A poucos dias da data de entrega da proposta de Orçamento de Estado (OE) para o próximo ano, o tema mantém-se firme na agenda política, com muito debate, intriga, especulação e conspiração à mistura. O que não admira dadas as circunstâncias. Este é o primeiro OE a ser apresentado após as eleições legislativas, em que nenhum partido obteve maioria dos mandatos na Assembleia da República, e é o momento em que os partidos de esquerda, já sem geringonça, se movem num jogo de sombras, dizendo o que não pensam e pensando aquilo que não dizem.

Sobra, portanto, muito bluff entre as partes e um António Costa a acenar à esquerda, à direita e a deputados únicos com a possibilidade de acordos pontuais. Jerónimo de Sousa responde com intimidações (com os seus sindicatos e a sua CGTP) e Catarina Martins coage o mais que consegue.

Manobras políticas à parte, o Governo sabe bem que este OE terá, forçosamente, de conter um esforço de consolidação num quadro europeu, pois as exigências estabelecidas para Portugal revelam a urgência de adotar medidas cujo impacto terá de ser uma redução do saldo orçamental superior a mil milhões de euros.

Não será fácil. Trata-se de um esforço orçamental superior a toda a consolidação estrutural dos últimos quatro anos, marcados pela maquilhagem das contas com a redução artificial do saldo orçamental em quase 600 milhões de euros em 2015, e onde imperou a ausência de investimento público na despesa, com uma receita sempre recorde e com a carga fiscal no nível mais alto de sempre (34,9% do PIB, mais 0,5% face a 2015).

É evidente que a este esforço tem de corresponder uma óbvia mudança de estratégia. Nos primeiros dois anos e meio de geringonça, o Governo deu o que tinha e o que não tinha para garantir os votos de esquerda, mas, entretanto, o dinheiro acabou e o endividamento está em máximos históricos. Ciente da alteração de conjuntura, António Costa muda a agulha e adota a estratégia da ‘dança do vira’, ora virando para a esquerda ora virando para a direita, com incursões, negociações e promessas a algumas franjas.

Tudo se complica quando a isto juntamos um ministro das Finanças, expert na arte da imprevisibilidade, ilusão orçamental e documentos “faz de conta”, onde muito se inscreve e pouco se executa. Os portugueses, em particular investidores e agentes económicos, há muito que deixaram de acreditar no que é anunciado e aprovado, pois uma parte importantíssima acaba por não ser executada, pelas já famosas cativações.

A habilidade de António Costa e Mário Centeno nesta matéria tem prejudicado os portugueses, que pagam cada vez mais impostos e continuam a assistir à degradação dos serviços públicos. Ninguém nos obriga a andar permanentemente à procura de excedentes com meras cativações, já para não falar do que se perspetiva para 2020 com o abrandamento da economia face a 2019, segundo as últimas previsões da OCDE e do Conselho de Finanças Públicas.

Os exemplos da saúde e dos transportes são suficientes para demonstrar a inexistência de uma estratégia clara e de longo prazo: o Governo anunciou há dias uma medida avulsa de investimento de 800 milhões de euros na saúde, mas em grande parte para pagar o buraco nas contas da Saúde (550 milhões) e o restante para a contratação de 8.400 profissionais até 2021. Nos transportes abundam os anúncios onde falham as realizações (o investimento público global não ultrapassa os 2% do PIB), entre muitos outros exemplos.

Tem faltado verdade, honestidade e sentido de realidade aos OE em Portugal. Os cidadãos que pagam (tantos) impostos não merecem. A confiança nas instituições democráticas não merece ser minada desta forma, porque os danos podem ser irreversíveis. Um pouco mais de contenção e veracidade nas finanças públicas, por favor.