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Draghi tem menos encanto na hora da despedida

A festa de despedida de Mario Draghi é esta quinta-feira. Não irão faltar elogios e emoção, mas o italiano acaba os oito anos à frente do Banco Central Europeu num momento difícil, com muitas vozes a criticarem o regresso do programa de compra de ativos.
24 Outubro 2019, 07h50

“A reunião do Banco Central Europeu, a última de Mario Draghi como presidente, deverá ser curta a breve em factos e decisões, mas bastante longa em emoção”, refere Carsten Brzeski, economista-chefe da ING Germany.

“Poderá não haver novo lançamento de confetti na conferência de imprensa”, explica, numa alusão humorística a um incidente em 2015 no qual uma manifestante atirou papel e confetti ao italiano, “mas podemos esperar alguns comentários retrospetivos”.

Após o BCE ter na última reunião anunciado um pacote de novos estímulos monetários para combater as incertezas criadas pela guerra comercial, os analistas não esperam novas medidas na reunião do Conselho de Governadores desta quinta-feira, até porque as que foram divulgadas em setembro ainda nem foram implementadas. O primeiro foco deverá, portanto, estar no legado que Draghi vai deixar após oito anos à frente do banco central da zona euro.

“Sabendo que o tempo de Draghi chegou ao fim, a maioria dos membros do Conselho de Governadores, observadores, jornalistas e agentes do mercado irão elogiá-lo por ter feito ‘tudo necessário’ durante oito anos difíceis, mais do que olhar para os mais recentes ventos desfavoráveis vindos tanto de dentro como de fora da instituição”, prevêem os analistas do Nordea Markets.

O legado de Draghi não é, no entanto, imune a críticas, sublinham. “Uma crescente e vocal minoria irá questionar os efeitos a longo prazo das medidas sem precedente que foram lançadas durante o mandato e especialmente a adequação das medidas anunciadas em Setembro”.

O corte de 10 pontos base na taxa de depósitos (para -0,50%), a alteração no forward guidance em relação às taxas de juro para remover uma data-prazo específica e o tiering para ajudar os bancos numa altura de taxas baixas foram medidas que não recolheram grande resistência.

O relançar das compra líquida de ativos, o Quantitative Easing (QE), que havia sido interrompido no final do ano passado, foi contudo tema de discórdia, com as minutas da reunião a demonstrarem mesmo uma grande divisão no Conselho. Apesar de ter sido aprovada por maioria, muitos membros acreditam que a decisão de comprar ativos no valor 20 mil milhões de euros por mês a partir de novembro e sem data final foi prematura.

Detalhes poderão ficar nas mãos de Lagarde

Segundo Franck Dixmier, global head of fixed income da Allianz Global Investor (GI), Draghi deverá aproveitar a reunião para não só apresentar o seu legado, mas também para “explicar e justificar a sua política num contexto de dissensão interna sem precedentes”.

Essa explicação deverá incluir três elementos que justificam uma política monetária agressiva: o contexto de incertezas políticas e geopolíticas permanece tão arriscado como sempre, a atividade económica continua a deteriorar-se na zona euro, e o impactos negativos dessa desaceleração sobre a inflação, cujas expetativas estão ainda próximas de mínimos históricos, apesar das medidas lançadas em setembro, frisa Dixmier.

Os analistas do Nordea esperam que, além dessa defesa, a reunião poderá trazer clarificação sobre alguns detalhes que ficaram por ser explicados na reunião de setembro.

Em relação ao novo QE, seria importante perceber que ativos especificamente o BCE irá comprar. Se o programa desviar de cenário base – 80% em obrigações soberanas e o resto dividido entre outros tipos de ativos como corporativos – isso poderá ter impacto nos mercados. Em segundo lugar, as atas da reunião de setembro que o limite de 33% por cada emitente no programa de compra poderá ser revista, mas numa altura quando for mais pertinente, portanto há pouca esperança sobre novidades nesse tema. Por fim, o BCE poderá explicar melhor se o tiering poderá vir a dificultar a opção de cortar de novo as taxas de juro se necessário, pois a medida deverá fazer subir as taxas de curto prazo em dois pontos base logo que for implementada após outubro.

Esses detalhes poderão, no entanto, surgir apenas no primeiro discurso da sucessora Christine Largade, marcado para 4 de novembro.

“Enquanto o BCE de Draghi tem muitas vezes dado o máximo para está ‘à frente da curva’ e olhar para a frente, a reunião desta semana irá provavelmente olhar para trás, não para a reunião de setembro, mas para o inteiro legado de Draghi”, vinca Carsten Breski, do ING Germany.

“O único fator de perturbação é a ‘guerra das rosas’ [que divide o Conselho]. A reunião de quinta-feira será, portanto não só uma festa, mas deverá ter também momentos e terapia”, conclui.

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