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Marsh Portugal prevê retração de crédito e aconselha empresas a ajustar negócios

Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, Catarina Vivo, Financial Risks Specialist da Marsh Portugal, defende que as empresas têm de cobrar as faturas já emitidas e vencidas e adaptar e ajustar o seu modelo de negócio e a sua atividade à atual conjuntura para tentar sobreviver a esta crise.
31 Março 2020, 07h52

A concessão de crédito às empresas nacionais deverá sofrer uma retração nos próximos meses devido ao surto do coronavírus. Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, Catarina Vivo, Financial Risks Specialist da Marsh Portugal, pertencente a um dos grupos mundiais especializados em riscos de crédito.

Esta responsável defende que as empresas têm de cobrar as faturas já emitidas e vencidas e adaptar e ajustar o seu modelo de negócio e a sua atividade à atual conjuntura para tentar sobreviver a esta crise.

E avisa que os negócios que já estavam em dificuldade antes do surgimento do vírus não vão ser salvos agora, sublinhando a relevância de as empresas recorrerem a seguros de crédito.

Os setores mais penalizados neste momento são: transportes, turismo, automóvel, metalúrgico, têxtil e calçado, retalho e construção, de acordo com a opinião de Catarina Vivo.

A Marsh afirma-se como líder mundial em consultoria de risco e corretagem de seguros. Com mais de 35.000 colaboradores a operar em mais de 130 países, a Marsh serve clientes comerciais e individuais com soluções de risco baseadas em dados e serviços de consultoria.

É uma empresa da Marsh & McLennan Companies (MMC), cotada na bolsa de Nova Iorque. Com receitas anuais de aproximadamente 17.000 milhões de dólares (cerca de 15,3 mil milhões de euros ao câmbio atual) e 76 mil colaboradores em todo o mundo, a MMC controla quatro empresas: a Marsh, a Guy Carpenter, a Mercer e a Oliver Wyman.

Com a situação imprevisível da pandemia da Covid-19 em curso, quais as expetativas de evolução dos pedidos de limites de crédito nos próximos meses em Portugal, por parte das empresas nacionais?
Com a implementação de medidas de contenção de forma a controlar a propagação do vírus, quer a nível nacional, quer internacional, as empresas veem não só as suas cadeias de fornecimento ameaçadas, como também os seus próprios negócios. Já estamos a assistir a um abrandamento da atividade económica local e mundial, que se deverá prolongar pelos próximos meses, e cuja severidade estará diretamente relacionada com a duração desta pandemia. Consequentemente, é expectável que se verifique uma redução em novos pedidos de limite de crédito para empresas.

Quais pensa que serão, neste momento, os setores de atividades mais afetados e, portanto, os que mais facilmente verão os seus limites de crédito reduzidos?
É provável que a maioria dos sectores seja impactada negativamente pela Covid-19, com efeitos mais visíveis conforme a gravidade da pandemia e comprimento da mesma. A interrupção da produção irá gerar receitas, margens e resultados financeiros mais baixos. Ao mesmo tempo, o impacto da diminuição das viagens (globais e domésticas) terão impactos nas economias locais, companhias aéreas, agências de viagens e no turismo, de uma forma geral.
De acordo com o último estudo que dispomos dos seguradores de crédito, os setores mais penalizados neste momento são: transportes, turismo, automóvel, metalúrgico, têxtil e calçado, retalho e construção.

Presumo que a última grande redução de limites de crédito por parte dos seguradores em Portugal tenha sido na sequência da crise financeira de 2008. Quais são os dados relativos a esse período, quais as estimativas de que essa redução venha a ser superada agora e quais as lições que podemos aprender com o que ocorreu nesse período?
A grande redução dos limites de crédito na crise financeira de 2008 teve um impacto bastante significativo na economia real. As empresas assumiam o risco de crédito na íntegra, por escassez de suporte de linhas de crédito por parte da banca e seguradores. Nessa altura, o Estado interveio e criou linhas de crédito de apoio às empresas através das Sociedades Portuguesas de Garantía Mútua (SPGM) e dos quatro seguradores de crédito a operar diretamente em Portugal.
Neste momento, navegamos no desconhecido e vivemos uma situação económica diferente da crise financeira de 2008. Agora é a falta de atividade económica que poderá provocar um impacto no sector financeiro. O receio dos analistas de risco prende-se com a interrupção da produção, com o bloqueio das cadeias de fornecimento e com a incapacidade das empresas em cumprir com as suas responsabilidades.

O que podem esperar as empresas nacionais da concessão de limites crédito nos próximos meses desta pandemia?
Apesar de já se estar a verificar uma redução dos limites de crédito, por efeito da contaminação económica mundial e das baixas expetativas dos economistas relativamente a alguns sectores de atividade, a atuação dos seguradores terá um ritmo alinhado com a informação comercial de que dispõem. O registo de atrasos nos pagamentos, a transferência dos processos de cobrança para os seguradores e os pedidos de indemnizações serão os fatores que irão despoletar uma queda, mais ou menos, acentuada na concessão dos limites de crédito.

A confirmar-se a possibilidade de uma grande redução dos limites de crédito, como se pode solucionar esse problema?
A redução dos limites de crédito só será efetivamente um problema se houver procura. Embora numa fase inicial, em alguns setores, se tenha verificado um aumento da procura, provocado pelo receio de num futuro próximo, com a eventual interrupção das cadeias de fornecimento, não haver bens disponíveis, é expectável que essa tendência não se perpetue. Com a retração do consumo, atendendo à dimuição da confiança provocada pela incerteza da situação atual, é normal que toda a cadeia a montante se retraia.

Que riscos devem ser acautelados e como se pode conseguir esse objetivo, por parte das empresas nacionais?
As empresas têm que manter o foco em dois aspetos principais. Em primeiro lugar, procurar uma forma de adaptar o seu negócio à nova realidade, cuja duração desconhecemos. Em segundo lugar, receber a faturação já emitida, alguma da qual já se encontra vencida.
Em relação ao primeiro ponto, temos já alguns exemplos em prática: desde restaurantes que agora trabalham exclusivamente em regime de entregas ao domícilio, a empresas de transportes que se estão a focar na entrega de compras ‘online’.
Relativamente ao segundo ponto, é importante dar alguma flexibilidade adicional atendendo à excecionalidade da situação que estamos a viver. No entanto, é expectável que o número de incobráveis aumente, pois nem todos terão a capacidade de adaptação necessária para sobreviver. É aqui que a existência de uma apólice de seguro de crédito faz a diferença.

Que papel deverá ter o setor segurador de crédito neste período?
Os seguradores começam a dar sinais positivos na resposta a esta pandemia. Neste momento, todos os seguradores implementaram medidas extraordinárias de flexibilização das obrigações contratuais, nomeadamente a nível de prazos para gestão de cobranças, por forma a evitar o incumprimento.

Qual o papel que deverá ser assumido pelo Governo e pelas instâncias comunitárias?
Para já, foi lançada pelo Governo a ‘Linha de Crédito Capitalizar 2018 – Covid-19’, que com uma dotação global de 200 milhões de euros visa ajudar as empresas portuguesas, cuja atividade esteja a ser afetada pelos efeitos económicos resultantes desta pandemia, a financiarem-se com melhores condições de preço e de prazo, as suas necessidades de fundo de maneio e de tesouraria, como por exemplo o pagamento de salários, ou a aquisição de produtos e matérias-primas. Indiretamente, esta linha poderá ajudar algumas empresas a cumprir com os compromissos que haviam assumido perante os seus fornecedores. Uma vez mais, dependendo do tempo que perdurar esta pandemia e os seus efeitos, saberemos se esta linha será suficiente ou não. Uma coisa é certa: negócios que já se encontravam em dificuldades antes desta situação, não serão salvos agora. Por outro lado, com uma diminuição da procura, é fundamental que as empresas ajustem a sua capacidade de produção para conseguirem sobreviver, o que produzirá efeitos a outros níveis, nomeadamente na taxa de desemprego.
É em momentos como este, que é realçada a importância do seguro de crédito na proteção do comércio nacional e internacional. O seguro de crédito assenta em dois benefícios fundamentais: por um lado, ajudar as empresas a tomar decisões de crédito mais sustentadas, com atualização de informação em tempo real, permitindo um maior conhecimento dos seus clientes, antecipando eventuais incumprimentos; por outro, se o pior se vier a verificar, com falta nos pagamentos ou insolvência inesperada, a compensação por via de um seguro de crédito mitigará o impacto nas contas da empresa.
Todos os dias, empresas que consideramos estar em excelente condição financeira, líderes no seu sector, entram em dificuldades financeiras, e é nestes casos imprevisíveis, que o seguro de crédito é realmente importante. Com a Covid-19 a criar incerteza nos negócios, nunca foi tão importante que o maior ativo no balanço de uma empresa, a dívida de clientes, esteja protegido.

 

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