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Da reforma financeira às críticas à tecnologia, que legado deixa Constâncio no BCE?

O português será substituído pelo espanhol Luis de Guindos na vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE). Chegou ao lugar logo após o pico da crise e foi um um dos impulsionadores da reforma financeira da zona euro, mas um crítico das ‘fintech’ e criptomoedas.
19 Fevereiro 2018, 21h11

“Dez anos desde o início da crise financeira e ainda com reforma regulatória subsequente por concluir, já vemos tentativas de regredir na regulamentação financeira”, dizia Vítor Constâncio, em novembro, mostrando uma das características mais marcantes ao longo dos dois mandatos como vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE). Após oito anos, o português deixa um legado de reforço da regulamentação e supervisão financeira, mas também de aversão a algumas inovações.

Era 2010, a Europa debatia-se com uma crise das dívidas soberanas enquanto os EUA ainda lidavam com a crise do subprime, quando Vítor Constâncio chegou a número dois do BCE.

Na altura, salvar o euro, prevenir uma nova crise e garantir a estabilidade de preços eram vistos como os principais desafios da zona euro. Os bancos tinham pouca liquidez, os mercados financeiros viviam momentos de nervosismo e o acordo de Basileia III começava a ser falado.

Ao longo de oito anos, muito mudou no sistema bancário europeu, em grande parte impulsionados pelos esforços de Vítor Constâncio e Mario Draghi. A principal prioridade foi retirar dos Estados as responsabilidades sobre os problemas dos bancos, objetivo que promoveu a partilha de risco. No topo da lista está a criação da União Bancária, que continua em evolução.

Este sistema de supervisão e resolução bancárias ao nível da União Europeia, com base em três elementos: um conjunto único de regras, o Mecanismo Único de Supervisão e o Mecanismo Único de Resolução. Quanto à supervisão, o BCE chamou a si a responsabilidade de supervisionar os grandes bancos europeus, enquanto os bancos centrais nacionais mantiveram apenas os mais pequenos.

A partir do último instrumento, foi ainda criado o Fundo de Resolução Europeu, uma das mudanças mais importantes desde a crise e que evoluiu por forma a que sejam os principais credores a responderem pelo resgate de bancos na Europa em vez de Estado ou contribuintes. Por último, o Fundo de Garantia de Depósitos é também um dos contributos dados por Vítor Constâncio à zona euro.

“A reforma tem sido bem-sucedida na construção de um sistema financeiro mais seguro e deve ser dada prioridade a completar a agenda do Basileia III”, dizia o português em novembro. No entanto, Constâncio sai do BCE deixando o aviso que há ainda trabalho por fazer.

“Neste momento, a economia mundial está a desfrutar de um momento de recuperação sincronizada e, se alguma coisa, as preocupações surgem de possíveis excessos de otimismo do mercado financeiro e não da falta de financiamento para apoiar a recuperação”, acrescentou.

Sobre os desafios para o futuro do setor, destaca as fintech. Já em relação às criptomoedas, uma das novas tendências que invadiu o mercado, Constâncio sempre foi crítico, dizendo que não são moedas, mas formas de especulação.

“Na visão dos entusiastas, as fintech serão radicalmente perturbadoras, quebrarão os limites da indústria e aumentarão a intermediação financeira, eliminando os bancos tradicionais. Há muito exagero nesta visão. A pegada das novas empresas fintech ainda é bastante pequena”, afirmou. “No entanto, algum uso pode ser significativamente transformador. O uso de inteligência artificial e aprendizagem mecânica pelos gestores de ativos é um exemplo que criará novos riscos e poderá contribuir para uma maior concentração no setor”.

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