Constâncio, que é, na sua forma feminina, sinónimo de perseverança e convicção, está por estes dias associado à ideia de pouca ou nenhuma verosimilhança. Tudo devido às alegadas incongruências de Vítor Constâncio, ex-líder do Partido Socialista, ex-deputado, ex-ministro das Finanças, ex-vice-governador e ex-governador do Banco de Portugal por duas vezes, e ex-vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), na II Comissão Parlamentar de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD), onde esteve presente no dia 28 de março.
Figura incontornável da supervisão do sistema bancário de Portugal, Vítor Constâncio tem vindo a ser confrontado com uma série de factos que supostamente contradizem as suas afirmações na Assembleia da República. No seu depoimento, debaixo de fogo nos últimos dias, Vítor Constâncio não disse aos deputados da comissão de inquérito que o Banco de Portugal, que à época governava, autorizou Joe Berardo a financiar-se junto da CGD para comprar ações do BCP em 2007, ano de guerra de poder na instituição, sob necessidade para o efeito de contrair uma dívida de 350 milhões para deter até 9,99% do banco que, 12 anos depois, continua por pagar.
Em boa verdade, três anos depois, em 2010, também não acertou nas previsões macroeconómicas e atuou tardiamente na supervisão bancária nos casos BPN, BCP e BPP, erros que custaram aos contribuintes portugueses um montante superior a 9,5 mil milhões de euros (ainda assim, viu os seus méritos reconhecidos na União Europeia, ao ser nomeado nesse mesmo ano vice-presidente do BCE e responsável pela supervisão bancária, num mandato que duraria oito anos e onde voltou a encontrar casos de bancos nacionais como o Banif ou o BES).
Não surpreende que os grupos parlamentares tenham aprovado por unanimidade a convocação de Vítor Constâncio para uma nova audição na comissão de inquérito, aguardada com a expetativa de quem deseja dissipar dúvidas e obter consequências. É preciso não esquecer que aqueles que autorizaram o empréstimo de Berardo na CGD (Carlos Santos Ferreira e Armando Vara) acabaram por ser nomeados para o BCP, no exato momento em que o comendador, com ajudas do banco público, tomava uma posição acionista qualificada de 10% do capital.
Vítor Constâncio irá esclarecer por que razão o Banco de Portugal autorizou a entrada de um novo acionista sem experiência de relevo no setor, para um banco que estava a enfrentar uma guerra de sucessão e de poder? E saberia ele que a CGD estava a emprestar dinheiro para um ‘assalto’ a um banco privado? E que a CGD estava a emprestar 350 milhões de euros, sem garantias reais, fazendo um negócio especulativo?
O que sabemos é que, à época, este episódio no maior banco privado português serviu os interesses do antigo primeiro-ministro José Sócrates, na tentativa de controlar e mandar no sistema financeiro e de Ricardo Salgado e do BES, pois enfraquecia o seu maior concorrente bancário. Constâncio ter-se-á limitado a assistir?
Aparentemente, no verão quente de 2007, o Banco de Portugal viu tudo, sancionou tudo, permitiu tudo e não conseguiu evitar nada. A guerra de poder do BCP, com Jorge Jardim Gonçalves contra Paulo Teixeira Pinto e Filipe Pinhal à mistura, acabou no início de 2008, com Santos Ferreira na presidência e Joe Berardo na retaguarda acionista.
Nesta fase, integrei a Comissão Política Nacional do PSD de Luís Filipe Menezes e, durante a sua liderança, foram lançadas algumas propostas como a do reforço da supervisão do Banco de Portugal sobre o sistema financeiro, que se tivessem sido implementadas pelo Governo da altura, de José Sócrates, teriam evitado os ‘casos’ BPN e BES. Curiosamente, a liderança de Luís Filipe Menezes durou menos de oito meses e as suas propostas visionárias caíram com ele…
O papel e a intervenção de cada um dos intervenientes estão – e bem – a ser revisitados, mas como disse João Miguel Tavares no Dia de Portugal, “criam-se comissões de inquérito para encontrar responsáveis e descobrimos um país amnésico… “
De Constâncio, nada sabemos: se mentiu, se ocultou ou se estes 12 anos o fizeram esquecer. Só a sua reforma dourada de quase 1000 euros por dia – sim mil euros/dia – essa não está esquecida. Cai todos os meses na sua conta bancária, com ou sem supervisão!