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Diplomatas portugueses salvaram entre 60 mil a 80 mil vidas durante a segunda guerra mundial

Entre 60 mil a 80 mil refugiados do regime nazi, maioritariamente judeus, terão sido salvos pela intervenção de diplomatas portugueses durante o período da II Guerra Mundial, estimou a historiadora Irene Flunser Pimentel em entrevista à agência Lusa.
20 Janeiro 2020, 07h41

Além de Aristides Sousa Mendes, o cônsul de Portugal em Bordéus, que em julho de 1940 desobedeceu às ordens do chefe do Governo, Oliveira Salazar, concedendo milhares de vistos, outros diplomatas tiveram intervenção direta no salvamento de judeus e outros refugiados em diferentes momentos, entre os anos 30 do século XX e o final da guerra, em 1945.

“Há vários diplomatas que escrevem ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, cujo ministro é o próprio Salazar, dizendo que não podiam dizer a palavra ´não´”, contou a historiadora, com vários livros editados sobre este período, entre os quais “Salazar, Portugal e o Holocausto”, (em coautoria com Cláudia Ninhos).

Um dos casos esquecidos, frisou, é o de José Augusto Magalhães, ministro plenipotenciário (chefe de missão diplomática) em Marselha: “Ele explica porque não pode obedecer a uma circular e pede a demissão”.

A circular em causa impedia os cônsules de concederem vistos a cidadãos que estavam impedidos de regressarem livremente aos países de origem, o que visava os judeus.

“Houve vários tipos de atitudes”, explicou, recordando outro caso. Agenore Magno, italiano, cônsul honorário em Milão, que a partir de 1938 concedeu vários vistos a judeus, já contra as leis da época, até ser afastado do cargo e impedido de passar mais vistos: “Mas fica a gerir o consulado em Milão”.

Muitos outros diplomatas tentaram justificar a sua ação e no caso de Agenore Magno era apoiado pelo embaixador em Roma. O superior hierárquico defendeu que o cônsul pode ter concedido vistos contra as ordens e as circulares da PVDE (polícia política do Estado Novo antecessora da PIDE) e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas fê-lo por razões humanitárias.

“Houve outros, sobretudo cônsules honorários, porque normalmente eram da nacionalidade dos países onde atuavam”, contou a especialista em história contemporânea.

Irene Pimentel recordou também o cônsul honorário em Hamburgo, judeu alemão, tal como outros que ocupavam postos em consulados um pouco por toda a Alemanha, e o papel desempenhado por Veiga Simões, ministro plenipotenciário em Berlim até 1940.

“Não é que ele desobedeça, ele dá muitos vistos e, sobretudo, tenta que o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Salazar seja mais aberto na concessão de vistos”, referiu.

O diplomata tentou convencer o chefe do Governo de que havia personalidades que seriam muito importantes para Portugal e pediu vistos nem que fosse apenas para um determinado grupo. “Havia uma seleção dos judeus a quem se davam os vistos, aliás, o que faziam todos os outros países europeus, mesmo democráticos, e os EUA”, assumiu a historiadora, Prémio Pessoa 2007.

“Não entravam nesses países o desgraçado do alfaiate da aldeia polaca dos confins da Polónia, não! Eram médicos, juristas, artistas”, acrescentou.

Os diplomatas atuaram num contexto desencadeado a partir de 1933, quando começam a chegar aos vários países europeus refugiados que fogem da perseguição política e de “raça”, como o caso dos judeus, que assim eram considerados pelo regime nazi, uma “raça à parte” que estava na Alemanha.

Começaram por ser retirados das profissões, da administração pública e depois das várias profissões liberais, das escolas, das universidades, até que, em 1938 – ano chave na perseguição anti-semita – a política passa a ser não só de perseguição a nível interno, mas também de expulsão.

Um visto para Portugal, ainda que de duração limitada (30 dias), assegurava que estavam salvos e podiam seguir viagem para África ou para as Américas.

Ao saírem, tinham um passaporte especial, dizendo que não podiam regressar ao país de origem, deixando a propriedade judaica nas mãos dos nazis, frisou historiadora.

A política portuguesa passa também a ser de restringir a entrada no país a essas pessoas que não podiam regressar ao seu país. “Portanto, permaneceriam em Portugal e competiriam até com os portugueses em certas profissões”, observou, destacando a questão dos médicos, muito em discussão na altura.

Ainda assim, muitos refugiados entram em Portugal devido à posição dos vários cônsules, sublinhou Irene Pimentel.

Em 2018, Portugal e Israel organizaram uma homenagem conjunta a três diplomatas que se distinguiram no salvamento de judeus, reconhecendo Aristides Sousa Mendes, cônsul-geral em Bordéus, e Carlos Sampaio Garrido, embaixador na Hungria, como “Justos entre as Nações”, e prestando também tributo a Carlos Teixeira Branquinho, encarregado de negócios em Budapeste.

Se Aristides Sousa Mendes sofreu as consequências de um processo disciplinar, no caso dos dois diplomatas na Hungria já não houve desobediência.

Alegaram que os países neutros estavam a conceder documentos que não eram uma prova de nacionalidade, mas que permitiam que as pessoas pudessem salvar-se.

“Aí Salazar acede por uma razão muito simples, também já sabe para onde é que vai o destino da guerra e tem muitas pressões já dos EUA e de Inglaterra, ainda por cima numa altura em que já tinha cedido a base [Santa Maria] aos aliados ocidentais”, explicou Irene Pimentel.

Esta semana realiza-se em Jerusalém o 5.º Fórum Mundial do Holocausto que tem como lema “Lembrando o Holocausto, combatendo o antissemitismo” para assinalar o 75.º aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz.

Estão previstos discursos dos presidentes de Israel, da Rússia, da França e da Alemanha, e do príncipe Carlos, em representação do Reino Unido, entre outros.

O Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, vai participar no Fórum Mundial do Holocausto a convite do seu homólogo israelita, Reuven Rivlin, com quem terá uma reunião bilateral, na terça-feira.

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