Daquilo que se vai sabendo, a conta-gotas, sobre a auditoria conduzida pela EY, algumas coisas parecem desde já claras, e nessa medida devem ser tiradas algumas ilações para o futuro. Paralelamente, no meio do ruído gerado, alguns aspectos, que deveriam ser óbvios, têm vindo a ser esquecidos.

Comecemos pelo óbvio: vários créditos de milhares de milhões de euros foram concedidos a indivíduos e empresas que não tinham experiência ou capitais próprios envolvidos que justificassem essas concessões. Estes créditos, de valor incrivelmente volumoso, foram concedidos à revelia das recomendações, ou pareceres, dos serviços técnicos de análise de risco da Caixa Geral de Depósitos. Estes créditos, concedidos nestas circunstâncias assaz peculiares, revelaram uma forma aberrante de conduzir os negócios de um banco.

Nenhum gestor de conta, nenhum balcão da Caixa, terá proposto e aprovado tão aberrantes linhas de crédito, facilidades em contas, descobertos, e uma outra miríade de designações para ilustrar créditos, por desembolso de fundos da Caixa ou pela assunção de responsabilidades futuras (garantias).

Nenhum trabalhador comum jamais propôs a seus superiores hierárquicos a concessão de centenas de milhões de euros em crédito a especuladores bolsistas, sem que estes empenhassem capitais próprios consideráveis.

Porém, foram aprovados em conselhos de crédito, saltando os circuitos normais de evolução dos negócios (gestores de conta ou de clientes, balcões e centros de empresas), onde um par de pessoas, ou um colectivo de gestores nomeados por orientação do accionista (Ministério das Finanças), tomaram essas deliberações por unanimidade ou maioria simples.

Dizer que foram apenas dois ou três indivíduos a fazer as malfeitorias é um argumento frágil. As responsabilidades são muito mais alargadas. Estamos perante um bom punhado de pessoas, em cada mandato, que foram solidários ou displicentes na condução da causa pública. Não são difíceis de identificar. Afinal de contas, os conselhos de crédito têm actas.

Adicionalmente, a auditoria da EY tem o condão de nos relembrar que ao impor um conjunto de malfeitorias aos clientes e aos trabalhadores da Caixa, através de um programa agressivo de encerramento de balcões e de colaboradores, por reformas antecipadas e rescisões, se optou por castigar aqueles que não têm culpa alguma no que se passou.

Fechar os balcões da Caixa nas regiões do Interior, para compensar os desmandos de um punhado de intervenientes, é impor uma pena tão pesada, que desacredita os princípios basilares de um Estado de Direito.

Naturalmente, competirá às autoridades judiciárias avaliar se tais desmandos foram fruto de incompetência, reiterada ao longo de quase duas décadas, ou se são um caso criminal.

Agatha Christie, com o seu Hercule Poirot, propunha uma máxima em cada situação de crime: procurem o homem que beneficia com o sucedido. Parece simples, e talvez possa servir de orientação aos nossos magistrados.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.