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Carlos Tavares diz que Concorrência e Bruxelas analisaram as propostas do Governo sem olhar para mercado ibérico de eletricidade

“Qualquer análise de concorrência tinha de ser feito no âmbito do mercado ibérico, o que foi totalmente esquecido no parecer da Autoridade da Concorrência que se baseava apenas no funcionamento do mercado fechado”, disse o ex-ministro que diz que “se há coisa que se arrepende é de ter sido Ministro da Economia”.
  • Cristina Bernardo
25 Setembro 2018, 19h32

Carlos Tavares, que foi ministro da Economia entre 2002 e 2004, considera que o parecer da Autoridade da Concorrência (AdC) em 2004,  então liderada por Abel Mateus, onde era criticado o projeto de criação dos Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), tinha várias falhas, entre elas a ausência de uma análise sobre o mercado ibérico de eletricidade (MIBEL). Segundo Carlos Tavares, esta autoridade “emitiu o parecer sem saber como iria funcionar o mercado ibérico”.

“Qualquer análise de concorrência tinha de ser feito no âmbito do mercado ibérico, o que foi totalmente esquecido no parecer da Autoridade da Concorrência que se baseava apenas no funcionamento do mercado fechado”, disse o ex-ministro que diz que “se há coisa que se arrepende é de ter sido Ministro da Economia”.

Abel Mateus, presidente da Autoridade da Concorrência naquela altura, afirmou  na sua audição que “a AdC foi consultada aquando do decreto-lei que criou os CMEC em 2004, pelo ministro Carlos Tavares, tendo apresentado várias objeções ao Governo, que não foram atendidas”.

O ex-ministro da economia reconhece que entre os vários caminhos indicados pela ERSE para o desenho dos CMEC, o “favorito” do regulador parecia ser o leilão [havia duas opções leilão e esta], mas a opção de leilão foi  rejeitada.  “O mecanismo que a AdC propunha do leilão não tinha vantagens, além das duvidas da sua aceitabilidade pela Comissão, e tinha problemas de exequibilidade”, disse.

“Queria ver o que tinha acontecido se no leilão a REN fosse substituída pela Iberdrola e que a EDP passasse a ser agente dos espanhóis”, acrescentou.

Segundo o antigo governante, a intenção dos CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual) era que “se mantivesse a equivalência financeira” em relação aos CAE, “embora os CMEC tivessem riscos” que os cessantes CAE não comportavam, admitiu.

Mas afinal a não neutralidade dos CMEC tem sido avaliada em 510 milhões de euros.

“Com a existência dos CAE, nenhuma solução era boa. Esta foi a que mereceu a concordância da Comissão Europeia” diz  Carlos Tavares, que teve a tutela da Energia no governo de Durão Barroso.

O ex-ministro da Economia foi confrontado com uma declaração de Manuel Lancastre, secretário de Estado do ministro que o sucedeu (Álvaro Barreto), que será ouvido amanhã, em que é dito que os CMEC foram criados para ter um efeito de baixar as tarifas, coisa que não se veio a verificar.

O Governo do qual fez parte “levou a cabo uma profunda reforma da energia, da qual os CMEC foram apenas uma pequena parte”, disse ainda.

Carlos Tavares diz que AdC ajudou Bruxelas a rejeitar o modelo de reestruturação do setor energético

Carlos Tavares disse na Comissão Parlamentar de Inquérito às rendas excessivas que até hoje “estranhava muito que Bruxelas não tenha aprovado o modelo de reestruturação do setor energético que nós tínhamos proposto”. E disse que a Autoridade da Concorrência, liderada por Abel Mateus, colaborou com a Comissão Europeia no sentido de evitar a aprovação do modelo de reestruturação do setor energético.

Tratava-se de um modelo desenhado por João Talone, então responsável pela estrutura de missão que ficou encarregue de apresentar uma proposta ao Governo.

A proposta na altura foi a Conselho de Ministros e tinha duas modalidades e apenas uma foi aprovada, o unbundling do transporte do gás (que foi separado da Galp, que assim passou a centrar-se no negócio principal do petróleo). A segunda proposta, rejeitada pela Comissão Europeia, era a de juntar o gás à EDP (porque era importante para a produção de eletricidade). Ao mesmo liberalizam o mercado do gás. Mas Bruxelas não permitiu juntar o negócio do gás à eletricidade por questões de concorrência.”Sem ter em conta mais uma vez que estávamos num mercado ibérico de energia”. Isto é, a  análise da Concorrência europeia teve em conta o mercado estritamente nacional, “mas na altura a capacidade de interligação a Espanha já era de 20%”, disse.

Recorde-se que quando o Governo de Durão Barroso toma posse, em abril de 2002, já a Comissão Europeia estava a trabalhar numa diretiva que previa a liberalização do mercado da energia. A diretiva impunha a criação de um mercado aberto, o que obrigava o Estado a pôr fim aos contratos de longo prazo que protegiam os produtores (CAE), e que Carlos Tavares admitiu que, de tão bem feitos, estavam blindados à quebra contratual.

Os reguladores Autoridade da Concorrência e a ERSE tinham pareceres onde apontavam críticas, mas segundo Franquelim Alves, secretário de Estado de Carlos Tavares disse nesta Comissão Parlamentar de Inquérito hoje de manhã, “quando integrei o Governo, em abril de 2003, a opção do Governo pelos CMEC estava tomada”.

Em janeiro de 2004 é assinado o acordo de criação do MIBEL – Mercado Ibérico de Eletricidade.

Carlos Tavares recusa a paternidade dos CMEC, que foram negociados, mas não finalizados, no seu mandato, “são uma decorrência natural dos contratos de aquisição de energia” que foram criados com Mira Amaral na pasta da indústria em 1995 e estendidos à EDP em 1996.

Durante a audição, Carlos Tavares foi confrontado um dos temas em que os deputados mais têm insistido ao longo desta Comissão. A saber a extensão das licenças de produção de eletricidade nas barragens da EDP, uma hipótese contemplada no decreto-lei 240/2004, que criou os CMEC, e que, até agora, nenhum antigo governante admite ter negociado.

“Temos uma definição na lei que confere um direito que não existia previamente: desde que ressarcissem o Estado com o valor residual destes bens, os produtores ficariam donos das barragens por mais 25 anos. Esse direito não existia com os CAE”, dizem os deputados. Jorge Borrego não se lembra, o presidente da REN da altura também não se lembra de nada, o presidente da EDP não se lembra de nada, o secretário de Estado da altura também não. Carlos Tavares também alegou, contudo, não se lembrar da negociação deste novo direito dos produtores de eletricidade. “Não houve nenhuma negociação comigo sobre esse ponto. Não me tinha apercebido sequer dele“, afirmou.

Carlos Tavares saiu do governo, em julho de 2004, e o decreto-lei 240/2004, que define as condições da cessação dos CAE e a criação de medidas compensatórias designadas custos para a manutenção para o equilíbrio contratual (CMEC), foi publicado em dezembro, já com o governo de Santana Lopes.

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