro como não financeiro, de um cliente no futuro”.

Assim, “ao invés de oferecer uma perspetiva de espelho retrovisor, o ecossistema financeiro digital fornecerá ao consumidor uma visão prospetiva, um GPS da sua vida financeira no futuro. A pressão para reduzir custos e o impulso para a simplificação criarão um novo paradigma de organização em que será comum os bancos dependerem de terceiros para infraestruturas e talentos não essenciais”, disse.

“Os bancos ficarão assim cada vez mais interligados através de uma rede complexa de fornecedores e terceiros como sejam os serviços de informação sobre contas e os serviços de iniciação de pagamentos introduzidos pela nova Diretiva de Serviços de Pagamento (DSP2)”, lembrou o Governador que adiantou que “serão oferecidos aos clientes, em tempo real, produtos segmentados à medida das suas necessidades, quer ao nível do Retalho, quer ao nível da gestão de património”.

Ao mesmo tempo, as instituições financeiras serão capazes de melhorar a avaliação do perfil de risco dos seus clientes através de uma visão precisa e atualizada da posição financeira destes, com a utilização em larga escala de modelos de credit scoring.

“A investigação recente mostra que simples variáveis da pegada digital têm um poder preditivo que pode igualar, ou por vezes ultrapassar, as tradicionais avaliações de credit bureaus. Tal pode representar uma oportunidade para aumentar a inclusão financeira nos países em desenvolvimento, bem como expandir significativamente a base de clientes. O investimento de empresas como a Google na Índia através da expansão do Google Pay é um exemplo disso”, referiu Carlos Costa.

Por outro lado, o maior uso de informação pessoal, incluindo a potencial venda de dados agregados anonimizados, ao permitir a discriminação perfeita dos consumidores, poderá colocar em causa a privacidade dos consumidores, confrontando a sociedade com diversas questões relacionadas com a literacia financeiro-tecnológica, a cibersegurança e outras questões mais vastas de cariz filosófico. “Está a sociedade disposta a partilhar todos os pormenores da sua vida financeira sujeitando-se, em casos extremos, a potenciais manipulações?”, questionou o supervisor bancário.

“Recentemente, casos como os que envolveram o Facebook e a Cambridge Analytica, sensibilizaram a sociedade para os riscos associados ao uso por terceiros de informação partilhada na internet. Pode este caso ser entendido como um repto a que a sociedade estabeleça um limite de tolerância? Conseguimos imaginar-nos no futuro a recorrer a um banco através de aplicativos (apps) tão obsessivamente quanto verificamos as redes sociais, ou já o fazemos hoje? E quais as implicações disso?”, questionou.

Para os bancos incumbentes “este cenário coloca diversos desafios, mas constitui também uma oportunidade. Diversos são já os exemplos de bancos que atualmente investem, cooperam e desenvolvem de raiz FinTechs, não as vendo como concorrentes mas sim como instituições complementares ou parceiras.Este tipo de investimento permite a estes bancos posicionar-se estrategicamente para lidar com a expansão dos grandes gigantes digitais – comumente conhecidos como GAFAA (Google, Apple, Facebook, Amazon e Alibaba) – no domínio dos serviços financeiros”, realçou.

As extensas bases de dados dos grandes gigantes digitais, aliadas a uma assinalável capacidade analítica e de processamento de dados, “constituem fatores competitivos muito relevantes face aos incumbentes”, disse também Carlos Costa. Um assunto que os banqueiros anteriormentetp tinham posto em cima da mesa.

“Embora os bancos tenham a seu favor o (re)conhecimento do público e a capacidade fiduciária acumulada, as suas bases de dados são limitadas geograficamente por comparação com as das empresas tecnológicas à escala global e assentam em sistemas legacy pesados, que se caracterizam pela pouca agilidade para tratar grandes quantidades de informação em tempo quase real”, disse concluindo que “o modelo de negócio bancário como o conhecemos sofrerá profundas alterações”.

Para o Governador “o risco mais premente para a banca é o de ciberataques, tema de importância à escala global, atualmente maioritariamente associado a sistemas de pagamentos”.

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