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É “mais importante proteger o trabalhador” do que o trabalho, diz diretor do Emprego da OCDE

Diretor do Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais da OCDE explicou que são os postos de trabalho que requerem menores qualificações que estão mais expostos à automação de tarefas e por acréscimo ao risco de desaparecimento.
  • Cristina Bernardo
8 Novembro 2018, 07h40

Se no passado os empregos eram, tendencialmente, para a vida, atualmente a realidade é bem diferente. Hoje, os trabalhadores não apenas mudam várias vezes de emprego, como a possibilidade de mudança de carreira já não é um tabu. Esta foi a ideia defendida pelo director do Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais da OCDE, Stefano Scarpetta, em entrevista ao Jornal Económico, à margem da Web Summit que decorre até esta quinta-feira, dia 8, em Lisboa.

Stefano Scarpetta explicou que o futuro exige uma actualização permanente das competências. “Antes, aprendíamos na escola, entrávamos no mercado de trabalho e aplicávamos o que tínhamos aprendido na escola. Atualmente, isto já não funciona. As funções de um trabalhador estão constantemente a ser atualizadas. É pedido ao trabalhador que abrace novas tarefas recorrentemente, que desenvolva novas competências”, disse.

“Estamos a mudar para o que chamamos de aprendizagem ao longo da vida”, defendeu. No entanto, salientou que a realidade não é assim tão linear: “isto acaba por não ocorrer na maioria dos países quando falamos de postos de trabalho que requer menor qualificação”.

O responsável da OCDE explicou que trabalhadores altamente qualificados têm maior e mais fácil acesso a formação pelo empregador do que trabalhadores associados a profissões com menor qualificação.

“O rácio é de um para três. Se é alguém altamente qualificado, há 60% de probabilidade, às vezes 80%, de estar envolvido em algum tipo de formação. Para alguém com qualificações mais baixas, a probabilidade é de 15%, no máximo, 20%. Precisamos fechar este gap e permitir que todos tenhamos oportunidade de formação e desenvolvimento de novas competências de forma contínua, incluindo os trabalhadores menos qualificados”, disse.

Até porque, explicou, são precisamente os postos de trabalho que requerem menores qualificações que estão mais expostos à automação de tarefas e por acréscimo ao risco de desaparecimento.

“A nossa análise sugere que o risco de automação de actividades está altamente concentrada em postos de trabalho com qualificações mais baixas. Estes são o tipo de postos de trabalho que correm o maior risco de serem automatizados. A solução não pode ser apenas uma, mas seguramente passa por investir no capital humano dos trabalhadores, no desenvolvimento de competências e em programas de reaprendizagem. Isto implica uma mudança significativa do paradigma”, explica.

Salienta ainda que as estimativas permitem antecipar que, em média, na maioria dos países, a percentagem de empregos que correm o risco de automação nos próximos 15 anos se fixa nos 15%.

“Em alguns países vai além dos 20%, noutros menos. Parte desses postos de trabalho continuarão, o que irá mudar é a natureza das funções. Muitas das tarefas desenvolvidas hoje por esses trabalhadores são tarefas que serão desenvolvidas por máquinas”, acrescenta.

Questionado se esta transformação não se irá reflectir numa maior polarização na distribuição da riqueza, Stefano Scarpeta assinala que “a polarização nosso mercado laboral já existe”, associada precisamente à desigualdade. Para colmatar este cenário, a resposta deverá passar mais uma vez pela formação e requalificação dos trabalhadores, diz.

“Muito mais importante proteger o trabalhador enquanto ser humano”

A alteração no paradigma do trabalho também se deverá reflectir na legislação laboral, sublinha o director Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais da OCDE.

“Num mundo onde as pessoas têm vários trabalhos em simultâneo, mudam muito mais de um trabalho para o outro, tem que se dar ao trabalhador a oportunidade de se proteger a si próprio. O foco no trabalhador e não no contrato”, explica.

Para Stefano Scarpetta é “muito mais importante proteger o trabalhador enquanto ser humano”, até porque “os trabalhos podem ir e vir”, pelo que “isto significa desenvolver programas de formação, mas também que a protecção social dê uma protecção mínima a todos, quase independentemente do tipo de contrato existente”, acrescenta.

“Se devemos dar um rendimento a toda a gente independentemente de trabalharem ou não? Em teoria sim, em prática é muito mais difícil, porque como é que se financia isso?”, disse. Neste sentido, defendeu que “antes disso devemos ter a certeza que todas as empresas pagam o montante justo de impostos”, exemplificando com a o Base Erosion and Profit Shifting (BEPS), cujo objectivo é desenvolver políticas e estratégias para combater a fuga de capitais para offshores, diminuindo a evasão fiscal a nível global.

Esta iniciativa do G20 procura que as empresas “realmente paguem impostos onde o valor é gerado e não onde pensam que é melhor tributado. Isto pode gerar milhões e milhões, que podem ser utilizados no que alguns países chamam de “transição justa”. Isto pode ser utilizado precisamente para apoiar estes trabalhadores nestas formações”, acrescenta.

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