[weglot_switcher]

Costa sobrepôs “contas certas” a acordo com esquerda para Orçamento

Entre um acordo com a esquerda para viabilizar a proposta do OE2022 e a sustentabilidade das contas públicas a prioridade do Executivo foi, para “as contas certas”, tal como o JE noticiou a 15 de outubro, abrindo uma crise política que, com o chumbo do OE, poderá levar o Presidente da República a dissolver o Parlamento e marcar eleições antecipadas.
  • António Cotrim/Lusa
28 Outubro 2021, 18h11

Na defesa da proposta do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), o primeiro-ministro defendeu, na abertura do debate parlamentar na generalidade, nesta terça-feira, que os principais objetivos do Governo são a recuperação económica do país, aumentar os rendimentos das famílias e reforçar os serviços públicos, mas mantendo “as contas certas”. António Costa reitera que as “contas certas” garantem a credibilidade internacional de Portugal, tendo permitido ao país ter poupado três mil milhões de euros de juros da dívida face a 2015, e que foi o excedente orçamental que permitiu a Portugal responder em força à crise da Covid-19. Já o ministro das Finanças sinalizou no dia da votação da proposta do OE que “não é tempo de arriscar tudo e deitar tudo a perder”.

Com o papão do chumbo do OE2022 agitado nos últimos dias, o primeiro-ministro, António Costa, pôs-se em campo e levou ao Conselho de Ministros logo na semana seguinte à entrega da proposta do OE2022, a 11 de outubro, duas das matérias mais caras à esquerda: o SNS e a legislação laboral.

A 21 de outubro, o Governo acabou assim por aprovar o novo Estatuto do SNS que prevê a dedicação plena aplicada progressivamente aos médicos e a criação de uma direção executiva para a gestão do SNS, bem como uma proposta de alteração à legislação laboral, que acomoda as prioridades detetadas no âmbito da Agenda do Trabalho Digno.

Neste último caso, foram aprovadas medidas como a compensação pela cessação dos contratos a termo vai passar para 24 dias, face aos 12 dias por ano agora previstos na lei; o valor das horas extra acima das 120; e a medida que prevê que as empresas que celebrem contratos com o Estado superiores a 12 meses não podem ter trabalhadores a prazo que vai abranger o Setor Empresarial do Estado.

Em reação às medidas laborais aprovadas pelo Governo em Conselho de Ministros, as confederações patronais ameaçaram suspender temporariamente a participação na Concertação Social, em protesto por aquelas medidas não terem sido discutidas primeiro com os parceiros sociais. Face à ameaça, o primeiro-ministro pediu desculpas aos patrões por ter aprovado medidas na área do trabalho sem as ter apresentado aos parceiros sociais e os patrões aceitaram o pedido.

As medidas da legislação laboral e do SNS ficaram, porém, ainda distantes das reivindicações dos ex-parceiros da geringonça, apesar do objetivo do Governo de sinalizar abertura para negociar e chegar a compromissos em algumas matérias ainda antes da especialidade de forma a garantir a aprovação do documento a 27 de outubro na generalidade. Um cenário que o PS admitiu desde a primeira hora que este ano seria “muito, muito mais difícil”, tal como fonte próxima ao processo revelou ao JE a 15 de outubro.

Esta dificuldade foi, aliás, desde logo admitida pelo próprio Presidente da República com os avisos que deixou em 24 horas após a ameaça de chumbo da proposta do OE2022 pelo PCP e do BE na semana da apresentação deste documento na Assembleia da República. Marcelo Rebelo de Sousa começou por alertar para os riscos de eleições antecipadas e um novo Orçamento em abril que “significaria seis meses de paragem”, renovando três dias depois de a entrega da proposta do OE2022 os alertas para um arranque “coxo” no próximo ano, defendendo que “mais vale prevenir do que remediar” crises políticas.

Logo a 14 de outubro, António Costa sinalizou aos deputados que não abdicava das “contas certas” no Orçamento, advertindo que este “é sempre uma moeda com duas faces, uma delas com saldo de receita e despesa e que a credibilidade da economia portuguesa é um valor intocável”. Para o Executivo socialista ceder a todas as reivindicações da esquerda significaria colocar em causa a sustentabilidade das contas públicas, com custos a médio prazo do ponto de vista eleitoral. Fontes socialistas recordam aqui que a disciplina orçamental de Bruxelas deverá regressar em 2023, o que obriga a uma redução do défice abaixo dos 3% e a uma trajetória de redução da dívida pública. Metas que poderão ficar em causa, segundo as mesmas fontes, se o Executivo cedesse a todas as reivindicações pretendidas pela esquerda.

Entre estas, destaca, “é impossível a valorização salarial” reivindicada pelo PCP (aumento geral dos salários da Função Pública em 90 euros) – e que foi acenada como central pelos comunistas nas negociações com o Executivo – porque tal “será uma despesa estrutural, permanente e muito pesada”, já que “cada décima de aumento salarial vale 25 milhões de euros”. Impactos que se podiam avolumar inda mais com as prioridades definidas pelo Bloco de Esquerda. É o caso do fim do corte do fator de sustentabilidade (15,5%) para as reformas antecipadas para as pensões antecipadas 2014 e 2019, fonte próxima diz ser do ponto de vista do Governo “impossível abrir-se a caixa da pandora do fator de sustentabilidade”. Também a “dedicação exclusiva” dos profissionais do SNS foi encarada pelo Executivo como “muito complexa”, considerando que é um processo que “implica várias fases” e “não pode ser feita de um dia para o outro”.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.