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Chairman Frasquilho discordou, mas o CEO Antonoaldo avançou com o pagamento de prémios na TAP

O Jornal Económico sabe que o Chairman Miguel Frasquilho discordou dos prémios na TAP. Mas, mesmo assim, o CEO, Antonoaldo Neves, avançou com o pagamento de alguns prémios, no valor de 1,171 milhões de euros, destinados a 180 quadros, no âmbito do “programa de mérito” da empresa. O Primeiro ministro, António Costa, considera estes prémios incompatíveis com padrões de sobriedade que devem existir nas empresas participadas pelo Estado.
  • Cristina Bernardo
8 Junho 2019, 16h28

Bastaram três meses para demonstrar que o Chairman da TAP, Miguel Frasquilho, não teve razão quando, em março – no fim da apresentação dos 118 milhões de euros de prejuízo registados pela companhia em 2018 –, disse ao Jornal Económico (JE) que “o que se passa nas reuniões do Conselho de Administração fica no Conselho de Administração”. Frasquilho respondeu assim à pergunta do JE sobre a existência de uma declaração de voto formalizada pelo representante do Estado na Administração da TAP, através da qual ficou redigida a discordância sobre determinadas decisões na empresa. Esta semana, o principal problema que está na origem destas questões foi abordado no Parlamento – a “bronca dos prémios”, segundo a expressão utilizada por várias fontes da TAP – e já assume dimensões políticas de grande relevo. Assim, ao contrário do que Miguel Frasquilho disse em março ao JE, o que se passou no Conselho de Administração da TAP não só não ficou dentro do Conselho de Administração, como acabou por ser discutido em todo o Parlamento. Os prémios, no valor de 1,171 milhões de euros, acabaram por ser pagos a 180 quadros da empresa, mas o JE sabe que a intenção inicial era alargar o pagamento de prémios também a elementos da Comissão Executiva da TAP.

Voltando a março, e à mesma ocasião referida, a administradora da TAP, Esmeralda Dourado, também não terá ajudado a esclarecer esta situação “incómoda”, quando comentou ao JE que “o importante é que as contas da TAP tenham sido aprovadas pela Administração”. Neste processo, o mais complicado foi a opacidade das decisões da Comissão Executiva sobre a intenção de pagar prémios e o facto de não ter informado formalmente o Conselho de Administração da TAP de que iria pagar estes prémios na altura em que fossem pagos os ordenados de maio, além de não ter informado o montante total envolvido, nem a amplitude dos prémios, entre o valor mais elevado e o mais baixo. Para piorar o enquadramento deste tema, a própria génese da reversão da participação do Estado (que foi elevada para 50% do capital da TAP) também não criou condições para que este tipo de problemas não aconteça de forma descontrolada.

Veja-se que o anterior ministro do Planeamento e das Infraestruturas, responsável pela tutela direta da TAP, Pedro Marques, não teve o sucesso de Governance pretendido na reconfiguração da reprivatização da transportadora – que afirmou ser “regular, eficaz e eficiente”, segundo as palavras que então utilizou – porque não conseguiu que o Estado assegurasse com eficácia a “monitorização efetiva dos atos de gestão diária praticados pela gestão executiva” da TAP.

Chegados a junho, juntamente com o pagamento dos ordenados de maio foram distribuídos 1,171 milhões de euros de prémios a cerca de 180 quadros da companhia e assim “estoirou” uma guerra política que Miguel Frasquilho, aparentemente, não terá valorizado em março e que nem a reconfiguração acionista da TAP, feita pelo ex-ministro Pedro Marques, conseguiu controlar, de forma a poder monitorizar os atos da gestão diária executiva do CEO Antonoaldo Neves, que acabou por atuar sem “travão” do Estado, quando o Estado é detentor de 50% do capital social da TAP. O JE contactou este sábado com Miguel Frasquilho, mas o presidente do Conselho de Administração da TAP não fez comentários.

Quer o primeiro ministro, António Costa, quer o sucessor de Pedro Marques – Pedro Nuno Santos, enquanto ministro das Infraestruturas e da Habitação que assegura a tutela sectorial da TAP –, têm em mãos um problema que não é fácil de gerir: uma empresa onde o Estado é dono de 50% do capital, e que distribui prémios manifestamente incómodos para o Governo, sem que o representante do Estado no Conselho de Administração, Miguel Frasquilho, tenha voz suficiente para que a orientação do Estado seja ouvida.

Esta situação incómoda para o Governo e politicamente desconfortável, acelerou uma posição pública do primeiro-ministro sobre estes prémios controversos. António Costa, afirmou no Parlamento, na quinta-feira passada, que o Estado entende que o modelo de distribuição de prémios decidido pela Comissão Executiva da TAP, liderada por Antonoaldo Neves, é “incompatível com padrões de sobriedade” praticados nas empresas participadas pelo Estado.

Precisamente um dos elementos premiados, com 17,8 mil euros, foi Stephanie Silva, que entrou na TAP em 2017, para o gabinete jurídico, filha do ex-ministro da Agricultura, Jaime Silva, e mulher do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina.

Toda esta questão foi enquadrada durante o último debate quinzenal no Parlamento, quando Fernando Negrão, líder parlamentar do PSD, questionou a utilidade da reversão da privatização da TAP decidida pelo Governo de António Costa – que elevou para 50% a participação do Estado na TAP –, quando o facto de ser dono de metade da TAP não consegue, sequer, impedir o pagamento de prémios de 1,171 milhões de euros a 180 quadros, entre os quais figuram dois prémios de 110 mil euros. Sobretudo, depois da TAP ter apresentado prejuízos de 118 milhões de euros em 2018.

A resposta de António Costa foi pronta e explícita: “Os administradores da parte do Estado convocaram para hoje uma reunião extraordinária do Conselho de Administração da TAP para analisar uma decisão tomada pela Comissão Executiva quanto à distribuição de prémios em modelo que o acionista Estado entende incompatível com padrões de sobriedade, que devem existir nas empresas em que o Estado participa”.

Para reforço de ideias, o Ministério das Infraestruturas e da Habitação, liderado por Pedro Nuno Santos, deixou claro, em comunicado, que a atribuição de prémios de 1,171 milhões de euros pela TAP “constitui uma quebra da relação de confiança entre a Comissão Executiva e o maior acionista da TAP, o Estado português”. Mais: o comunicado refere que este ministério “discorda da política de atribuição de prémios, num ano de prejuízos, a um grupo restrito de trabalhadores e sem ter sido dado conhecimento prévio ao Conselho de Administração da TAP da atribuição dos prémios e dos critérios subjacentes a essa atribuição”.

Diferente é a perspetiva da Comissão Executiva da TAP que invoca o “programa de mérito” para justificar o pagamento dos prémios, admitindo que este programa foi “fundamental” para atingir os resultados de 2018, designadamente “as medidas de redução de custos e de aumento de receitas implementadas em 2018”, a “reestruturação da TAP Manutenção e Engenharia Brasil” e a contenção dos prejuízos causados pelo aumento do preço do petróleo, entre outros. Assim, segundo a Comissão Executiva da TAP, “os prémios de performance pagos em 2019 dizem respeito ao alcance dos objetivos definidos em 2018”, adiantando “a promoção de uma cultura de mérito, alto desempenho e entrega de resultados continuará a ser uma prioridade”.

Entre os trabalhadores da TAP e os representantes sindicais, o pagamento dos prémios é controverso. Esta medida foi questionada pela coordenadora da Comissão de Trabalhadores da TAP, Cristina Carrilho, pela representante do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), Luciana Passos, e pelo coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos (Sitava), Paulo Duarte. Os sindicalistas estranharam a medida pela falta de equidade que implica.

Sobre a operação de reprivatização e recompra da participação de 50% pelo Estado, o Tribunal de Contas (TdeC), na sua auditoria nº10/2018 sobre a TAP, solicitada pela Assembleia da República, reportou-se ao processo de recomposição do capital social da TAP SGPS e examinou a sua regularidade e a salvaguarda do interesse público, à luz do regime legal aplicável e das boas práticas de auditoria em matéria de transação de participações públicas.

Explica o TdeC que a TAP foi reconhecida por sucessivos governos (designadamente do XIX ao XXI) como companhia aérea de bandeira com importância estratégica para o Estado e é detida pela TAP SGPS, criada em 2003, com capital subscrito e realizado pelo Estado, através da Parpública (15 milhões de euros).

Adianta o TdeC que a situação económica-financeira da TAP SGPS degradou-se, desde 2008, com prejuízos consecutivos, endividamento e capital próprio negativo crescentes, num contexto de intervenção pública limitada pelas restrições impostas pelas regras comunitárias de auxílios de Estado.

Para a reprivatização de 61% do capital da TAP SGPS, aprovada pelo XIX Governo (em 24 de dezembro de 2014) e realizada pelo XX Governo (em 12 de novembro de 2015), por venda direta a um parceiro privado (o consórcio Atlantic Gateway), invocou-se a necessidade de cumprir compromissos assumidos no Programa de Assistência Económica e Financeira e a urgência de viabilizar a recapitalização e o saneamento financeiro da empresa.

Neste âmbito, também se previa a oferta pública de venda de 5% do capital social da TAP SGPS, reservada aos trabalhadores do Grupo TAP, que apenas veio a ser realizada pelo XXI Governo (em 16 de maio de 2017). Sucede que o XXI Governo entendeu abrir (logo em 9 de dezembro de 2015) um processo negocial para reconfigurar a participação do Estado na TAP SGPS, que culminou com a recompra (em 30 de junho de 2017) das ações necessárias para deter 50% do respetivo capital social, visando recuperar controlo estratégico da empresa. Porém, o aumento da participação do Estado no capital social (de 34% para 50%) foi acompanhado pela diminuição dos correspondentes direitos económicos (de 34% para 5%), ao mesmo tempo que a redução da participação da Atlantic Gateway no capital social (de 61% para 45%) foi acompanhada pelo acréscimo dos correspondentes direitos económicos (de 61% para 90%).

Refere o TdeC que as principais conclusões da auditoria são as seguintes: Com a reprivatização, o Estado satisfez compromissos internacionais, viabilizou uma empresa considerada de importância estratégica, melhorou as contas da Parpública (em 692 milhões de euros) e assegurou a recapitalização pelo parceiro privado (em 337,5 milhões de euros), mas perdeu controlo estratégico e garantiu dívida financeira da empresa em caso de incumprimento (no montante de 615 milhões de euros); Com a recompra, o Estado recuperou controlo estratégico, mas perdeu direitos económicos, além de assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa; Após a recomposição do capital social, a evolução da situação económica e financeira da empresa e as estimativas apresentadas no seu plano estratégico (capitais próprios e resultados líquidos) são positivas.

Porém, o TdeC considera que subsistem os riscos inerentes às obrigações assumidas pelo Estado e admite que as projeções, até 2022, são insuficientes para aferir da sustentabilidade do negócio. Em suma, o TdeC refere que face à evidência disponível, o processo de recomposição do capital social da TAP SGPS: foi regular, no contexto de instabilidade legislativa e de sucessivas alterações contratuais em matérias complexas e de profunda tecnicidade em que se realizaram as operações; foi eficaz porque atingiu os objetivos de viabilizar a empresa (prioritário para a reprivatização) e de recuperar o seu controlo estratégico (prioritário para a recompra); mas não conduziu ao resultado mais eficiente. Com efeito, o TdeC considera que não foi obtido o consenso necessário dos decisores públicos, tendo as sucessivas alterações contratuais agravado as responsabilidades do Estado e aumentado a sua exposição às contingências adversas da empresa.

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