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“É muito importante iniciarmos uma reforma no funcionamento da máquina do Estado”, defende Artur Santos Silva

O presidente honorário do conselho de administração do Banco BPI defende que Portugal tem de aproveitar a ‘bazuca’ dos fundos europeus para fazer reformas na organização e gestão do setor público, quer no estado central quer no local. Artur Santos Silva defende a importância de uma reforma no funcionamento da máquina central do Estado que, diz, deve ser “mais eficiente”. Uma estratégia que exemplifica como umas políticas que não estão refletidas na proposta do OE2021 à semelhança dos estímulos ao investimento privado.
  • Octávio Passos
27 Outubro 2020, 14h14

Numa altura em que se aguarda a ‘bazuca’ de fundos europeus, num pacote de resposta à crise de 1,82 biliões de euros, em que Portugal receberá um envelope de 58 mil milhões, de euros, Artur Santos Silva defende que o país deverá aproveitar esta oportunidade para levar a cabo uma reforma no funcionamento da máquina central do Estado e que deverá ser feita com “gradualismo e determinação”.

“É muito importante iniciarmos uma reforma no funcionamento da máquina central do Estado. Para não ter um impacto dramático no imediato, isto tem de ser feito com gradualismo, mas também com determinação”, defendeu Artur Santos Silva, presidente honorário do conselho de administração do Banco BPI e curador da Fundação “La Caixa”, na Conferência sobre o “OE2021: Propostas Fiscais” que a sociedade de advogados RFF & Associados realizou nesta terça-feira, 27 de outubro, na Fundação Calouste Gulbenkian.

Artur Santos Silva destacou que a Europa vai ter apoios financeiros da União Europeia que se aproximam de 20% do PIB, o que, diz, se compararmos com o que foi feito a seguir à segunda grande guerra, “é um esforço que é mais de três a quatro vezes superior ao plano Marshall”.

Neste contexto, este responsável defende que “Portugal tem de aproveitar para fazer reformas na organização e gestão do setor público, quer no estado central quer no local. É preciso que sigamos o caminho de países como a Suécia, a Finlândia, o Canadá e a Austrália, no início dos anos 90. Tem de se melhorar a eficiência do Estado. Uma grande reforma na estrutura da máquina judicial, em aspectos como registos e funcionamento dos notários, pois ainda há zonas muito deficitárias de eficiência”.

Na conferência onde foram apresentadas as novidades da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2021, destaca algumas das políticas que não estão refletidas no OE2021, criticando nomeadamente os estímulos ao investimento privado: “deveria e poderia ter sido mais estimulado”. Exemplifica aqui com o Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento que, diz, “só é mantido no primeiro semestre de 2021”. E com o período reporte de prejuízos que, defende igualmente, que “deveria ser aumentado, porque é a melhor maneira de favorecermos estratégias de longo prazo que muitas vezes têm um impacto negativo no imediato, mas que se houver a possibilidade de reportar esses prejuízos num período mais dilatado, estamos em condições de atrair mais investimentos que não tenham retorno imediato, porém, vão contribuir para aumentar a sua competitividade a médio e longo prazo”.

Em relação à ciência, considera, por sua vez, que “temos provavelmente o orçamento mais ambicioso de que tivemos alguma vez na nossa vida mais recente. Mas o que é verdade é que estamos com um esforço de investigação, desenvolvimento e inovação (IDI) que representará 1,4% do PIB quando temos o objetivo de 3% em 2030”. Para Santos Silva aumentar o investimento privado 50% do total da despesa para 70%, significa que o” setor privado teria de criar 2000 empregos altamente qualificados por ano e teria de investir mais de 10% por ano sobre o valor que investiu em 2019, que foi de 1.600 milhões”.

“Uma ambição desta dimensão, nomeadamente o esforço que temos de fazer em relação ao IDI para aumentarmos a nossa competitividade e continuar o trajeto que temos tido na inovação, obriga a continuar este caminho de sucesso. Para haver um papel mais relevante do setor privado, das empresas e instituições privadas, é importante que haja medidas fiscais ainda mais favoráveis”, conclui.

Relançar mercado de capitais carece de estímulos fiscais

Outro aspecto que para Artur Santos Silva, o país tem de fazer” um grande esforço”  e “poderíamos ter iniciado agora”, passa pelo relançamento do mercado de capitais do mercado. “Até porque estamos apoiados em estudos muito interessantes da OCDE com apoio do FMI, e passa pela necessidade de relançar o mercado de capitais do nosso país, nomeadamente o mercado de ações e obrigações. E para ser feito precisa muito de estímulos fiscais”.

Este responsável recorda que “temos hoje um universo de menos 50 empresas cotadas. Isto é apenas um terço do que tínhamos em 1997 e algumas das mais importantes empresas cotadas desapareceram da bolsa neste século o que é muito negativo para ver condições de investimento mais saudáveis para as empresas portuguesas”.

Para Artur Santos Silva “será necessário um conjunto de políticas que estimulem o desenvolvimento do mercado de ações e que o mercado de obrigações, que para empresas privadas praticamente desapareceu, também retome a sua importância”. E realça que cerca de metade da poupança das famílias está alocada a depósitos bancários quando, diz, em França esta percentagem é da ordem dos 30%, em Itália 37% e em Espanha 40%. “Temos de criar instrumentos para fazer com que a poupança das famílias vá para investimentos financeiros que gerem melhores remunerações, o que não é caso, neste momento, dos depósitos bancários”, defende.

Artur Santos Silva defende também que é necessário que “não se perca tempo no esforço de valorizar o interior e reduzir as assimetrias entre o litoral e o interior”, destacando a importância da criação de “políticas fiscais muito mais agressivas para atrair recursos humanos qualificados e investimento de empresas ao interior”.

Previsão de recuperação mais lenta

Artur Santos Silva defendeu também que o relatório que acompanha a proposta do OE2021 pareceu-lhe “especialmente rico em informação prospetiva”. “Não apenas no horizonte 2021, mas em muitos caos em situações que revelam um horizonte temporal de médio e longo prazo, nomeadamente em matéria de finanças públicas”, conclui, considerando “interessante as análises de sensibilidade sobre o não cumprimento de determinados pressupostos”.

Explica aqui que como está suspenso o Programa de Estabilidade da UE “muito provavelmente até 2022, decidiu-se apresentar as projeções até 2022”, considerando que a recuperação da economia portuguesa “não vai ser em V, um V da nike, em que a recuperação em 2021 será incompleta e só em 2022 estaremos com níveis de recuperação de crescimento próximos de 2019”.

Retoma do caminho da estabilidade financeira “é muito importante”

Artur Santos Silva destaca ainda na proposta do OE2021 a tónica na estabilidade fiscal. “É muito importante dar tranquilidade na formação de expectativas aos agentes económicos, quer às famílias quer às empresas”, defende, acrescentando que, devido aos efeitos da pandemia, o exercício orçamental de 2021 “procura ser neutral” e “altera muito o caminho que tínhamos tido de disciplina orçamental”.

Neste último aspeto, Artur Santos Silva destaca as projeções para o défice estrutural de 3%, um défice primário (sem juros) de 4,5%, bem como um rácio de dívida pública para perto de 135%: “este rácio já se tinha reduzido de 133%, em 2014, para 117% em 2019. Este ano atingirá perto de 135% para reduzir-se, em 2021, próximo dos valores registados em 2016”.

Este responsável alerta que “a política do BCE não pode deixar de apoiar-se nos ratings financeiros do nosso país” e que “é muito importante esta disciplina financeira, porque só assim é possível suportar a factura com juros”.

Em relação às políticas de apoio aos rendimentos e preservação do emprego, Artur Santos Silva considera que “estão a ser seguidos os conselhos de Mário Dragui, já depois de este ter saído do BCE, contribuiu para salvar o euro”, recordando que também o FMI recomendou que se mantivessem estas políticas e que “se não fosse assim o PIB da União Europeia teria caído mais 3% a 4% do que vai cair”.

E sinaliza como “fundamental” a manutenção das políticas de preservação de rendimentos em emprego para, diz, “quando esta onda passar se poder fazer a seleção de empresas viáveis das que não são viáveis”.

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