À hora a que escrevo, Horst Seehofer concedeu a Merkel os 14 dias que esta lhe solicitava. Um gesto que nada teve de magnânimo – apenas o fez porque não tinha alternativa. Seehofer vai ter eleições na Baviera em Outubro e corre o risco de perder a maioria absoluta; para o evitar, não pode dar espaço à AfD, daí a necessidade de se demarcar de Merkel, particularmente no tema dos refugiados. Assim, pretende impedir a entrada na Alemanha de refugiados que estejam registados noutro país da União, enquanto Merkel pretende concertar uma posição europeia, a ser tomada na cimeira do final deste mês, sobre a gestão da crise dos refugiados. Como ministro de Administração Interna, Seehofer não depende de Merkel para a implementação desta medida; mas não restará grande alternativa a Merkel, nesse caso, a não ser demitir Seehofer – quer o faça quer não, estamos perante a mais profunda crise entre CDU e CSU e potencialmente o fim não só da coligação que governa a Alemanha como da aliança entre os dois partidos, velha de 70 anos. Assim, para não ser o carrasco da velha aliança, Seehofer cedeu a Merkel, sabendo que esta enfrenta uma missão impossível – a dificuldade de conseguir nos dias de hoje um entendimento comunitário sobre a política dos refugiados, como ficou cristalino com o caso do Aquarius.
Mas a atual crise na coligação alemã não é um problema alemão – é na verdade um desafio ao futuro da União Europeia. E é mais importante porque mostra-nos que já nem Merkel consegue pôr ordem na sua casa e fazer a diferença. E se estranhamente parece, a um observador externo, que Seehofer é o melhor aliado de Salvini, legitimando a sua atitude de recusar abrigo aos passageiros do Aquarius, isto é o frio jogo da arimética eleitoral – os interesses sobre os princípios, a sobrevivência política sobre a coesão, o curto prazo sobre o longo prazo. Citando Juncker, “in the long run, tunnel vision makes you lonely”. Merkel teme que fechar as fronteiras aos refugiados seja o princípio do fim da livre circulação de pessoas no espaço da União, mas as políticas anti-imigração deram vitórias eleitorais na Polónia, na Hungria, na Áustria, na Eslovénia e na Itália. Que União temos com a fratura provocada pela forma como é vista a “rule of law”, curiosamente próxima da linha da antiga cortina de ferro? E com as divisões causadas pelos populismos, que exacerbam os nacionalismos contra a coesão?
Neste quadro ver Bruno Le Maire ‘tweetar’ que um acordo sobre um orçamento para a zona euro “está ao alcance” faz sorrir. E faz pensar se não estaríamos mais uma vez a tentar ultrapassar os problemas presentes dando um salto no desconhecido, e a acrescentar mais um problema para amanhã. Tantas vezes vai o cântaro à fonte…