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Carlos Tavares: “Enquanto o Banco de Portugal atuou apenas como supervisor houve articulação com a CMVM”

A CMVM não podia suspender mais cedo as ações do BES porque não foi informada pelo Banco de Portugal da resolução, defendeu Carlos Tavares. O ex-presidente da CMVM contrariou ainda as informações de Fernando Ulrich sobre a ausência da participação dos credores na recapitalização do Novo Banco. “Os credores foram de facto chamados à capitalização”, disse.
  • Cristina Bernardo
16 Junho 2021, 12h32

“Enquanto o Banco de Portugal atuou apenas como supervisor houve articulação com a CMVM. Mas quando passou a atuar como autoridade de resolução, tomou determinações em relação à medida de resolução do BES sem ouvir a CMVM, porque [por lei] não tinha de o fazer”, disse Carlos Tavares, presidente da CMVM à data da queda do Banco Espírito Santo, defendendo que essa prerrogativa poderia ser melhorada.

Carlos Tavares lamenta que a CMVM não tenha estado envolvida no processo de resolução do BES, porque podia ter suspendido as ações do BES mais cedo. “Neste momento, o que mais me penaliza foi o facto de este processo não ter tido a participação do regulador do mercado. E de não ter podido suspender [mais cedo] as ações do BES”, referiu.

Segundo testemunhou, no decreto-lei da resolução do BES, a CMVM propôs que fosse obrigatório pedir parecer prévio à supervisora do mercado. Mas isso não ficou contemplado na lei.

O ex-presidente da CMVM está esta quarta-feira no Parlamento para ser ouvido no âmbito da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

O inquérito começou com Miguel Matos, deputado do PS, que pediu a Carlos Tavares pormenores sobre o acordo de cooperação de 2009 entre o Banco de Portugal, a CMVM e a Autoridade Supervisora dos Seguros e Pensões (ASF). “Trata-se de um protocolo de cooperação que tem um compromisso de troca de informações. Mas devia ser mais do que compromissos, deviam ser obrigações legais. Sempre defendi esse ponto e isso ainda não estará completamente integrado”, defendeu acrescentando que “não devia ser deixado à simples vontade das partes (os reguladores e o supervisor) o seu cumprimento, não havendo nenhuma consequência no incumprimento”, defendeu Carlos Tavares.

No entanto, essa colaboração existiu. Até certa altura. “A colaboração ou cooperação existiu e foi bastante eficaz, com a exceção das últimas três semanas de vida do BES”, frisou.

A audição de Carlos Tavares tinha sido adiada depois do ex-presidente da CMVM ter pedido para ser entregue aos deputados o relatório interno feito pela própria CMVM, a pedido do próprio enquanto presidente, tendo a elaboração sido coordenada por Gabriela Figueiredo Dias, à data Assessora do Conselho Diretivo e atual presidente da Comissão de Mercado.

Tavares diz que nesse relatório está demonstrado que a “CMVM atuou de forma independente e até corajosa no BES”, admitindo que “não há nenhum facto relevante no relatório que não tenha sido transmitido já ao Parlamento”. Carlos Tavares referia-se ao relatório de autoavaliação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) sobre o acompanhamento feito aos últimos meses de vida do Banco Espírito Santo (BES).

Foi o ex-presidente da entidade reguladora do mercado de capitais que defendeu que o “relatório de autoavaliação da atuação da CMVM” devia ser lido pelos deputados antes de ser questionado, o que levou Fernando Negrão, a adiar a audição.

Aumento de capital do BES em 2014 chamado ao inquérito

A 11 de junho de 2014, o BES fez um aumento de capital de 1.000 milhões de euros, colocado em acionistas e investidores do mercado, e menos de dois meses depois, os subscritores sofreram perdas totais, porque as ações ficaram sem valor na resolução do banco. O aumento de capital estava tomado firme pelos bancos de investimento, mas 8% das ações ficaram em investidores individuais.

A CMVM sempre defendeu que não podia impedir esse aumento de capital e que os riscos estavam publicados no prospeto, e que a sua obrigação era garantir que a informação transmitida era verdadeira.

Foi o BdP obrigou na altura à recapitalização do BES e da ESFG e decorreu daí o aumento de capital do banco então liderado por Ricardo Salgado, lembrou Tavares.

Carlos Tavares revisitou algumas das operações que arruinaram os investidores do BES e da Portugal Telecom, duas empresas cotadas em bolsa e como tal sob supervisão da CMVM.

O ex-presidente da CMVM lembrou que a Rioforte comprou 49% da ESFG (no âmbito da reestruturação do grupo) – quando foi imposto o ring fencing pelo Banco de Portugal – por cinco vezes o seu valor e que isso foi financiado com o papel comercial colocado na Portugal Telecom de 897 milhões de euros, e que acabou por contaminar a operadora de telecomunicações onde o BES tinha 10%.

Carlos Tavares defendeu ainda que não houve problemas com o Fundo Espírito Santo Liquidez (que concentrava essencialmente e maioritariamente títulos de dívida do Grupo Espírito Santo), e que o problema surgiu depois de a CMVM ter obrigado, na sequência da mudança da lei, aquele fundo a reduzir substancialmente a exposição ao grupo (não podia ser superior a 20%).

Em julho de 2013, o Fundo ES Liquidez tinha ativos no valor de 1.824 milhões de euros, 1.600 dos quais relativos a dívida do GES.

A imposição de limites aos ativos do próprio grupo que as sociedades gestores de fundos podem deter, determinada pela CMVM, levou a ESAF – que geria os fundos do BES – a desfazer-se da dívida do Grupo Espírito Santo (GES). Uma medida que levou o grupo então liderado por Ricardo Salgado a optar pela Espírito Santo Internacional (ESI) para colocar dívida de curto prazo (papel comercial) aos balcões dos bancos do GES. À data, defende Carlos Tavares, a fraude contabilística da ESI não era conhecida.

Depois, quando em fevereiro de 2014, o Banco de Portugal proibiu a comercialização de papel comercial da ESI nos bancos em Portugal, o GES substituiu esse papel comercial por séries comerciais sobre obrigações e ações preferenciais do BES.

Os produtos que substituíram o papel comercial do BES “eram mais uma forma de pôr os clientes do banco a financiar o grupo”, reconheceu Carlos Tavares que lembra que a CMVM na altura desencadeou uma ação de fiscalização e que o BdP agravou os requisitos de capital ao BES.

CMVM propôs em 2014 a conversão do papel comercial em dívida subordinada do Novo Banco

Carlos Tavares revelou que propôs ao BdP que houvesse a conversão de 80% do papel comercial do GES em dívida subordinada do banco, “isso era aceite pelos subscritores de papel comercial e permitia ter reconstruído a base acionista do Novo Banco”, disse, lembrando que essa proposta não colheu e que se arrastou até que foi o Estado, já com o governo de António Costa, que teve de assumir esse papel comercial, lembrou Tavares referindo-se ao acordo patrocinado pela primeira legislatura do atual Governo para ressarcir os lesados do BES.

O Governo aprovou uma solução que permitiu aos clientes do BES recuperarem entre 50% e 75% do dinheiro aplicado em dívida das empresas insolventes do grupo.

Carlos Tavares revelou ainda que a CMVM propôs que fosse dado um direito de preferência na subscrição de ações no Novo Banco a pequenos acionistas não qualificados e investidores em papel comercial do GES, com um desconto na subscrição. “Foi um dos últimos atos da CMVM [no seu mandato] na defesa dos acionistas” que teria permitido uma reconstituição da base acionista do banco. A ideia não colheu. O ex-presidente da CMVM reconhece também que “hoje sabemos que poderia não ter sido o melhor dos negócios”. Mas à data havia a convicção que o Novo Banco era “o banco bom”, que teria bons resultados, estando prevista a sua venda no prazo de dois anos.

Durante a audição, Carlos Tavares contou ainda que a CMVM pediu à KPMG análise aos produtos colocados junto dos clientes que o BES se tinha comprometido a recomprar, para perceber se a almofada de capital absorvia essas perdas adicionais. O ex-presidente da CMVM diz mesmo que lhe causaram preocupação à data [2014 antes da resolução] as declarações públicas de pessoas com responsabilidade que diziam que estava tudo bem e que o banco cumpria os rácios de solvabilidade. “Na altura eu já sabia que faltava quantificar e pedi aos investidores que baseassem transações na informação oficial”, disse.

O ex-presidente da CMVM confessou que “sempre tive duvidas e até hoje tenho se teria sido preferível que tivesse sido pedido um diferimento da publicação de contas até haver uma solução preparada”, referindo-se às contas do semestre de 2014 que ditaram a resolução do BES. Os prejuízos atingiam os 3.600 milhões de euros devido a um aumento de provisões  de 1.700 a 2.000 milhões de euros que fizeram com que os resultados fossem ainda piores do que o esperado.

Carlos Tavares responde a Fernando Ulrich

O ex-presidente da CMVM responde à crítica deixada nesta CPI pelo presidente do conselho de administração do BPI, ao facto dos credores do BES não terem sido suficientemente chamados a capitalizar o Novo Banco. “Os credores foram de facto chamados à capitalização”, disse Carlos Tavares.

“A capitalização do Novo Banco não se limitou aos 4,9 mil milhões de euros de capital inicial, houve de facto contributos de investidores privados”, disse enumerando que, “para além desses 4,9 mil milhões, temos a anulação de provisões para produtos do retalho, onde estava o papel comercial e parte de provisões para séries comerciais, de 1,3 mil milhões de euros; a transferência de crédito do Novo Banco para o BES do veículo da Goldman Sachs (Oak Finance) 0,7 mil milhões de euros; retransmissão da dívida sénior para o BES (fim de 2015) cerca de 2 mil milhões de euros e ainda houve uma anulação parcial de uma provisão do crédito sobre o BESA de 0,7 mil milhões de euros. A exposição foi provisionada integralmente e depois foi feito um acordo em que o Novo Banco recuperava 20% (cerca de 700 milhões), se somar isto tudo conclui que a recapitalização total foi de 9,6 mil milhões de euros (antes do mecanismo de capital contingente)”.

Portanto nesses 9,6 mil milhões, “só 4,9 mil milhões vieram do Fundo de Resolução, sendo o restante de investidores privados, grandes e pequenos, com a diferença que o FdR ainda ficou acionista do Novo Banco e os outros investidores perderam tudo” frisou Carlos Tavares em resposta a Fernando Ulrich. Essa foi uma decisão da autoridade de resolução, que em Portugal é o BdP.

O deputado socialista Miguel Matos chamou ao inquérito uma informação prestada pelo ex-secretário de Estado, Ricardo Mourinho Félix, no mesmo fórum, relativa à possibilidade de conversão dos títulos de dívida sénior (que estavam nas mãos de grandes fundos de investimento da BlackRock, Pimco, etc, e que foram retransmitidos para o BES no fim de 2015) em instrumentos de capital, e que o BdP terá concluído que isso não era possível fazer.

Carlos Tavares disse que a conversão em capital foi ponderada mas não avançou e que a comissão de mercados não participou nesse processo.

Noutra ronda de perguntas o ex-presidente da CMVM confirmou que a opção de venda em bolsa do BES, já com Vítor Bento na presidência, não teve parecer positivo da entidade reguladora do mercado de capitais, porque não havia informação suficiente sobre o futuro do banco na altura e como tal não era possível explicitar aos potenciais investidores todos os riscos em que incorriam ao investir em ações do banco na altura.

Se tivesse sido aprovada uma dispersão em bolsa como forma de venda do Novo Banco, que era a opção defendida pela equipa de Vítor Bento, “teria sido desastroso para os investidores e para o mercado de capitais e hoje estaria a haver uma CPI à CMVM por ter autorizado a operação”, ironizou.

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