Assisti encantado aos comentários que, pela primeira vez nos últimos dias e no espaço público, aparentaram preocupações com os vários casos de corrupção e de como estas situações não foram detetadas na sociedade. Tudo a propósito do caso (mais um) Pinho, onde ouvimos desvios ao tradicional ‘politicamente correto’: “ao da justiça o que é da justiça!”. Ora, a justiça nunca vai conseguir resolver atempadamente tantos casos e com tanta gravidade. Vai atuar no seu tempo e, portanto, sem prevenção. Mas não lhe cabe fazê-la.

Temos de assumir a transparência como um desafio coletivo. Não quero repetir o que li e ouvi, mas alertar que este período da nossa história coletiva vai ficar marcado por estes eventos e que será lembrado pelas gerações vindouras como uma época em que os ministros não fizeram parte de um órgão coletivo, geriram o seu poder  em “quintas privadas”, o parlamento não fiscalizou o Governo, os reguladores protegeram os prevaricadores, os auditores “não viram” as empresas a esconder buracos, os órgãos coletivos de fiscalização só almoçaram por conta das empresas, os administradores não executivos fizeram do seu trabalho uma exclusiva proteção dos executivos com práticas irregulares e até de corrupção, os acionistas impuseram distribuições de dividendos que limitaram o crescimento das empresas. E por aí adiante. Pior ainda, a sociedade tem uma prática passiva que permitiu tudo, ficando apenas escandalizada sistematicamente, sem qualquer ação eficaz que evite remakes.

Os tribunais têm de fazer o seu trabalho, mas nós não podemos deixar de perceber que a responsabilidade de escândalos com a dimensão dos que nos têm enchido a espuma dos dias, são da responsabilidade das organizações e não apenas das figuras de proa. Mais. O efeito dos casos de corrupção nas empresas, nas suas estratégias de crescimento e na sua competitividade é brutal.

Vejamos apenas um exemplo. Os bancos estão assustados com as Fintech (serviços financeiros suportados quase completamente por tecnologia) e com as ofertas das GAFA (Google, Apple, Facebook e Amazon). Entretanto, entenderam que o seu ativo mais valioso são os clientes e as relações continuadas. Mas alguns bancos (e foram muitos) colocaram em risco os seus clientes, expondo-os a perdas enormes. Não diversificaram as suas fontes de financiamento, refugiaram-se em acionistas com agendas próprias e práticas pouco recomendáveis, desperdiçaram financiamento público para não alterarem regras de governance desastrosas e, mais tarde, acabaram por precisar de financiamento do Estado.

No início da crise, convenceram-nos que o problema se colocava apenas ao nível dos bancos de investimento americanos, que só tiveram problemas devido ao rating da dívida do Estado (ainda têm os mesmos problemas depois da saída de lixo da dívida pública). No entanto, continuamos a receber notícias de que os bancos ainda apresentam problemas, nomeadamente quanto aos rácios de solvabilidade. A regulação e as regras cada vez mais pesadas do compliance serão uma forma de diferenciar positivamente os bancos e as suas ofertas, e de dar garantias aos clientes e não, necessariamente, um fardo que lhes retira competitividade.

Isso só não acontecerá se a reputação das grandes tecnológicas for superior à dos bancos; se os consumidores considerarem que correm menos riscos investindo ou financiando-se através de empresas que não conhecem, localizadas em paradeiro incerto e geridas por empreendedores sem credibilidade.

O problema dos players tradicionais talvez seja, essencialmente, a reputação e os casos de corrupção em que se envolveram, de que tinham conhecimento e não denunciaram, e que tornaram “tóxicos” setores inteiros. À partida, quem está nos mercados tem condições de lançamento de novos negócios muito superiores (financiamento, reforço nos packs oferecidos aos clientes, conhecimento dos mesmos, reconhecimento de marcas, etc.) a quem é um Challenger. Tal só não acontecerá se o seu legado for um passivo e não um ativo.

O maior de todos os problemas é que, se não trabalharmos todos para reconquistar credibilidade e demonstrar transparência, vamos continuar a ter os nossos déficits de investimento e financiamento limitados a empresas mal capitalizadas, dívida cara e garantias pessoais. Não conseguiremos ter um mercado de capitais eficaz se os IPO forem como os mais recentes, que trataram tão mal os pequenos investidores. As economias que não tratam bem a poupança, não merecem ter investimento. Para o desenvolvimento das empresas e da economia é absolutamente essencial ter diversidade de fontes. Para atrair capital internacional saudável e limpo, temos de trabalhar todos na mudança de imagem deste tempo na nossa história.