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Daniel Goleman: “O que importa é aquilo que se aprende ao falhar”

Especialista em inteligência emocional diz que esta é uma das características mais importantes para o sucesso, tendo quatro características essenciais: autoconsciência, autogestão, liderança e empatia. Numa época em que estamos ligados 24 horas por dia, a capacidade de gerir o ‘stress’ torna-se, no entender do norte-americano, uma das ferramentas essenciais para o futuro.
  • Cristina Bernardo
8 Junho 2019, 09h00

Durante mais de uma década preencheu as páginas do “The New York Times” com artigos acerca de temas científicos, particularmente sobre comportamento organizacional e as reações do cérebro humano. Mas na década de 90, já com duas nomeações para o Prémio Pulitzer, Daniel Goleman mudou de vida e dedicou-se à teoria que o catapultou para a fama: a inteligência emocional.

O norte-americano nascido na Califórnia em 1946 e filho de professores universitários, é hoje autor de inúmeros best-sellers, incluindo “Inteligência Emocional” e “Foco”, e corre o mundo para falar sobre o impacto da inteligência emocional na liderança.

Em entrevista ao Jornal Económico, realizado à margem da sua participação no World Leadership Forum, que decorreu nestas terça e quarta-feiras no_Centro de Congressos de Lisboa, Goleman explica que a inteligência emocional se aprende e que as competências sociais serão “absolutamente cruciais” no futuro.

Desde a década de 90 que se fala cada vez mais sobre inteligência emocional, mas, na realidade, de que se trata?

Na forma como a vejo, a inteligência emocional tem quatro critérios: a autoconsciência, a autogestão, a liderança e a empatia. É a forma como usamos tudo isto junto nos nossos relacionamentos. [A inteligência emocional] é extremamente importante na nossa vida particular. Não queremos casar com alguém sem inteligência emocional, queremos ser pais, professores, chefes, líderes com inteligência emocional. Por isso, um líder de que as pessoas gostam também é emocionalmente inteligente, tem essas características. Tem importância para a nossa vida privada e também para os negócios. Muita mesmo.

É algo que se trabalha?

A boa notícia é que a inteligência emocional tem tudo a ver com aprender. Sou um grande defensor de ensinar inteligência emocional às crianças nas escolas e que as empresas compreendam que qualquer pessoa pode crescer e desenvolver essa área. Têm que ajudar as pessoas a fazê-lo, dar-lhe formação sistemática.

Ter inteligência emocional é a característica mais importante para ser um bom líder nos nossos dias?

Pode ter uma boa estratégia, mas se for péssimo a lidar com as pessoas nada irá acontecer. É preciso inteligência emocional para pôr a estratégia em ação, para torná-la real. As competências sociais são absolutamente cruciais.

Mas como é que se pode desenvolver a inteligência emocional?

A forma como o podemos fazer é muito importante. Depois de muitos anos a trabalhar sobre o assunto, decidi desenvolver o meu próprio programa de coaching. Existem muitas pessoas a dizer que ajudam a desenvolver as competências associadas à inteligência emocional, mas não sei o que estão a fazer. A realidade é que os dados demonstram que se ajudarmos as pessoas a melhorar a sua inteligência emocional, se o fizermos da forma certa, as pessoas mantém-se melhores.

Dá como exemplo a empatia. Isso significa que os líderes podem aprender a ‘ler’ melhor as emoções dos trabalhadores?

A empatia, que permite compreendermos as emoções dos outros, é construída no nosso cérebro. Um líder atento pode melhorar essas capacidades e há métricas objetivas, como o nível de envolvimento. Deve perguntar-se a si próprio se o está a conseguir fazer. As métricas objetivas podem mostrar se [um líder] está a “perder” emoções. Se não estiver a motivar bem, não está a conseguir esse envolvimento.

De que forma é que se pode aumentar esse nível de envolvimento?

Uma das formas de fazê-lo de forma eficaz é que o líder seja visionário, para expressar um sentido de missão comum. Um líder que o sinta, que o saiba expressar… Ser CEO de um hospital é uma missão maravilhosa, é um lugar onde se ajudam pessoas, se salvam vidas. Mas se falar apenas sobre quantos pacientes tratou e quanto dinheiro fez, em vez de falar sobre a missão, perdeu o essencial da questão. Não irá ajudar as pessoas a quererem aprofundar o conhecimento sobre o seu trabalho. Isto acontece em qualquer área de negócios ou organização. O que precisamos de ter consciência é que temos de ser capazes de agir de uma forma que fale para as pessoas e as torne mais motivadas.

O controlo do stress é outra das competências associadas à inteligência emocional. É atualmente essencial para ser um bom líder?

Os níveis de stress são atualmente mais elevados do que nunca. A globalização da economia significa que estamos em competição com toda a gente em todo o lado e as mudanças tecnológicas levam a que já não exista uma divisão entre trabalho e casa. Recebemos uma mensagem às nove da noite, e não interessa onde estamos… Há mais stress e há mais stress constantemente. Uma das chaves da inteligência emocional é a autogestão, o que significa saber lidar com o próprio stress. Por exemplo, dar tempo a si próprio para descansar. O corpo precisa de recuperar, a mente precisa recuperar. E, como líder, também precisa de perceber se está a tornar as coisas mais stressantes do que precisam. Porque a um determinado momento ser altamente pressionado não funciona. Deixa as pessoas exaustas. Um líder precisa de gerir o próprio stress, mas também o que é criado nas pessoas que o rodeiam.

Existe correlação entre a inteligência emocional e o nível salarial?

Há uma relação aproximada entre a inteligência emocional e o sucesso que se alcança durante o percurso profissional. Pode não haver uma relação direta numa organização entre quanto as pessoas recebem e a inteligência emocional porque existem muitas forças dentro de uma organização. Uma é o nepotismo, em que não interessa ser bom ou não, pois vamos dar-lhe um salário maior. O que estou a dizer é que há muitas forças a determinar o quão bem as pessoas são pagas. Mas se as circunstâncias forem iguais, as pessoas com inteligência emocional serão as mais bem pagas. É um sistema justo.

No futuro, quais serão as competências mais importantes para ser bem sucedido?

Penso que no futuro as competências que vão ter importância serão a empatia, a capacidade de interagir com as pessoas com quem trabalhamos, com os clientes, trabalhadores e patrões. E também a resiliência para responder ao stress, ao fracasso, a capacidade em continuar a perseguir os nossos objetivos.

Precisamos de mudar a forma como encaramos o fracasso?

É interessante que em Silicon Valey, no mundo tecnológico, falhar é considerado positivo. O que importa é aquilo que se aprende ao falhar, pois toda a gente fracassa em determinada altura, principalmente quando corre riscos. No mundo da tecnologia e dos negócios, em geral há sempre riscos. A questão é: como é que cada um lida com esses riscos? Desiste, ou aprende a ser melhor e volta a tentar?

 

Artigo publicado na edição nº1990, de 24 de maio do Jornal Económico

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