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Segurança social, sistema eleitoral e corrupção dominam debate morno a seis

António Costa, Rui Rio, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa, Assunção Cristas e André Silva fizeram o primeiro debate a seis para as legislativas numa iniciativa da Antena 1, Rádio Renascença e TSF. Impostos, saúde e crescimento económico ficaram de fora de uma discussão que terminou com Costa a vender o nosso peixe, Rio a recusar a canábis e Jerónimo a defender as touradas.
  • Debate a seis
18 Setembro 2019, 11h19

O debate a seis entre os líderes dos partidos e da coligação com representação parlamentar, realizado pela Antena 1, Rádio Renascença e TSF, arrancou com o tema das mexidas na Segurança Social. O sorteio ditou que fosse André Silva começasse por defender a proposta do PAN – Pessoas, Animais, Natureza de implementar um teto de 5.200 euros para as pensões mais altas, o que compensaria a atualização dos escalões mais baixos, o que foi considerado uma “ideia perigosa” por Catarina Martins, com a líder bloquista a traçar diferenças entre “pensões de privilégio” e aquelas que decorrem da carreira contributiva de quem fez maiores descontos, pois “quem ganha mais está a apoiar as pensões mais baixas”.

Antes disso, Catarina Martins sublinhou a importância para a sustentabilidade do sistema de Segurança Social de ter sido criado mais emprego e receitas alternativas durante a legislatura, chamando ao Adicional sobre o IMI, ou “imposto Mortágua”, “uma taxa pequenina sobre quem tem património imobiliário de luxo”. E insurgiu-se contra a ideia, novamente exposta pelo líder social-democrata, Rui Rio, de incentivar o “envelhecimento ativo” permitindo reduções de horário aos trabalhadores a partir de uma certa idade que aceitem continuar a trabalhar após a idade legal de reforma, reconhecendo ainda assim virtudes à proposta do PSD de taxar o valor acrescentado das empresas que dependem mais da tecnologia do que da mão-de-obra, ainda que sublinhando que o partido não a aplicou quando esteve no poder.

Assunção Cristas disse que é preciso criar transparência e, mais do que permitir o acesso ao simulador de pensões, enviar informação, por correio físico ou eletrónico, para os portugueses a deixar claro o que já descontaram e aquilo que poderão vir a receber se mantiverem o nível de contribuições. Mas também defendeu a “inscrição automática e não vinculativa num sistema público de capitalização”, abrindo a possibilidade de os empregadores fazem outro tanto em troca de benefícios fiscais caso descontem mais. Tudo isto, segundo a líder do CDS-PP, para que os reformados “tenham um rendimento mais próximo do que tinham na vida ativa”, afirmando que atualmente recebem entre 55 e 60%.

Por seu lado, Jerónimo de Sousa não viu “grandes novidades” em propostas que, na sua opinião, “têm sempre como objetivo a privatização de segmentos da segurança social”, atacando André Silva ao referir-se à “perspetiva simplória” de que é inaceitável haver reformas de 300 e de mais de cinco mil euros, pois o líder comunista vê nos tetos para as pensões mais altas uma abertura de porta para retirar os descontos mais altos do sistema, “deixando uma segurança social para os pobrezinhos”. Já quanto aos “avanços fascinantes” da automação, que diz permitirem que “as empresas tenham lucros fabulosos, pois não têm encargos laborais”, defendeu que estas passem a ter uma contribuição para o sistema baseada no valor acrescentado líquido.

Terminou a ronda António Costa, tendo o primeiro-ministro voltado a dizer que o crescimento do número de postos de trabalho durante a legislatura e a diversificação de fontes de financiamento aumentou em “pouco mais de 22 anos” a sustentabilidade do sistema de segurança social, sublinhando que o Fundo de Estabilização Financeira foi reforçado em 20 mil milhões de euros. Além do AIMI, o líder socialista realçou a introdução de até dois pontos percentuais da receita do IRC ser consignada ao Fundo de Estabilização, contrapondo com o consenso de que a taxação do valor acrescentado líquido desincentiva o investimento e desenvolvimento económico das empresas.

Momento de crispação num debate morno

A prioridade à redução do número de deputados defendida por Rui Rio – “a forma como os partidos políticos agem, a começar pelo meu, não é mobilizadora”, justificou – deu início a uma fase seguinte do debate marcada por ainda menores consensos. O líder social-democrata admitiu que não lhe agradam círculos uninominais “que dão cabo da proporcionalidade”, apontando como caminho possível “nenhum círculo com mais de dez ou doze deputados”.

António Costa garantiu que “nunca aceitaremos nada que destrua a proporcionalidade”, recordando que o PSD de Cavaco Silva chegou a defender círculos uninominais pois queria eliminar a representação parlamentar do CDS – “o Dr. Rui Rio é mais caridoso e vai dar votos para o CDS não ter só quatro deputados”, gracejou -, e defendeu a proposta do PS, baseada no modelo alemão (com círculo nacional de compensação), mas reconheceu que essa intenção não reúne consenso alargado à esquerda e à direita.

A “inquietação com os objetivos de quem pretende mexer” no sistema político dominou a intervenção de Jerónimo de Sousa, avançando com o círculo de Portalegre como exemplo da “distorção de proporcionalidade” já existente com o atual modelo, pois uma força política que obtém 28% não elege nenhum deputado.

André Silva também criticou um sistema de representação parlamentar que já “penaliza os partidos médios e os que não têm representação parlamentar”, equivocando-se ao dizer que o Bloco de Esquerda não conseguira eleger deputado em Braga com mais votos do que permitiram ao CDS-PP eleger em Viana do Castelo – atenta, Catarina Martins, esclareceu que isso sucedeu em 2005, pois nas últimas legislativas o Bloco ficou à beira de eleger o segundo deputado em Braga -, e apontando o bipartidarismo ou os “deputados bala do Brasil” como consequências dos círculos uninominais. No mesmo sentido, a líder bloquista apontou os exemplos do Reino Unido e do Brasil, com “sistemas que deterioram a democracia”, e preferiu colocar ênfase no regime de exclusividade dos deputados.

A discussão acabaria por ser atalhada por Assunção Cristas, que agradeceu ironicamente a preocupação de Costa e de Rio com o número de deputados que o CDS vai eleger, concluindo que “nenhuma destas questões resolve os problemas dos portugueses” e realçando que “há muito mais vida para lá do Estado”.

Quanto aos temas da justiça e corrupção, uma pergunta sobre o facto de o Bloco de Esquerda ser o único partido a querer criminalizar o enriquecimento ilícito, ainda que Catarina Martins tenha de imediato afirmado que se tratava do enriquecimento injustificado de titulares de cargos públicos, António Costa desvalorizou de imediato a iniciativa de criar um novo enquadramento jurídico. “Nada impede e tudo obriga o Ministério Público a perguntar” como os políticos têm determinado património com os rendimentos que declaram, acrescentando que “se houver desconformidade entre o que se declara ao Tribunal Constitucional e o que temos já estamos a cometer um crime”.

Rui Rio voltou a dizer que não se pode combater a corrupção se “o julgamento e a investigação não forem feitos no sítio certo”, retomando a temática da condenação dos julgamentos mediáticos e da violação do segredo de justiça, chegando a admitir que a publicação por jornalistas de elementos sob segredo de justiça é mais grave do que a fuga em si própria. Algo que numa fase final do debate levou Catarina Martins a afirmar que “perseguir jornalistas para resolver problemas do Ministério Público é atacar a democracia”.

António Costa referiu que “é mau princípio” que muitas vezes não seja o mesmo magistrado a fazer a instrução e o julgamento dos processos, o que considerou diminuir a eficácia da justiça. Mais tarde seria confrontado por Assunção Cristas, com a líder centrista a confessar-se “surpreendida por o António Costa candidato defender o que o António Costa primeiro-ministro não fez”, indicando que só há poucos meses, após quatro anos, o Governo começou a dar meios de investigação à Polícia Judiciária, permitindo a contratação de inspetores. Ficou o rastilho que explodiria mais tarde, quando o primeiro-ministro, num momento crispado que é recorrente quando se encontra na proximidade da presidente do CDS-PP, lhe perguntou se o estava a acusar de alguma coisa ao acusá-lo de primar pela inação no combate à corrupção durante a legislatura. “É professora, mas nessa matéria não me dá lições!”, afirmou Costa.

Antes disso, André Silva ouviu críticas devido à proposta do PAN para promover denúncias de envolvidos em casos de corrupção, numa espécie de delação premiada recusada por Jerónimo de Sousa devido aos pontos de contacto que o líder comunista lhe encontra com práticas do Estado Novo. Assunção Cristas salientou as diferenças em relação ao estatuto do arrependido que é proposto pelo CDS-PP e insurgiu-se contra a ideia de tribunais especializados em certos tipos de criminalidade, considerando-a “própria de regimes totalitários”. E Catarina Martins rotulou de “entre o grave e o inútil” o impacto das propostas dos restantes líderes partidários.

Para o final de um debate a que faltaram temas como a saúde, os impostos e o crescimento económico, ficou uma série de perguntas rápidas a que os líderes deram respostas não especialmente surpreendentes. António Costa disse que não só está disposto a fazer jantares oficiais sem carne como referiu que “a regra é serem de peixe, pois temos o melhor peixe do mundo”, Rui Rio recusou a canábis com fins recreativos, ao contrário do porta-voz do PSD para a Saúde, Jerónimo de Sousa afastou-se das touradas sem animais defendidas pelo PAN, justificando que “a cultura popular deve prevalecer, goste-se ou não”, Assunção Cristas recusou a passagem do voto para os 16 anos, Catarina Martins reconheceu que no seu tempo de estudante já a carne de vaca não fazia parte do “menu social” da Universidade de Coimbra e André Silva disse que a revisão do Acordo Ortográfico faz sentido.

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