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Do Marquês ao e-toupeira: Sete processos que marcaram o mandato de Joana Marques Vidal

Da política, passando pelas empresas, até ao desporto, nenhum sector escapou às investigações criminais do MP. Estes foram os processos mais mediáticos que marcaram o mandato da procuradora-geral.
  • Cristina Bernardo
22 Setembro 2018, 11h00

Os dois últimos anos do mandato da actual Procuradora Geral da República foram muito movimentados ao nível dos chamados mega-processos. O ano de 2017 ficou marcado por desenvolvimentos em inquéritos como o das rendas excessivas que levou à constituição de arguidos de gestores de empresas e do ex-ministro e da Operação Marquês com a acusação do MP. Já este ano saltou para a ribalta a Operação Lex com a justiça a investigar a própria justiça. Nas redes da Justiça foi apanhado um juiz desembargador num inquérito que acaba por ser apenas mais um que marca o mandato de Joana Marques Vidal que chega ao fim a 12 de Outubro. Da política, passando pelas empresas, até ao desporto, nenhum sector escapou às investigações criminais do MP. Estes foram os processos mais mediáticos que marcaram o mandato da procuradora-geral.

 

Operação Marquês leva ex-primeiro-ministro ao banco dos réus

A Operação Marquês tem como principal arguido o ex-primeiro-ministro, José Sócrates, que está acusado de 31 crimes. O inquérito da Operação Marquês  foi lançado em novembro de 2014 e ficou marcado com a detenção do antigo chefe de Governo no aeroporto de Lisboa que abalou o mundo da política. Sócrates acabou por cumprir 288 dias de prisão preventiva e 42 de domiciliária.

Foi o primeiro antigo chefe do Governo a ser detido preventivamente em Portugal, indiciado por corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Quatro anos depois, este inquérito  culminou na acusação a 28 arguidos – 19 pessoas (entre as quais o ex-ministro Armando Vara e o banqueiro Ricardo Salgado) e nove empresas – e está relacionado com a prática de quase duas centenas de crimes de natureza económico-financeira.

O ex-militante socialista começou a ser investigado em 2012, depois de uma comunicação suspeita feita por um banco. Em causa esteva um movimento de 600 mil euros na Caixa Geral de Depósitos resultante de um pagamento de Carlos Santos Silva à mãe de José Sócrates pela compra do seu apartamento na Rua Castilho, em Lisboa. Parte do montante depositado na conta de Maria Adelaide Monteiro acabaria, depois, por ser  transferido para Sócrates.

Dois anos depois, em maio de 2014, a revista Sábado e o jornal Correio da Manhã davam conta de novos elementos: Sócrates estaria a ser investigado por causa do apartamento onde vivia em Paris, que foi comprado por Santos Silva.

 

Mega processo do BES à espera de acusação

Com o colapso do BES, em agosto de 2014, não tardou o Ministério Público abrir uma investigação ao “Universo Espírito Santo. ”O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que investiga os crimes económico-financeiros de elevada complexidade,  tem em curso 29 inquéritos relacionados com este inquérito. Estes processos resultam de participações do Banco de Portugal, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), mas também de comunicações bancárias em cumprimento das leis de prevenção e repressão do branqueamento de capitais. Há ainda inquéritos que resultam de queixas de lesados.

Após a resolução do BES, foram abertas várias investigações autónomas: às comissões pagas à família Espírito Santo no negócio dos submarinos; aos investimentos da PT na Rioforte e às transações financeiras através da sociedade suíça Eurofin, entre outras.

Nos inquéritos dirigidos pelo Ministério Público relacionados com o Universo Espírito Santo já foram constituídos 17 arguidos, entre os quais 14 “pessoas singulares e três colectivas. Em causa estão suspeitas da prática de crimes de burla qualificada, falsificação de documento, falsidade informática, fraude fiscal, infidelidade, abuso de confiança, branqueamento e corrupção no setor privado.

A ligação de Ricardo Salgado ao caso de José Sócrates é um dos quatro grandes processos em que o ex-líder do BES está a ser investigado pelo Ministério Público – o Monte Branco (evasão fiscal) e CMEC (as compensações pagas pelo Estado à EDP) são os outros dois processos em que Salgado é arguido.

 

Operação Lex apanha juiz Rui Rangel

A operação Lex, que tem 13 arguidos, foi desencadeada no final de janeiro deste ano e está relacionada com branqueamento de capitais, fraude fiscal, tráfico de influências e corrupção/recebimento indevido de vantagens.

Entre os arguidos estão os juízes desembargadores Rui Rangel, suspeito de fazer favores a políticos, banqueiros, dirigentes do futebol e a ex-mulher Fátima Galante, também juíza e suspeita de escrever vários acórdãos para Rangel. Nesta lista constam ainda a ex- companheira de Rangel Rita Figueira, o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, o vice-presidente do clube Fernando Tavares, o ex-presidente da Federação Portuguesa de Futebol João Rodrigues e três advogados.

Rui Rangel é o principal arguido neste caso, suspeitando o Ministério Público que o juiz do Tribunal da Relação de Lisboa viciou acórdãos em benefício de terceiros, em troca de dinheiro ou outras contrapartidas.

A operação Lex, que teve origem numa certidão extraída da Operação Rota do Atlântico, investiga suspeitas de crimes de tráfico de influência, de corrupção, recebimento indevido de vantagem, branqueamento e fraude fiscal.

 

Operação Fizz: um processo “irritante” nas relações com Angola

A Operação Fizz teve origem numa denúncia anónima contra o procurador Orlando Figueira apresentada junto do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que resultou na abertura de um inquérito devido a suspeitas de alegada prática de crimes de corrupção, branqueamento e falsificação de documento.

O Ministério Público acredita que o antigo vice-presidente angolano, Manuel Vicente (que à data dos factos era presidente da Sonangol) terá alegamente, através do advogado Paulo Blanco e do ‘testa-de-ferro’ Armindo Pires, corrompido o antigo procurador Orlando Figueira com o pagamento de 700 mil euros para que este arquivasse uma investigação à compra de um apartamento de luxo no Estoril.

Este processo, que teve início com uma denúncia que chegou por carta a 7 de julho de 2014. tem quatro arguidos: Orlando Figueira, Manuel Vicente e ainda o engenheiro Armindo Pires e o advogado Paulo Blanco.

O julgamento iniciou-se em janeiro deste ano e terminou em junho, aguardando-se a leitura da sentença para 8 de outubro, não tendo contado no banco dos réus com um dos arguidos, o antigo vice-presidente de Angola.

Manuel Vicente foi acusado de corrupção ativa, mas o seu processo foi separado da Operação Fizz no início do julgamento numa altura de grande tensão nas relações diplomáticas entre Angola e Portugal e vários apelos públicos ao desanuviamento das mesmas. Luanda não aceitava que Manuel Vicente fosse julgado em Portugal. Em maio deste ano, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que Manuel Vicente goza de imunidade e decidiu enviar o processo para seu julgado em Angola, desaparecendo o “irritante” (expressão  usada pelo primeiro-ministro, António Costa) nas relações luso-angolanas.

O Ministério Público já admitiu que os arguidos não irão para a cadeia, ao pedir penas suspensas. Sem falar em absolvição, a procuradora do caso disse que ficou provado crime de corrupção.

 

Caso Tancos por esclarecer

O desaparecimento de material militar de Tancos, instalação entretanto desactivada, foi tornado público a 28 de Junho de 2017. Entre o material furtado estavam granadas, incluindo antitanque, explosivos de plástico e grande quantidade de munições. O caso abalou o Exército e o Governo, tendo o material desaparecido foi encontrado quatro meses depois. Mas em julho deste ano voltou a saber-se que havia ainda armamento por recuperar, levando a recados à Justiça por parte do primeiro-ministro e do chefe de Estado para a necessidade do “esclarecimento cabal” do caso.

Logo após o  desaparecimento de armamento militar dos paióis de Tancos, o Ministério Público abriu um inquérito, estando em causa suspeitas da prática dos crimes de associação criminosa, tráfico de armas internacional e terrorismo internacional. A investigação conta com a coadjuvação da Unidade Nacional Contra Terrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária e colaboração da Polícia Judiciária Militar.

A PJ e PJ Militar são acusadas de alegados atropelos na investigação o que  levou já o Presidente da República a avisar, em nota publicada no site da Presidência, que “tem a certeza de que nenhuma questão envolvendo a conduta de entidades policiais encarregadas da investigação criminal, sob a direção do Ministério Público, poderá prejudicar o conhecimento, pelos portugueses, dos resultados dessa investigação” e “que o mesmo é dizer o apuramento dos factos e a eventual decorrente responsabilização”.

A 18 de outubro de 2017, a Polícia Judiciária Militar recuperou, num campo aberto na zona da Chamusca, quase todo o material militar que tinha desaparecido da base de Tancos no final de Junho, à excepção das munições de 9 milímetros. Entre o material encontrado, num local a 21 quilómetros da base de Tancos, havia uma caixa com cem explosivos pequenos, de 200 gramas, que não constava da relação inicial do que tinha sido roubado, o que foi atribuído pelo Exército a falhas no inventário. Mas em julho deste ano veio a saber-se que o material não foi encontrado, afinal, na sua totalidade ao contrário do que assegurou o Exército. A notícia levou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a fazer um comunicado sobre esta matéria, na página oficial da Presidência, reafirmando a exigência de um “esclarecimento cabal” sobre o caso de modo “ainda mais incisivo e preocupado”.

 

Rendas excessivas, offshores, ex-governante e ex-banqueiro

A investigação às rendas excessivas no setor da electricidade foi aberta em 2012, após uma denúncia anónima ao Departamento Central de Investigação e Ação penal (DCIAP) que deu origem ao “caso EDP” e à constituição de António Mexia, presidente da eléctrica,  e Manuel Pinho, ex-ministro da economia do Governo de Sócrates, entre outros gestores, como arguidos, acusados de crimes de corrupção e participação económica em negócio.

Este processo que tem nove arguidos investiga também a criação de um curso sobre energias renováveis na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, alegadamente pago pela EDP e lecionado pelo ex-ministro Pinho. O MP pretende apurar se o patrocínio da EDP a Columbia para financiar um curso de energias renováveis  configura uma contrapartida pelos alegados benefícios que a EDP terá conseguido com a passagem dos contratos de aquisição de energia (CAE) a CMEC (Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual) e com o alargamento das concessões das suas barragens em 2007.

As autoridades estimam que a elétrica tenha sido beneficiada em mais de mil milhões de euros e que só em CMEC esse benefício tenha ascendido a 475 milhões de euros.

Após as buscas no verão do ano passado, que levaram à constituição de vários arguido, a investigação assumiu já este ano novos contornos com a descoberta de novos factos. Em causa estão elementos recolhidos recentemente pelos procuradores do inquérito às rendas excessivas, no processo que investiga o Universo Espírito Santo, que passam por transferências para offshores que pertencem a Pinho, num montante da ordem dos 3,5 milhões de euros. Deste valor, que tem origem no ‘saco azul’ do BES, o ex-governante recebeu um total de cerca 1,8 milhões de euros através de duas offshores para onde eram transferidos mensalmente de cerca de 15 mil euros entre julho de 2002 e junho de 2012.O ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, foi também constituído arguido neste processo.

 

Toupeiras, emails e cashball

 Os processos que envolvem o Sport Lisboa e Benfica só este ano já levaram, por mais de três vezes, a buscas no Estádio da Luz. As últimas foram realizadas, em março, no âmbito do novo inquérito, a “Operação e-toupeira”, que se junta aos processos do chama “caso dos emails” e ao dos “vouchers” que, entretanto, deram origem a uma única investigação.

Em outubro de 2017, a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL) confirmou a investigação a um suspeito pelos crimes de corrupção passiva e ativa, por parte da 9ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, no referido caso dos emails do Benfica.

Esta investigação levou, em 19 de outubro último, a buscas nas instalações do Benfica, na sequência de denúncias do diretor de comunicação do FC Porto, Francisco J. Marques, que acusou os ‘encarnados’ de influenciarem o setor da arbitragem e apresentou alegadas mensagens de correio eletrónico de responsáveis ‘encarnados’, nomeadamente de Paulo Gonçalves e Luís Filipe Vieira.

Já o caso das ’toupeiras’ do Benfica investiga a utilização abusiva de credenciais informáticas na plataforma Citius de uma magistrada do MP, que se encontra colocada na coadjuvação da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, e, desta forma, recolher informação relacionada com processos, designadamente envolvendo o Benfica

O inquérito conta com oito arguidos, e  veio a público no passado mês de março, tendo ficado marcado pela detenção de Paulo Gonçalves e do funcionário do Ministério da Justiça. Após o primeiro interrogatório, o técnico informático do Instituto de Gestão Financeira de Equipamentos e da Justiça (IGFEJ) ficou em prisão preventiva, estando indiciado de 16 crimes. Foram ainda constituídos arguidos dos oficiais de Justiça, dos tribunais de Guimarães e de Fafe e um agente de futebol, Óscar Cruz.

À lista de arguidos, juntou-se no final de agosto, a SAD das ‘águias’, enquanto pessoa colectiva, no processo. O Benfica diz que a “decisão é ilegal e inconstitucional”. No início de setembro foi conhecida a acusação: a SAD do Benfica está acusada de 30 crimes (um crime de corrupção ativa, de um crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem e de 29 crimes de falsidade informática) no processo ‘e-toupeira’ e o seu assessor jurídico Paulo Gonçalves de 79 crimes.

As investigações criminais estendem-se a outros clubes como Sporting. No âmbito da operação “Cash Ball”, que levou  em maio a buscas na SAD do Sporting, a PJ está a seguir o rasto do dinheiro que alegadamente terá servido para o Sporting comprar os árbitros de andebol com o objetivo de ajudarem o clube a ganhar o campeonato na época 2016/17. Na mira dos investigadores estão os movimentos e extractos bancários da SAD para perceber se os levantamentos em dinheiro foram efectuados, ou não, à margem da contabilidade oficial do clube, apurou o Jornal Económico. Buscas da PJ levaram às detenções para interrogatório do do diretor do futebol do Sporting, André Geraldes, que não tinha acesso às contas da SAD do Sporting, segundo os regulamentos.

 

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