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Constâncio volta à mira dos deputados com omissões sobre créditos a Berardo debaixo de fogo

Ex-governador do Banco de Portugal volta a ser inquirido pelos deputados esta terça-feira, depois de notícias de que teve conhecimento prévio do financiamento da Caixa Geral de Depósitos a Joe Berardo para comprar ações do BCP, informação que terá omitido na primeira audição. Vítor Constâncio já negou que tenha tido um papel preponderante neste crédito, que se revelaria ruinoso para o banco público.
18 Junho 2019, 07h45

O antigo governador do Banco de Portugal (BdP) Vítor Constâncio volta ao Parlamento esta terça-feira, 18 de junho, para uma nova audição no âmbito do inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD), depois de notícias que deram conta do seu envolvimento nos créditos da Caixa a Joe Berardo, destinados à compra de ações do BCP.

Os grupos parlamentares aprovaram por unanimidade a convocação de Vítor Constâncio para uma nova audição –a segunda após ter estado no Parlamento no dia 28 de março -, após ter sido noticiado que a sua administração no BdP autorizou a tomada de posição da Fundação José Berardo no BCP, o que contraria as declarações do ex-governador no Parlamento.

Em causa está o reforço de Berardo no capital do BCP que foi financiado por um empréstimo de 350 milhões de euros da CGD para deter até 9,99% do capital do banco privado, cuja garantia eram as ações (títulos especulativos) do próprio banco que iriam ser adquiridos. Os títulos viriam a cair drasticamente em bolsa durante a crise financeira de 2008 e 2009, tendo Berardo não conseguido pagar o empréstimo até agora. Mas Vítor Constâncio não disse aos deputados presentes na sua primeira audição no Parlamento no âmbito da nova comissão de inquérito à gestão da Caixa que autorizou Berardo a financiar-se junto da CGD para comprar ações do BCP, em 2007.

No passado dia 7 de junho, o jornal “Público” escreveu que a autorização do regulador  aconteceu nesse ano, de acordo quando o então governador do BdP, autorizou o pedido de Berardo. Num documento a que o diário teve acesso, lê-se que “o conselho de administração do BdP, em sessão de 21 de agosto de 2007, deliberou não se opor à detenção pela Fundação Berardo” de uma participação qualificada “superior a 5% e inferior a 10% no capital do BCP e inerentes direitos de voto” –  onde acaba por ser descrito o objetivo do crédito.

Em julho de 2007, o BdP tinha já pedido detalhes sobre a operação, que, segundo o “Público”, foram recebidos a 7 de agosto. Numa carta ao departamento de supervisão bancária do BdP, a Fundação Berardo informa que pretendia investir no BCP com “fundos disponibilizados pela CGD, através de contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado a 28 de maio de 2007, até ao montante de 350 milhões de euros pelo prazo de cinco anos”, lê-se nos documentos a que, posteriormente, o Jornal Económico também consultou.

Na nova CPI à Caixa, a 28 de março, assegurou aos deputados ser “óbvio” e “impossível”, o BdP conseguir saber que a CGD ia financiar Berardo, antes que o crédito fosse atribuído. “Essa ideia de que pode conhecer antes é impossível”, disse Constâncio no Parlamento. Após a notícia, o antigo governador do Banco de Portugal garantiu que “não mentiu nem omitiu” na comissão parlamentar de inquérito à CGD e voltou a assegurar que o supervisor não tem conhecimento de operações de crédito antes de serem decididas pelos bancos.

Mais tarde, a 11 de junho, o “Público” noticiou também que o ex-governador do BdP teve acesso aos documentos com a informação completa sobre a operação que foi analisada durante dois meses pelo departamento de supervisão do banco central. Uma linha de crédito que só poderia ser utilizada com a autorização do Banco de Portugal.  Ou seja, na avaliação da tomada de posição qualificada, o BdP poderia ter concluído que a operação de financiamento tinha riscos para a estabilidade financeira e, portanto, rejeitá-la. De acordo com o jornal, não há referência nas atas das reuniões posteriores do conselho de administração a objeções de Vitor Constâncio à operação que envolvia Berardo, a CGD e o BCP, mas nessa altura já lhe tinha sido disponibilizada documentação com a descrição completa da operação.

Constâncio diz que não esteve na reunião que deu ‘luz verde’ a Berardo para reforçar no BCP. Numa nota enviada à agência Lusa, garantiu, no entanto, que não participou na reunião do conselho de administração do BdP que autorizou a participação qualificada do investidor Joe Berardo no BCP.

O antigo governador, que à data dos factos liderava o BdP, diz que recebeu essa informação da instituição que liderou: “Recebi hoje [11 de junho] do BdP informação de que não participei na reunião do conselho de administração de 21 de Agosto de 2007, que decidiu não objetar à participação superior a 5% da Fundação Berardo no capital do Banco Comercial Português”.

Segundo a mesma nota de Vítor Constâncio, este facto “prova como as decisões de uma instituição não devem ser pessoalizadas”. Para Constâncio, o não ter participado na reunião demonstra também que não autorizou “pessoalmente” a “operação de compra de ações bem como a operação de crédito e o levantamento de elevado montante de fundos, que, aliás, já tinha sido legalmente concedida pela CGD meses antes”.

“Reitero, portanto, que a decisão que foi tomada pelo Conselho do Banco de Portugal não implicou, nem um aval à concessão desse crédito que já tinha sido legal e autonomamente decidido pela CGD [Caixa Geral de Depósitos], nem um julgamento sobre a natureza da operação”, conclui Constâncio.

Ex-gestores da Caixa asseguram que Constâncio tinha margem para atuar no caso Berardo

Os antigos presidente e administrador da CGD Fernando Faria de Oliveira e Jorge Tomé defendem que o antigo governador do BdP Vítor Constâncio tinha poderes e margem para atuar sobre a operação de crédito de 350 milhões do banco público a Joe Berardo, que tinha como objetivo reforçar a sua posição no BCP.

“Num contexto em que a estabilização do BCP era importante, penso que, se o BdP tivesse indicações de exposição excessiva da banca, garantida com ações do BCP, poderia intervir ou alertar os dois bancos para o risco, ou apresentar recomendações”, afirmou Faria de Oliveira, em declarações ao “Público” esta segunda-feira.

Já o ex-administrador Jorge Tomé defendeu ao mesmo jornal que havia em agosto de 2007 elementos suficientes para concluir que o financiamento a Berardo “implicaria uma tomada de risco excessivo ao mesmo título [BCP], deveria ter alertado a Caixa”.

Para Jorge Tomé, “um supervisor tem grande margem para se pronunciar quando toma conhecimento de uma operação de financiamento que considera de risco para o banco que a deu ou a vai dar”, considerando que “não faz sentido” que Constâncio venha agora dizer que não podia fazer nada. “podia tê-lo feito”, rematou.

Faria de Oliveira defendeu também na nova audição na CPI à gestão da CGD, realizada ontem, que o banco central português podia ter alertado o banco público sobre o risco em que incorria a Caixa ao conceder um empréstimo a Berardo para reforçar a sua posição acionista no BCP em 2007. E que a classificação da idoneidade do acionista que pretende tomar uma posição mais qualificada no capital de um banco “é da exclusiva responsabilidade da autoridade”.

“Pelo menos alertar, podia ter acontecido. Podia ir mais longe do que alertar (…) creio que podia ir mais longe com uma recomendação”, defendeu o antigo presidente da CGD quando questionado pelos deputados sobre se o BdP podia ter feito algum alerta, numa altura em que já havia sinais de haver uma crise financeira.

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