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“Continuar demasiado tempo os estímulos pode levar a desequilíbrios”

Em entrevista ao Jornal Económico, o diretor do Centro de Estudos Políticos Europeus e antigo membro do FMI, Daniel Gros, alerta para os riscos de o BCE manter o programa de compra de ativos. Apesar de acreditar que Mario Draghi não fará alterações, pelo menos, até ao outono, o economista lembra o exemplo japonês e as dificuldades de acabar com o QE.
19 Julho 2017, 07h15

Os EUA anunciaram uma normalização da folha de balanços, o Canadá subiu as taxas de juro pela primeira vez em sete anos, o Reino Unido abriu a porta ao fim dos estímulos e até a zona euro começa a caminhar para uma mudança. Apenas o Japão e a Suíça parecem determinados a continuar com o Quantitative Easing (QE), mas apesar do que parece ser um movimento global, o diretor do Centro de Estudos Políticos Europeus, Daniel Gros, lembra que o QE não é assim tão fácil de abandonar.

Esta quinta-feira o Conselho de Governadores do Banco Central Europeu (BCE) reúne-se para discutir a política monetária da zona euro, numa altura em que a expetativa é grande sobre a altura e a forma como o presidente da instituição, Mario Draghi, irá anunciar o fim do programa de compra de ativos. A maioria dos 75 economistas consultados pela agência Reuters acredita que o BCE deixará os mercados à espera do anúncio, pelo menos, até setembro.

O economista, que trabalhou no Fundo Monetário Internacional e como conselheiro da Comissão Europeia, já está a olhar além dessa data. “Não haverão alterações: a inflação continua baixa, portanto o BCE terá de continuar a comprar obrigações”, diz sobre as reuniões de política monetária de julho e setembro.

O crescimento económico acelera, o mercado de trabalho consolida-se, mas a meta do BCE – de uma inflação próxima, mas abaixo de 2% – parece difícil de conseguir. Em teoria, a expansão do emprego deveria causar um aumento dos salários e subida generalizada dos preços. No entanto, isso não está a acontecer, sendo que na zona euro a inflação voltou a cair em junho para 1,3%, e “ninguém sabe realmente porquê”, explica Gros.

Inflação adia decisão e aumenta os riscos

O BCE tem atualmente em curso um programa de compra de ativos da zona euro a um ritmo mensal de 60 mil milhões de euros. O plano é que continue até dezembro e Draghi tem referido que a expansão económica é robusta, mas ainda não suficiente. A resistência na subida dos preços pode atrasar o plano de redução gradual do programa, o chamado tapering, mas este terá de acontecer.

“Depois de um período de sub-consumo e de sub-investimento, agregados familiares e empresas começam a gastar novamente quando vêem algum retorno da estabilidade financeira. Isto já aconteceu. As políticas orçamentais podem ter ajudado no pico da crise, mas muito menos depois disso”, refere o economista.

O principal risco para o BCE é “continuar por demasiado tempo os estímulos apesar de não serem necessários”, o que poderia resultar “numa acumulação de desequilíbrios financeiros”.

Além disso, o fim do QE não é um ponto sem retorno. Mesmo que o BCE acompanhe o “processo natural e propiciado pelos mercados que parece sólido e abrangente” de inversão monetária global, Gros lembra o exemplo japonês e quão fácil é voltar a cair na tentação dos estímulos.

O exemplo japonês e o divórcio difícil

Pioneiro na adoção de QE, ainda nos anos 1990s, o Japão tornou-se um veterano. Depois de ter tentado várias vezes reduzir a folha de balanços, o Banco do Japão continua a comprar obrigações a um ritmo anual de 80 biliões de ienes, o equivalente a cerca de 617,5 mil milhões de euros ou a cerca de 16% do PIB do país. No entanto, a inflação atual é 0,4%, depois de dois anos de deflação que terminaram em março.

“O Japão não consegue sair disso [do QE]”, diz Gros, que acredita que outros bancos centrais, “especialmente o BCE” poderão também ser arrastados para novas rondas de estímulos devido à inflação. “O Banco do Japão continua com QE porque aceitou a imagem de um Japão que precisa de mais inflação para alcançar um crescimento maior”.

“No Japão, é difícil encontrar evidências de um impacto do QE no crescimento”, continua. “A lição a tirar é que, fora de um período de crise ou ausência de tensões no mercado, a compra de obrigações por um banco central não devem ter impacto nas taxas de juros (de longo prazo)”.

Apesar disso, Gros considera que o Japão é frequentemente “incompreendido” pois é preciso ter em conta que o crescimento do país é muito baixo, devido ao constante declínio na população em idade de trabalhar. A baixa taxa de inflação também tem penalizado o PIB nominal, que estagnou.

“Finalmente, a importância dos preços do petróleo e gás para o Japão é muitas vezes ignorada. Até 2013, o Japão foi afetado negativamente pelo aumento dos preços do petróleo e pela perda de energia nuclear, levando a grandes importações de gás a preços elevados”, acrescenta.

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