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“Criminoso sente-se protegido para voltar ao local do crime”. Louçã critica gestão do Novo Banco

O economista e ex-líder do Bloco de Esquerda defende que “a trama” do Novo Banco na compra e venda de ativos prejudiciais para o Estado português vai ficando cada vez “mais retorcida” e o melhor é “zerar” o processo e verificar a idoneidade dos administradores que “conduziram este descalabro”.
  • Cristina Bernardo
11 Agosto 2020, 10h39

O economista e ex-líder do Bloco de Esquerda (BE) Francisco Louçã considera que os negócios do Novo Banco, de compra e venda de ativos prejudiciais para o Estado português, parecem um caso “em que o criminoso volta sempre ao local do crime e se sente protegido para o fazer”. Francisco Louçã defende que “a trama” está a ficar “mais retorcida” e o melhor é “zerar” o processo e verificar a idoneidade dos administradores que “conduziram este descalabro”.

“Isto cheira a esturro. São vezes de mais, dinheiro de mais, descaramento de mais. Este parece mesmo ser o caso em que o criminoso volta sempre ao local do crime e se sente protegido para o fazer, visto que as desculpas dos administradores, reguladores e outras autoridades sempre que se revela uma ponta do véu são demasiado parecidas, demasiado atabalhoadas, demasiado impossíveis”, refere, num artigo de opinião publicado no semanário “Expresso”.

Em causa está a notícia, avançada pelo jornal “Público”, que dá conta de que o Novo Banco vendeu, em outubro de 2019, a seguradora GNB Vida ao Apax, um fundo de um milionário condenado nos Estados Unidos por corrupção, por um preço muito abaixo do seu valor contabilístico, inscrito no balanço de 30 de junho daquele ano. De acordo com o “Público”, a GNB Vida terá sido vendida com um “desconto” de 68,5% ao Apax.

A operação terá gerado uma perda de 268,2 milhões de euros para o Novo Banco e serviu para o banco liderado por António Ramalho “justificar novo pedido de injeção de dinheiros públicos”, através do Fundo de Resolução.

“A explicação é tão embrulhada como sempre, os guionistas destas fábulas não carecem de imaginação, mas o que verificamos é o mesmo padrão de outras operações anteriores desta gigantesca lavandaria: como está assegurado que, qualquer que seja a dimensão do prejuízo, o dinheiro público vai tapar o buraco (fingindo-se que serão os outros bancos a pagar, apesar de nem tidos nem achados nesta tramoia)”, sublinha.

A notícia da venda da GNB Vida a preço de saldo surge depois de no final de julho, ter sido divulgada também a venda de casas, pelo Novo Banco, abaixo do preço de mercado a um fundo das ilhas Caimão. Além do prejuízo resultante das vendas com desconto, sabe-se ainda que o Novo Banco terá emprestado dinheiro para se poderem concluir as vendas dos imóveis. Tudo isto coberto pelo Fundo de Resolução.

Francisco Louçã diz que esses casos revelam que “a pressa e a conveniência do negócio estão acima de qualquer consideração de eficiência ou rentabilidade” e “o que eram prédios valiosos e empresas prestáveis passa a ser classificado como sucata e é vendido ao deus dará”.

O antigo coordenador do BE considera que a Deloitte, ao adiar a entrega da auditoria desde março, está a contribuir para que a administração do Novo Banco continue com “a sua feira de garagem”. A auditoria à gestão do BES/Novo Banco, referente ao período de 2000 a 2018, incide sobre os créditos problemáticos e venda de imóveis com desconto e, ao que o Jornal Económico apurou, só deverá ser tornada pública e entregue no Parlamento no final de agosto.

“Como a corrida se está a acelerar, ainda falta a venda de mais de mil milhões em imobiliário e o prazo é só mais um ano para o Novo Banco esgotar a verba prometida no contrato e preparar a sua venda, conviria não perder mais tempo em encontrar uma solução”, frisa Francisco Louçã.

Para o economista, não há outra escolha que “não seja zerar este processo”, o que pressupõe “parar todas as operações suspeitas, fazer a auditoria necessária sem depender do mercado interessado no seu resultado, antes promovendo o controlo das contas e estudando assim se há base jurídica para romper o contrato com a Lone Star, verificar a idoneidade e substituir os administradores que conduziram este descalabro, mandatar uma nova direção para o Fundo de Resolução e reforçá-lo com competências técnicas adequadas”.

A solução proposta por Francisco Louçã surge em linha com o proposto pela atual coordenadora do BE, Catarina Martins, que esta segunda-feira, numa publicação nas redes sociais, veio exigir a demissão da comissão diretiva do Fundo de Resolução e a substituição da administração do Novo Banco.

“O outro caminho é deixar os mesmos a fazer o mesmo até ao fim do prazo. Suponho que quem lê estas linhas não terá a menor dúvida sobre qual o resultado alcançado se a estratégia de fechar os olhos e dançar a música da Lone Star continuar a conduzir a ação dos reguladores e ministros”, conclui.

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