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Do “pedido tardio” à saída ‘limpa’, o resgate visto pelos ministros

Numa espécie de autobiografia, o Mecanismo Europeu de Estabilidade recordou o drama da crise do euro. Portugal teve direito a dois capítulos.
29 Junho 2019, 13h00

O espelho retrovisor por vezes distorce, mas normalmente é útil. O mesmo acontece com livros históricos, especialmente os que se focam em eventos relativamente recentes.

Em ‘A Salvaguarda do Euro em Tempos de Crise’, publicado ontem pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), a avaliação da reação à crise da zona euro é geralmente positiva.

Jean-Claude Juncker, que era presidente do Eurogrupo no início da crise e hoje lidera a Comissão Europeia, não tem dúvidas. “Graças aos esforços dos europeus e à ação resoluta ao nível nacional e comunitário, a situação mudou: a economia europeia passou de recuperação a expansão e o desemprego está em mínimos de sempre”.

A avaliação de um final feliz pode ser prematura – até Juncker diz que ainda há riscos no horizonte. No entanto, o livro de 424 páginas fornece um olhar interessante sobre o drama e a resposta à crise, especialmente porque tem depoimentos inéditos de dezenas de ministros e líderes europeus sobre a criação dos mecanismos de assistência e as histórias dos resgates soberanos – Grécia, Irlanda, Portugal e Chipre – e à banca espanhola.

Portugal tem direito a dois capítulos, um sobre o pedido de resgate e outro sobre a saída ‘limpa’. As vozes são de três ex-ministros das Finanças:o que pediu a assistência financeira (Fernando Teixeira dos Santos), o que implementou a maior parte do programa (Vítor Gaspar) e a que geriu a saída (Maria Luís Albuquerque).

O capítulo 13, intitulado ‘A crise espalha-se a Portugal: um segundo pedido de ajuda’, transmite a intensidade do drama no final de 2010. A economia estava em desaceleração e, com o défice público a atingir recordes (11,2% do PIB esse ano), o Governo socialista tinha escasso espaço de manobra. Mais grave ainda, o contágio da crise grega era difícil de evitar e a partir de abril as yields das obrigações portuguesas começaram a disparar, tendo superado o patamar dos 10% em meados de 2011.

Contágio levou ao inevitável
O resgate foi pedido a 7 de abril de 2011, apenas após a rejeição do PECIV no Parlamento ter forçado a demissão do Governo, mas o timing foi, e continua a ser, motivo de análise. Teixeira dos Santos admite no livro do MEE que em novembro de 2010 “já se tornara evidente que a crise não ficaria confinada à Grécia, estava a espalhar-se e eu estava cada vez mais convencido que Portugal teria de seguir a Irlanda no pedido de apoio”.

Maria Luís Albuquerque realça que nos casos de contágio são sempre os mais frágeis ou mais vulneráveis, como era o exemplo de Portugal, que causam maior preocupação. A ex-ministra das Finanças sublinha que, após a demissão, os esforços do Governo de gestão de José Sócrates para evitar um resgate apenas atrasaram o inevitável. “Portanto [o pedido] foi tardio, devia ter sido feito mais cedo”.

O antecessor de Maria Luís Albuquerque na pasta das Finanças, Vítor Gaspar, explica que qualquer país que considera um resgate enfrenta um “efeito de estigma”, pois “não há nenhum benefício imediato à credibilidade em ter de um programa de assistência”.

Incerteza sobre a saída
No final de 2013 e no início do ano seguinte, Portugal deu os primeiros passos para reentrar nos mercados, com uma venda sindicada de dívida seguida de um leilão. Apesar do sucesso das operações, persistia a dúvida nos mercados se o país conseguiria manter-se líquido sem uma linha de apoio, o chamado programa cautelar, refere o capítulo 32 – ‘Saída limpa:Portugal termina o programa”.

Parte da incerteza tinha como base dois fatores que surgiram em 2013. Primeiro, a crise governamental criada pela demissão ‘irrevogável’ de Paulo Portas em julho e que levou à demissão de Vítor Gaspar. Segundo, o descontentamento dos portugueses com a austeridade imposta pelo programa estava a crescer e o Governo começou a atrasar a implementação de algumas reformas, especialmente na arena fiscal, o que contribuiu para deteriorar as relações com a ‘troika’ e acabou por pesar na decisão sobre o tipo de saída do resgate.

Apesar das incertezas, Portugal decidiu sair de forma ‘limpa’, pois a Irlanda tinha criado um precedente ao rejeitar um programa cautelar no retorno aos mercados. Rolf Strauch, economista-chefe do MEE, reflete que, tendo em conta esse histórico, “os portugueses tinham de ir para uma saída limpa, tínhamos de ver como correria”.

Maria Luís Albuquerque acredita que foi uma decisão certeira, até porque um programa cautelar poderia ter demonstrado falta de confiança e “há muita psicologia envolvida”.

Até a ‘velha raposa’ Wolfgang Schauble, ex-ministro das Finanças alemão e que nunca facilitou a vida aos países resgatados, concorda. “Portugal não pediu essa linha e acho que tomou a decisão correta”.

 

Artigo publicado na edição nº 1993, de 14 de junho do Jornal Económico

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