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CMVM: Avaliação de ativos imobiliários do Novo Banco assentou no pressuposto de desvalorizações acima de 10%

“A avaliação de ativos imobiliários assentou, grosso modo, no pressuposto de desvalorizações neste mercado a rondar valores superiores a 10% a que acresceu uma desvalorização transversal dos ativos na ordem dos 12,5%”, disse a presidente da CMVM sobre a reavalização do Novo Banco aos fundos de reestruturação.
  • A presidente do Conselho de Administração da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Gabriela Figueiredo Dias, durante a sua audição na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, na Assembleia da República, em Lisboa, 7 de junho de 2021. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
8 Junho 2021, 07h57

Gabriela Figueiredo Dias, presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, disse na Comissão Parlamentar de Inquérito que forçou o Novo Banco a dar mais informação sobre a venda da carteira de malparado – Projeto Sertorius” e sobre a carteira de ativos não produtivos e de imóveis – designado de “Projeto Albatroz”. O regulador dos mercados também obrigou o Novo Banco a explicar a desvalorização que fez em 2020 às participações em fundos de reestruturação.

“O Novo Banco, diferentemente do que sucedia com o BES, só tem obrigações admitidas à negociação em mercado regulamentado no Luxemburgo e na Irlanda; e que não realizou em Portugal qualquer oferta pública de valores mobiliários. Nessa medida, enquanto emitente, o Novo Banco encontra-se sujeito à supervisão da CMVM por escolha própria, dado ser Portugal o Estado Membro de origem, tendo em consequência dessa escolha de cumprir exigências decorrentes da Diretiva da Transparência (informação financeira) e do regime de Abuso de Mercado (informação privilegiada)”, explicou a presidente da CMVM.

Na sua intervenção inicial, Gabriela Figueiredo Dias reforçou que “importará referir que a CMVM é, desde 2016, a  autoridade nacional de supervisão de auditores, e que a mesma incide sobre as práticas dos auditores no exercício de atividades de auditoria ou revisão de demonstrações financeiras, desenvolvidas de acordo com normas internacionais de auditoria ou de trabalhos relacionados”.

“Como sabem, e aqui serei contida, nomeadamente por, em algumas situações, se tratar de processos cujas decisões ainda não transitaram em julgado ou que se encontram ainda sujeitos a segredo de justiça, condenámos o auditor do BES por violação das normas de auditoria aplicáveis, nomeadamente dos deveres de ceticismo profissional na análise da realidade financeira, de documentação dos procedimentos e prova de auditoria, de obtenção de prova de auditoria apropriada e suficiente e de  emitir opinião com reservas; bem como o próprio BES, por violação, designadamente, das regras de conflitos de interesses e de qualidade da informação prestada aos clientes”, contextualizou a presidente da CMVM.

Gabriela Figueiredo Dias disse que “estão ainda em curso outros processos de contraordenação que têm por objeto a violação de normas de conduta do intermediário financeiro no âmbito da comercialização de instrumentos financeiros ou das regras relativas à qualidade de informação no quadro de ofertas públicas”.

Ao tempo da resolução do BES e criação do Novo Banco, “os poderes de supervisão de auditores da CMVM eram muito limitados e incidiam apenas sobre os auditores na sua atividade de auditoria sobre entidades sob a nossa supervisão, como a atividade de certificação das contas dos emitentes ou dos fundos de investimento coletivo”, disse a presidente da entidade reguladora dos mercados. “Em 2015, considerámos, contudo, que a prestação desse serviço não afetou a independência da PwC enquanto primeiro ROC do Novo Banco”, disse a gestora, referindo-se aos trabalhos desempenhados pela PricewaterhouseCoopers & Associados – Sociedade de Revisores de Contas (PwC) em 2014, na fase inicial que se seguiu à criação do Novo Banco, e em concreto sobre o balanço de abertura do Novo Banco.

“Relativamente aos trabalhos que esta auditora desenvolveu como ROC do Novo Banco, e em particular enquanto responsável pela emissão do Relatório de Auditoria com referência a 31 de dezembro de 2017 do Novo Banco, o primeiro ano de utilização do Mecanismo de Capital Contingente (CCA), está em fase de conclusão um relatório de supervisão cujas conclusões preliminares já são do conhecimento do auditor”, revelou.

Deloitte cumpriu normas relativas a conflitos de interesse

Por outro lado, relativamente às designadas auditorias especiais realizada pela Deloitte, a presidente da CMVM começou por lembrar que “não constituem auditorias ou revisões de demonstrações financeiras de acordo com normas de auditoria em vigor, nem foram realizados ao abrigo de qualquer outra norma internacional de auditoria ou de trabalhos relacionados”. Mas “compete-nos verificar, e fizemo-lo, se o auditor cumpre com as normas de ética e deontologia, nomeadamente relativas a independência e conflitos de interesse”, frisou.

“Da análise que efetuámos não identificámos evidência objetiva de que existissem tais conflitos de interesse que impedissem a Deloitte de prestar o serviço de Relatório de Auditoria especial de 2014 a 2018 ou de incumprimento das normas gerais aplicáveis ao Auditor”, disse a presidente da CMVM. No entanto, revela, “foram identificadas algumas oportunidades de melhoria na documentação que suporta a avaliação feita pela própria Deloitte às possíveis ameaças à sua independência, nomeadamente relacionadas com o processo de documentação de aceitação do cliente”.

“No que diz respeito ao período anterior à resolução, e com a informação que tenho, a CMVM, com a melhor informação que detinha na altura, e confiando na eficácia da estratégia de proteção do BES face às entidades do grupo, atuou procurando em primeiro lugar a defesa dos investidores”, defendeu a presidente da CMVM que sucedeu no cargo a Carlos Tavares.

CMVM obrigou Novo Banco a dar mais informação sobre a venda de carteiras

Na sequência da divulgação, a 5 de agosto de 2019, de dois comunicados de informação privilegiada pelo Novo Banco, informando a celebração de um contrato-promessa de compra e venda de uma carteira de ativos imobiliários – designado de “Projeto Sertorius” –, e de uma carteira de ativos não produtivos e de imóveis – designado de “Projeto Albatroz” – a CMVM concluiu, em ambos, que não foram divulgados o valor da venda nem o valor demonstrativo do impacto financeiro das vendas para o emitente (em particular a medida da menos valia registada pelo Novo Banco).

“Consequentemente, o emitente foi confrontado pela CMVM com a necessidade aditar informação, tendo vindo a identificar o impacto negativo global decorrente da realização destas vendas em -228 milhões de euros (aditamento de 7 de agosto). O comunicado de informação privilegiada relativo ao Projeto Nata II, divulgado subsequentemente, a 5 de setembro de 2019, já incluiu informação sobre os seus impactos, cumprindo o que havia sido solicitado pela CMVM para os comunicados precedentes”, salientou.

Gabriela Figueiredo Dias refere que “a razão de ser deste tipo de supervisão é, atento o propósito de proteção dos investidores que a fundamenta, facultar-lhes todos os elementos que a lei exige que estejam ao seu dispor para avaliar decisões de investimento ou desinvestimento, inclusive mediante avaliação dos atos de gestão do emitente”, pois, “é nos investidores, e não na CMVM, que reside (e deve residir) o juízo do mérito das decisões de gestão de cada emitente”.

“O esforço da CMVM é no sentido de promover permanente qualidade e completude da informação financeira do emitente”, avança.

Quanto à atividade do Novo Banco, “importa ainda referir as competências de supervisão da CMVM sobre os fundos de investimento e em particular sobre fundos de capital de risco”, lembra a presidente da entidade reguladora.

CMVM analisou a avaliações dos Fundos de Reestruturação que geraram perdas

No que respeita à supervisão de informação financeira, foi efetuada pela CMVM uma análise sobre as divulgações referentes à valorização das participações detidas pelo Novo Banco nos Fundos de Reestruturação na informação intercalar referente ao primeiro semestre de 2020, que incidiu “sobre as divulgações dos pressupostos utilizados na valorização do justo valor de Unidades de Participação nos referidos fundos, dadas as perdas avultadas registadas”.

Feita a análise, “verificou-se que a desvalorização das unidades de participação resultou de um desvio significativo face à valorização adotada pelas entidades gestoras dos fundos que detêm as referidas unidades de participação”, refere a presidente da CMVM.

“Atento o procedimento utilizado e exigindo as normas internacionais de contabilidade a divulgação dos pressupostos da avaliação, isso mesmo foi solicitado ao Novo Banco, que acabou por fazê-lo a 28 de maio de 2021, complementado as contas anuais com a referida informação, da qual se conclui, por exemplo, que avaliação de ativos imobiliários assentou, grosso modo, no pressuposto de desvalorizações neste mercado a rondar valores superiores a 10%, a que acresceu uma desvalorização transversal dos ativos na ordem dos 12,5%”, revela a entidade reguladora dos mercados.

O Novo Banco, nas contas do primeiro semestre de 2020, disse que a sua exposição em títulos associados às operações de cedência de crédito (fundos de reestruturação) ascendia a um valor de 839,9 milhões de euros no final de 2019, e que baixou para perto de 500 milhões segundo as contas desse semestre, originando as perdas de 260 milhões de euros.

Na apreciação da CMVM, as diferenças de valorização verificadas resultam de diferentes hipóteses e metodologias de avaliação. “Não nos competindo apreciar o exercício realizado para efeito da supervisão prudencial do Novo Banco, concluímos que as valorizações utilizadas pelas sociedades gestoras adota metodologias e pressupostos razoáveis para a prática de mercado, tendo em conta a natureza de médio prazo da atividade destes fundos”, concluiu o supervisor.

 

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