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Matos Fernandes: “Cumprir metas ambientais é a melhor forma de relançar a economia”

Matos Fernandes tem pronto o plano de investimento público e privado para relançar a economia, que pode ascender a 2,4 mil milhões de euros. E vai avançar com as minas de lítio em sete localizações.
9 Maio 2020, 19h30

A melhor estratégia para relançar a atividade económica é cumprir as metas ambientais, defende o ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, em entrevista ao Jornal Económico. É nessa perspetiva que avança com um plano de investimentos públicos e privados, que conta com 1,2 mil milhões de euros, mas que poderá ser aumentado para 2,4 mil milhões. Uma das áreas principais é a desenvolver é a da exploração nas minas de lítio, que agora contempla sete localizações no território nacional.

 

Com o fim do confinamento e o reinício da atividade económica, como será possível conciliar as metas do Ministério do Ambiente com a necessidade de relançar a economia?
Atingir as metas que o Ministério do Ambiente avançou e que o Governo fixou é mesmo a melhor forma de relançarmos a atividade económica. A política deste ministério foi sempre de nunca entender a política ambiental como uma política do ‘não’. A nossa política sempre foi a de gerar riqueza, emprego e bem estar a partir de investimentos que construam uma sociedade neutra em carbono, uma economia circular e que por isso caiba dentro dos limites do sistema terrestre. Há uma coisa que eu sei que nós não podemos fazer que é acreditar que vamos construir o futuro com modelos do passado. Isso não existe. Não pode existir. Por isso, o que nós temos mesmo de fazer, não partindo do zero – antes pelo contrário – é cumprirmos a metas que estão no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC), sabendo que a década de 2030 é a década mais importante para nos conduzir à neutralidade carbónica em 2050.

 

Quais são os investimentos prioritários?
Os investimentos na mobilidade sustentável, os investimentos na regeneração de recursos, os investimentos na valorização do território e numa nova política florestal, os investimentos na produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, são os investimentos mais importantes e, por isso, no Ministério do Ambiente construímos um plano que tem investimentos públicos puros – obra pública –, que tem incentivos públicos e projetos transformacionais, mas que são para ser conduzidos por privados, no domínio da logística urbana, no domínio das comunidades de energia, no domínio da reutilização das embalagens, no domínio da criação de circuitos curtos de produção e consumo, no domínio da maior eficiência energética dos edifícios. Repito, um plano de investimento público, ainda que a título de subvenção.

 

Também terá investimentos privados entre os prioritários?
Entre os investimentos privados propriamente ditos temos os investimentos nos resíduos, que são feitos por privados – a EGF é privada –, os investimentos nas redes de eletricidade são privados, a REN, a EDP e tantas outras entidades, a exploração de lítio e de hidrogénio, tudo isso são projetos privados e que não estão aqui contabilizados porque daria certamente um volume de investimento total muito elevado.

 

O investimento público já teve reforço de verbas? Houve alguma dotação adicional?
Isso ainda não está decidido. Os investimentos que já têm verbas absolutamente asseguradas, com obras a serem iniciadas a partir do passado dia 19 de abril somam 1,2 mil milhões.

 

Esse montante destina-se a que obras?
Uma delas é simbólica, no porto de Aveiro. É o reforço do cordão das praias, na zona mais frágil da ria de Aveiro, entre a Costa Nova e a Vagueira, por 12 milhões de euros. É o primeiro desses investimentos. Mas também está aqui a Linha Circular do Metropolitano. Os investimentos das Águas de Portugal. A expansão do Metro do Porto a Vila D’Este, a linha Rosa de Vila D’Este, as embarcações da Transtejo, a renovação do material circulante do Metro de Lisboa e do Metro do Porto, tudo isso tem fontes de financiamento asseguradas com 1,2 mil milhões de euros e são tudo concursos que estão lançados ou que estão adjudicados, mas onde ainda não foi investido ‘um tostão’.

 

Esse investimento não deveria ser reforçado para combater os efeitos da crise da Covid-19 e relançar a economia?
Esse investimento é certo, digamos assim. Depois, na expectativa de vir aí a necessidade de reforçar o investimento público como forma de contrariar a crise, os nossos projetos somados valem 2,4 mil milhões de euros, exatamente o dobro. Todos esses projetos – se tivermos condições financeiras para avançarmos com eles, no limite, uns sim e outros não –, todos estão em condições de iniciar obra, no mais tardar, até ao final do próximo ano. Ou seja, um curto prazo para investimentos grandes.

 

O reforço para 2,4 mil milhões contará com verbas do pacote de 13 mil milhões de euros que foi atribuído a Portugal?
Nós fizemos o nosso trabalho de casa e agora no contexto do Governo, as decisões serão tomadas.

 

Em que ponto estão os projetos de exploração mineira de lítio em Portugal?
Estes últimos tempos ensinaram-nos duas coisas que são importantes. A primeira coisa que aprendemos é que para alcançar os objetivos da descarbonização da economia sabemos que a digitalização é fundamental no Portugal de hoje e no de amanhã. E não há digitalização sem lítio. Ponto. A segunda coisa que aprendemos é que é bom que existam cadeias curtas, é bom que, um continente como a Europa, que apenas tem 9% dos recursos críticos para a sua economia, saiba aproveitar esses recursos, sobretudo se esses recursos tiverem como destino final aquilo que são os próprios desígnios de transformação social dos países: uma maior digitalização e uma maior descarbonização. E o lítio é um metal essencial para que isso venha a acontecer. Portanto, eu quero acreditar que as pessoas estão cada vez mais conscientes daquilo que é a importância do lítio. Em segundo lugar a importância de explorar os recursos que temos, deste que seja feito com todas as cautelas ambientais.

 

E isso é conseguido?
Isso é mesmo conseguido! Não há ataque químico numa lavaria de lítio. Não existe. Há inúmeros outros minérios de metais que são correntemente explorados em Portugal e que não têm esta carga de dramatismo por trás. Existem em Portugal 56 minas de feldspato e eu gostava que me explicassem qual é a diferença entre a exploração de feldspato e a de lítio. Mas ainda ninguém conseguiu explicar-me isso.

 

Então a polémica que houve em torno do lítio foi injustificada?
Eu não a vou classificar, porque Portugal é um Estado de direito e as pessoas têm todo o direito a manifestar as suas opiniões. Mas vou dizer o que iremos fazer: sabemos que estes são tempos estranhos também na aprovação legislativa em Portugal, pois 90% dos assuntos aprovados em Conselho de Ministro são sobre a Covid-19, e é normal que assim seja, porque temos de dar resposta à pressão do momento, que tem uma componente legislativa a cada semana que passa, mas temos tecnicamente concluída uma nova lei, que não é para o lítio, mas para a exploração de minas em Portugal que introduz muitas diferenças. Em primeiro lugar, introduz a garantia de que também a atividade de prospeção tem acompanhamento ambiental – enquanto hoje ainda não tem, porque só a atividade da exploração é que tem. Na atividade da prospeção, as coisas correram menos bem, por exemplo, em Boticas, mas vão passar a correr bem porque as regras ambientais passam a ser aplicadas à prospeção. Em segundo lugar, pela repartição dos royalties entre aquilo que é o Estado central e os projetos locais e municipais. Em terceiro lugar, pela consciência clara de que uma mina não acaba no dia em que deixa de ser explorada. Não. Há o impacto ambiental, que é muito difícil de anular, que é o impacto da própria paisagem e, portanto, todo esse cuidado é um cuidado que tem de se manter muito para além do tempo da existência da exploração. E, por isso, com regras ambientais mais rigorosas irá avançar, assim que a lei for publicada, o concurso do Estado para a exploração mineira em sete locais.

 

Por que razão são sete locais e não nove?
Dos nove locais que tínhamos, em dois deles já hoje existem licenças de prospeção – um é em Argemela, e outro é no Alto Barroso, que apanha uma grande parte do que são hoje as licenças que já existem, e que vêm do Governo do PSD, em Montalegre e Boticas. Por isso não faz sentido que o Estado, que está à espera que sejam apresentados os estudos de impacto ambiental, esteja agora a lançar concursos para aí. Assim, dos nove locais, estes dois vão ficar em stand-by. Se as explorações avançarem, avançaram. Se não avançarem, mais tarde pensar-se-á certamente fazer um concurso para aí.

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