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Cerca de 282,4 mil particulares tinham empréstimos em moratória em abril de 2021

O Relatório de Estabilidade Financeira destaca que em abril de 2021, 12,1% dos empréstimos a particulares estavam em moratória, o que correspondia a 15,1 mil milhões de euros, 88% dos quais em empréstimos à habitação.
21 Junho 2021, 14h30

“O fim da moratória pública em setembro de 2021 irá implicar a reposição do serviço de dívida dos particulares, sendo de esperar a materialização de incumprimento por parte de alguns mutuários, designadamente os que tenham tido quebras significativas no seu rendimento”, reconhece o Banco de Portugal (BdP) no Relatório de Estabilidade Financeira (REF).

Mário Centeno, Governador do Banco de Portugal, realçou em conferência de imprensa que há 282 mil famílias com crédito em regime de moratória.

Lê-se no REF que em abril de 2021, 12,1% dos empréstimos a particulares estavam em moratória, o que correspondia a 15,1 mil milhões de euros, 88% dos quais em empréstimos à habitação.

“Em abril de 2021, 12,1% do total de empréstimos a particulares estava em moratória (15,1 mil milhões de euros), dos quais 87,9% correspondiam a empréstimos à habitação, o que representa uma redução face ao máximo registado de 17,1% (21,1 mil milhões de euros) em setembro de 2020”, refere o relatório.

Portugal é um dos países da área do euro onde se registou uma maior adesão às moratórias de crédito pelos particulares, com a proporção média de créditos em moratória da área do euro a situar-se em 2% em dezembro de 2020. Cerca de 282,4 mil mutuários tinham empréstimos em moratória em abril de 2021.

“Tem-se observado uma redução do stock de empréstimos em moratória de particulares, com destaque para os empréstimos à habitação. Esta queda refletiu, em larga medida, o término de moratórias, como a moratória privada da ASFAC em dezembro de 2020 (setembro de 2020 para as entidades que não aderiram à extensão de prazo) e a moratória privada da APB (crédito hipotecário) em março de 2021. Apesar da redução observada no stock de crédito à habitação em moratória, cerca de 13,6% dos empréstimos com esta finalidade continuavam a beneficiar desta medida em abril de 2021″, contabiliza o BdP.

Na sequência do fim da moratória privada da Associação de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC), “observou-se maior incidência de incumprimento recente nos contratos que beneficiaram de moratória do que nos contratos que não recorreram a moratória, 8,5% e 3,6%, respetivamente”, constata o supervisor bancário.

O acréscimo de incumprimento no total da carteira de crédito das instituições que aderiram à moratória da ASFAC não foi expressivo, dado que o peso dos empréstimos que beneficiaram de moratória no total de crédito concedido por estas instituições era reduzido, revela o mesmo documento.

O fim da moratória da Associação Portuguesa de Bancos (APB), em março de 2021, relativa ao crédito hipotecário traduziu-se na retoma dos planos de reembolsos para um volume de crédito de 3,7 mil milhões de euros (cerca de 4% do total do crédito à habitação), anuncia o BdP.

“O tempo decorrido desde o fim desta moratória é ainda limitado para uma análise do seu impacto em termos de materialização do risco de crédito, limitação à qual acresce a particularidade de os mutuários terem tido, até dezembro de 2020, a possibilidade de transitar para a moratória pública”, refere o BdP.

“A informação disponível até à data de publicação deste Relatório, aponta para incremento muito residual do incumprimento. Apenas 0,5% do montante dos contratos de crédito hipotecário que foram abrangidos pela moratória da APB registou crédito vencido em pelo menos um mês entre a data de saída de moratória (que pode ser igual ou anterior à data de término) e final de abril de 2021”, conclui o supervisor.

A distribuição dos 3,7 mil milhões por diferentes stages de risco de crédito, em março de 2021, corresponde a 79% em stage 1 (em cumprimento), 17% em stage 2 (em risco de incumprimento) e 4% em stage 3 (em incumprimento).

Em março de 2021 havia 18% do crédito à habitação em moratória em risco de incumprimento 

O BdP diz que é de referir que, em março de 2021, a percentagem de crédito à habitação que ainda se encontra em moratória (pública) e classificado em stage 2 ascendia a cerca de 18%. “Dos mutuários que beneficiaram desta moratória, cerca de 15% beneficia ainda de moratórias no crédito ao consumo, moratória privada que termina em junho, e no crédito à habitação, moratória pública que termina em setembro”.

“Apesar desta primeira evidência de materialização, embora contida, do risco de crédito, refira-se que uma parte significativa das famílias continua a beneficiar de uma redução do seu serviço de dívida por via da moratória pública, concentrada em crédito à habitação”, refere o relatório.

Em março de 2021, o crédito ao consumo concedido pelas instituições que aderiram à moratória da ASFAC representava 49% do total de crédito ao consumo (crédito pessoal e automóvel), correspondendo a 7% do total de crédito a famílias.

Na mesma data, o crédito ao consumo que esteve em moratória da ASFAC totalizava cerca de 500 milhões de euros, representando apenas 5,7% do stock de crédito das instituições aderentes. Cerca de 8,5% do montante dos contratos que estiveram em moratória apresentou incumprimento recente, isto é, registou crédito vencido em pelo menos um mês entre a data de saída de moratória (que pode ser igual ou anterior à data de término) e março de 2021.

Por oposição, apenas 3,6% do crédito ao consumo que não esteve em moratória registou incumprimento recente.

“Atendendo ao peso do crédito ao consumo que esteve em moratória, o montante com incumprimento recente associado a estes créditos é baixo e significativamente inferior ao registado desde o início do segundo semestre de 2020 nos créditos que não estiveram em moratória”, diz o relatório.

Em dezembro de 2020, 21% do montante de crédito ao consumo que esteve em moratória privada da ASFAC tinha beneficiado de medidas de diferimento ou renegociação, implementadas para risco de crédito das famílias pós moratória: primeira evidência na sequência do fim da moratória da ASFAC atender às dificuldades financeiras dos mutuários, o que contrasta com 7% para os contratos que não estiveram em moratória.

Do montante de crédito que esteve em moratória, 10% foi objeto de medidas de diferimento e/ou de renegociação após o seu termo, estando o remanescente associado a contratos que já tinham sido objeto destas medidas antes da entrada em moratória.

“Registou-se um aumento do stock de crédito ao consumo que esteve em moratória da ASFAC em stages de maior risco entre março e dezembro de 2020, com o crédito em stage 2 e stage 3 a representar 17% e 9%, respetivamente, em dezembro de 2020″, diz BdP. No entanto, tendo em conta o peso reduzido do crédito em moratória nestas instituições, o contributo destes montantes para a proporção de crédito em stage 2 e stage 3 no total da carteira de crédito destas instituições (6% e 8% em dezembro de 2020, respetivamente) era reduzido.

“De referir que, em março de 2021, para o agregado sistema bancário a percentagem de crédito ao consumo e outros fins em moratória e classificado em stage 2 ascendia a 29%”, realça o supervisor. Deste modo, “apesar dos sinais de risco acrescido no crédito que esteve sob moratória da ASFAC, o impacto no total do crédito ao consumo concedido às famílias por estas instituições não é expressivo”.

No final de março de 2021, 32% das famílias que tinham crédito junto das instituições que aderiram à moratória da ASFAC ainda beneficiavam de um alívio temporário do serviço da dívida, na medida em que tinham empréstimos à habitação ao abrigo da moratória pública. “Este pode ser um fator relevante para as famílias que não consigam recuperar o nível de rendimento em virtude de os mutuários virem a considerar prioritário o pagamento de prestação dos contratos de crédito à habitação”, lê-se no documento.

Dívida dos particulares aumentou em 2020

O rácio de dívida total dos particulares em percentagem do rendimento disponível aumentou 0,3 pontos percentuais (p.p.) em 2020, para 95,2%. Após um período prolongado de redução, o endividamento dos particulares permaneceu num nível próximo do da área do euro em 2019 (95%), diz o relatório de estabilidade financeira.

A redução do endividamento das famílias na sequência da crise da dívida soberana (cerca de -27 pp face a dezembro de 2013) “foi bastante positiva numa perspetiva de estabilidade financeira e coloca agora as famílias portuguesas numa posição mais favorável”, defende o BdP.

Desde o final de 2011, a redução da dívida em termos agregados refletiu uma redução da dívida mediana das famílias, e uma diminuição dos rácios entre o serviço da dívida e o rendimento (DSTI) e entre a dívida e o rendimento (DTI), com o contributo principal da diminuição do crédito à habitação.

“De acordo com a informação disponível no Inquérito à Situação Financeiras das Vulnerabilidades, riscos e política macroprudencial Famílias (ISFF), de 2010 a 2017, o rácio DTI diminuiu substancialmente em todas as classes de rendimento, em particular nos quartis de rendimento mais baixo (em termos agregados, de 224% para 133%). Esta redução foi também observada para o rácio DSTI, redução de 20% para 14%, e para a dívida mediana, de 54 mil euros em 2010 para 35 mil euros em 2017”, realça o REF.

O principal contributo para o aumento do rácio de dívida dos particulares em 2020 resultou do crédito à habitação , cuja variação positiva esteve associada ao crescimento dos novos empréstimos e, em menor medida, à diminuição das amortizações dos empréstimos em moratória.

As novas operações de crédito à habitação cresceram 7,3%, consequência do crescimento no terceiro e quarto trimestres de 2020, após uma redução no segundo trimestre.

“O crescimento das novas operações de crédito persistiu no primeiro trimestre de 2021, alcançando o montante mais elevado desde o segundo trimestre de 2008. O crescimento das novas operações esteve principalmente associado a mutuários que entraram no mercado de crédito”, lê-se no relatório.

O BdP atribui esta evolução à manutenção de taxas de juro baixas que “potencia o dinamismo neste mercado”. A concessão de crédito à habitação “continuou a estar associada a mutuários com risco baixo, ainda que se tenha observado um aumento da maturidade média destas operações, retomando o valor observado em 2018”, diz o documento.

O BdP realçou que as medidas de apoio ao rendimento das famílias e das empresas estabilizaram a situação financeira dos particulares em 2020.

“Apesar da queda na atividade económica, o rendimento disponível dos particulares cresceu 1,0%, com contributos positivos das remunerações dos empregados (+0,7 pp) e das contribuições e prestações sociais (+0,8 pp). A poupança dos particulares aumentou significativamente.

A taxa de poupança cresceu 5,7 pp face a 2019, para 12,8%, mas abaixo da média da área do euro em 2020 (20% do rendimento  disponível, mais 6,9 pp do que em 2019). “A acumulação de poupança terá estado mais concentrada em famílias de rendimentos mais elevados”, refere o BdP.

A subida da poupança traduziu-se num aumento dos ativos financeiros dos particulares. “A componente de numerário e depósitos aumentou 7,1%, o crescimento mais elevado desde 2008, a que correspondeu um investimento líquido de 14,1 mil milhões de euros”.

O investimento nas restantes categorias de ativos foi inferior, “destacando-se os investimentos líquidos em fundos de investimento e em ações, 1,6 e 1,2 mil milhões de euros, respetivamente”.

Principal risco para a situação financeira dos particulares é o desemprego

O desemprego tem mantido valores próximos do período anterior à crise, e o peso dos desencorajados na população ativa também não aumentou de forma significativa, por comparação ao mesmo período. No entanto, “o impacto no emprego foi heterogéneo em 2020, registando-se uma queda do emprego mais acentuada nos setores mais afetados pela pandemia e nos trabalhadores contratados há menos de um ano”, diz o BdP, que recorda que as projeções para a taxa de desemprego têm sido sucessivamente revistas em baixa, sugerindo um aumento moderado da taxa de desemprego, em especial por comparação ao observado durante a crise da dívida soberana.

O principal risco para a situação financeira dos particulares é o desemprego, mas o BdP, diz que a recuperação gradual da economia reduz o risco de incumprimento no crédito a particulares.

A materialização do risco de crédito com a retirada das medidas de apoio constitui um risco no curto prazo. “Contudo, no que diz respeito às moratórias de crédito, existe evidência que uma parte significativa das famílias acederam às moratórias por precaução. Os principais mitigantes à materialização do risco de crédito das famílias são as taxas de juro baixas, a melhoria do perfil de risco dos mutuários observada desde a crise da dívida soberana e reforçada pela Recomendação macroprudencial de julho de 2018 e as medidas de apoio dirigidas às empresas que indiretamente apoiam o rendimento das famílias”, diz o relatório.

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