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Coronavirus: Risco de contágio trava os grandes eventos

O surto que assusta o mundo já afetou mais de 80 mil pessoas e provocou a morte de cerca de três mil. Mas tem outras consequências negativas: eventos desportivos e feiras internacionais foram cancelados para evitar a propagação do Covid-19. Outros não foram tão longe e escolheram adiar por “tempo indeterminado”. Porém, as tensões aumentam à medida que os Jogos Olímpicos de Tóquio e o Euro 2020 se aproximam. Terão o mesmo destino?
5 Março 2020, 09h30

O surto do coronavírus levou ao cancelamento e adiamento de várias conferências, eventos desportivos e exposições comerciais em todo o mundo, afetando diretamente a indústria mundial de feiras de negócios que fatura anualmente, em média, 2,5 biliões de dólares (cerca de 2,3 biliões de euros), segundo os dados do Events Industry Council e da Oxford Economics, de 2017.

Até à data, o site agregador de estatísticas Worldometers contabilizou 82.524 pessoas infetadas pelo Covid-19 e 2.812 vítimas mortais. A China continua a representar a maior fatia de infetados, com mais de 78 mil casos confirmados, mas de acordo com os dados mais recentes o vírus já chegou aos quatro cantos do mundo. Na Europa, o norte de Itália regista 528 casos e 14 mortes, sendo por isso uma região em alerta máximo. Em Portugal, apesar dos 19 alertas para casos suspeitos, nenhum foi ainda confirmado.

Desde que Covid-19 surgiu em Wuhan, em dezembro de 2019, os organizadores de dezenas de exposições e conferências comerciais, tanto na China como no resto do mundo, decidiram cancelar a agenda por receio de propagação deste vírus. O ponto de viragem foi, sem dúvida, em Barcelona, quando a organização do maior evento de telecoumincações do mundo, o Mobile World Congress, decidiu cancelar, a 12 de fevereiro, esta feira internacional duas semanas antes da data prevista da sua realização. Depois de mais de 30 empresas – entre as quais Vodafone, Amazon e Sony – terem anunciado que não iriam participar por receio de exporem os seus colaboradores e executivos ao vírus, a organização decidiu abdicar de lucros na ordem dos 500 milhões de euros e da presença de mais de 2.500 empresas num total de 100 mil participantes no evento (sem esquecer que iria empregar temporariamente 42 mil pessoas), ao invés de realizar um evento internacional com fraca adesão.

O receio de propagação também chegou a São Francisco. A cidade norte-americana prescindiu de uma receita de 11 milhões de dólares (cerca de 10 milhões de euros) ao cancelar o Global Market Summit “por precaução” contra a doença que já afetou 60 pessoas nesse país. A feira organizada pelo Facebook, prevista para decorrer entre 9 e 12 de março, antecipava a presença de quatro mil participantes internacionais. Semanas depois do anúncio, São Francisco declarou estado de emergência devido ao Covid-19, apesar de não haver casos confirmados na região. Já ontem, o Facebook anunciou que a conferência anual F8, prevista para maio, não decorrerá de forma presencial.

Na China, a indústria das feiras, que é considerada um dos motores dessa economia, deverá sofrer um duro golpe depois do adiamento de eventos como a Exposição Automóvel Internacional de Pequim, o Fórum de Desenvolvimento da China e Cimeira da Indústia da Internet 2020. Em 2019, este setor faturou 6,1 mil milhões de dólares (cerca de 5,6 mil milhões de euros), segundo a entidade de pesquisas de mercado IbisWorld.

Os eventos desportivos também não fugiram à regra. A maratona de Hong Kong, que tinha 70 mil inscritos a 8 de fevereiro, foi cancelada, tal como o torneio de ténis amador feminino de Xi’an, em abril, e as provas de qualificação para os Jogos Olímpicos das equipas chinesas de biatlo e andebol.

Jogos Olímpicos de Tóquio em risco
Aquele que é considerado o maior evento desportivo do mundo acontece de quatro em quatro anos e reúne a elite do desporto mundial durante um mês. O investimento de 400 mil milhões de ienes (cerca de 3,3 mil milhões de euros) do governo japonês para organizar o evento poderá agora estar em risco devido ao surto que afeta especialmente o continente asiático.

O Comité Olímpico Internacional (COI) já emitiu um comunicado onde afirma que os Jogos Olímpicos poderão vir a ser cancelados, caso “o vírus não esteja controlado” ou “se as instalações criadas para acolher atletas e espetadores não reunirem as condições sanitárias exigidas”.

O presidente do COI, Thomas Bach, afirmou durante a sua visita ao Japão em julho de 2019, que “é a primeira vez que vejo um país tão bem preparado para receber o evento, quando ainda falta um ano para a sua realização”. Já foram vendidos mais de três milhões de bilhetes a nível global, e espera-se a colaboração de mais de 200 mil voluntários. O cancelamento de um evento desta magnitude, que conta com a participação de atletas de 206 países, poderá ter repercussões negativas para a economia japonesa. Além de ser praticamente impossível recuperar o investimento feito (construção de estádios, pavilhões, estruturas de apoio aos atletas ou recuperação de estradas), o impacto também se fará sentir no setor hoteleiro. Os Jogos Olímpicos foram cancelados apenas em três ocasiões: 1916 (Primeira Guerra Mundial), 1940 e 1944 (ambos devido à Segunda Guerra Mundial).

Em Portugal, e no seguimento do que está a ser feito pelas autoridades desportivas um pouco por todo o mundo, o Comité Olímpico de Portugal informou o Jornal Económico (JE) que, “no plano interno, solicitámos informações no dia 4 de fevereiro à Direção-Geral da Saúde e aguardamos ainda a resposta”. Acrescenta ainda que estão a acompanhar “a monitorização que está a ser feita pelo COI em conjunto com a Organização Mundial de Saúde”. Também a organização do maior evento de ténis em Portugal, o Estoril Open, que está previsto decorrer entre 25 de abril e 3 de maio, fez saber ao JE que está em sintonia com a Associação de Tenistas Profissionais (ATP) no sentido de adotar medidas preventivas, na sua maioria sanitárias, para garantir que o torneio decorra dentro do planeado, uma vez que, de acordo com João Zilhão, diretor do torneio, “o circuito mundial da ATP é tão congestionado que não existe a possibilidade de adiamentos”. Realça que dentro do atual panorama nacional “não existem razões para acreditar que o torneio não se vai realizar”, ao mesmo que assegura que as medidas sanitárias sugeridas pela autoridade máxima do ténis mundial serão cumpridas.

A Semana da Moda em Milão também não resistiu à pressão e acabou por seguir o mesmo rumo que as festividades do Carnaval de Veneza e alguns jogos de futebol da Série A. Depois de Giorgio Armani ter realizado o desfile de apresentação da nova coleção da marca à porta fechada, a Câmara Nacional da Moda Italiana decidiu cancelar o evento por completo. Em Portugal, o receio ainda não se faz sentir. Ao JE, a organização da Moda Lisboa – que deverá decorrer entre 5 e 8 de março – considera que “enquanto [o coronavírus] não chegar a Portugal, não estamos preocupados”.

Os prejuízos associados ao cancelamento ou adiamento de eventos são muitas vezes difíceis de quantificar, não só para organizadores como também para as comunidades locais. De acordo com o Daniel Sá, especialista em marketing desportivo, o cancelamento de eventos de grande escala e os consequentes prejuízos “servem de aviso para as organizações de futuros eventos analisarem o risco envolvido”, e acrescenta, “para termos noção”, o efeito do jogo entre o Inter de Milão e o Ludogorets [para a Liga Europa] decorrer à porta fechada: “Só em bilheteira, o clube vai perder entre dois a três milhões de euros. Se pensarmos em eventos de grande escala os prejuízos aumentam significativamente.”

O facto de ser ano de Jogos Olímpicos e Europeu de Futebol, leva Daniel Sá a sublinhar que “poderemos estar perante um caso sem precedentes, em que duas das maiores competições desportivas do mundo estão em risco de ser canceladas, no caso do Euro 2020 pela primeira vez, e isso vai gerar prejuízos incalculáveis”.

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