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Jorge Silva Carvalho: “Comportamento bipolar do Estado é inaceitável”

A Anthea é uma empresa que está a “atacar” o mercado corporativo. Faturou 5 milhões de euros e quer chegar aos 7 milhões em 2019, a par de um EBITDA não inferior a 7,5%. Jorge Silva Carvalho é crítico da atual situação no mercado.
1 Setembro 2018, 18h00

A Anthea é uma empresa que está a “atacar” o mercado corporativo. Faturou 5 milhões de euros e quer chegar aos 7 milhões em 2019, a par de um EBITDA não inferior a 7,5%. Jorge Silva Carvalho é crítico da atual situação no mercado.

A ideia de que a segurança privada é complementar à segurança pública das forças policiais está correta e é positivo?

Completamente de acordo. Não concebo, aliás, outra forma de ver o setor da segurança privada. Há uma componente de serviço à sociedade que é intrínseca à atividade de segurança privada na sua missão de proteção de pessoas e bens. Contudo, essa natureza própria desta indústria, bem como as obrigações regulatórias, do ponto de vista administrativo muitas vezes tão exigentes, que sobre a mesma impendem deveriam ter como contrapartida um olhar mais generoso por parte do Estado, central e local, já não como entidade reguladora mas como cliente. E o que assistimos todos os dias é à atuação do Estado, em tantos casos, como o pior dos clientes na fixação dos preços.

Desta proposta sai reforçado o poder da PSP relativamente ao setor?

Deveria até ter sido mais reforçado. A PSP é a autoridade pública mais vocacionada para o acompanhamento do setor. Não que seja perfeita. Há diferenças fundamentais entre o excelente trabalho feito pelo departamento de segurança privada e, infelizmente, o menos bom, porque menos conhecedor, trabalho feito por outros setores da PSP. Pelo seu conhecimento específico a PSP pode e deve funcionar como o elemento agregador da fiscalização e supervisão de outras entidades reguladoras.

O negócio da noite/discotecas foi visado nestas alterações. Vai conseguir-se criar um novo ambiente para a indústria da noite e acabar com as empresas da noite ligadas ao crime?

Julgo que a situação hoje já é bem diferente do que era há anos atrás. Claro que há pessoas mais resistentes à mudança, neste caso à mudança para melhor. Crime, infelizmente, haverá sempre em todas as atividades e não especificamente na área da diversão noturna. Não se trata tanto dos estabelecimentos de diversão noturna mas sim de determinadas empresas e alguns indivíduos que não perceberam ainda que o mundo mudou. Mais fiscalização e mais formação, bem como maior exigência na seleção dos profissionais da segurança é o caminho a seguir. Os estabelecimentos de diversão noturna não são mais nem menos que qualquer outro cliente. Têm as suas especificidades como têm as grandes superfícies, os estádios de futebol ou os grandes concertos. Em todos estes clientes há risco e pode haver práticas criminais.

Até onde pode ir no futuro o conceito de videovigilância?

A videovigilância ou a videosegurança não é futuro, é presente. É impossível pensar qualquer projeto de segurança física que não envolva a videosegurança e a tecnologia (software) que se desenvolve sobre a mesma permitindo explorar de tantas formas a informação vídeo. Isto vale particularmente até para a segurança pública. No fundo estamos a falar de IMINT ou IMINF, Imagery Intelligence ou Information.

Conseguiu a proposta do Conselho de Ministros responder à necessidade das chamadas “inspeções inteligentes” às empresas para contrariar o negócio não declarado?

Confesso que me é difícil responder. Gostaria que assim fosse. No entanto, acredito que não é a lei em si mas a prática da aplicação da mesma que pode ou não resultar. No atual contexto legal há obviamente lacunas mas também há muita inércia na aplicação da legislação.

É possível perceber o que perdem as empresas cumpridoras com o negócio não declarado ao fisco e à segurança social? Consegue a proposta acabar com o dumping social?

O que são empresas cumpridoras? A que tipo de cumprimento é que se refere? O negócio não declarado no contexto da faturação global do mercado da segurança privada é relativamente menor. Não quero com isto dizer que não seja grave. Preocupo-me mais com a prática de preços baixos impostos por entidades públicas em concursos públicos e aceites pelas maiores empresas do mercado. Acha que essas empresas assumem o prejuízo que advém do preço praticado para ganhar o concurso?

A quem mais interessa o dumping social? Ao Estado? Este continua a comprar abaixo do preço real?

É um comportamento bipolar inaceitável. Resulta da tensão entre cobrar o máximo e pagar o mínimo. É sobretudo consequência de não existir um olhar estruturado sobre o setor que se quer que seja complementar e auxiliar do braço da segurança pública

E o resultado está à vista. Existe uma ideia latente que o setor privado tem dinheiro, que as empresas de segurança faturam milhões…mas vejam os magros resultados das principais empresas do mercado. Com raras exceções, ou têm resultados mínimos ou acumulam dívida bancária e outra, exagerada. O que é verdade é que o setor da segurança privada é um setor em situação económica e financeira difícil.

Quando temos um acordo quadro da ESPAP que funciona como funciona nada me admira. Um acordo quadro cujo único critério é o preço, fará sentido quando estamos a falar de instituições públicas que são, muitas delas, infraestruturas críticas?

Já alguém se dedicou a analisar os resultados dos concursos ESPAP? Não me refiro só aos cerca de 30% de concursos cujos preços ficam abaixo do preço de custo. Refiro-me aos concursos em que a mesma empresa vence sempre, nalguns casos há décadas. Refiro-me a muitos concursos cujo critério é simplesmente preço e em que o mesmo se situa, concurso após concurso, em valores 20 a 30% acima do valor médio do mercado, como se as empresas abdicassem de concorrer ou fixassem de livre vontade um preço extremamente alto para um tipo de serviço de segurança normal.

O que impede que entidades públicas, caso do ACT, Finanças e associações do setor da vigilância privada estabeleçam um preço mínimo por homem-hora?

Nada impede. Mas esse valor até está definido em CCT e na lei. O ACT já o teve bem identificado. No entanto é quase inaplicável pois o dumping social tout court não é proibido. Há quem até veja nisso uma limitação da livre concorrência, imagine-se. Claro que essa interpretação só interessa às muito grandes empresas que acham que podem dominar o mercado por prática generalizada de preços baixos, demolindo a concorrência com menor.

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