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“É necessário um choque e tornar o Ensino Superior uma prioridade”

Em entrevista ao Jornal Económico, o presidente do CRUP aponta os maiores problemas das universidades, como o rejuvenescimento da academia, ação social e alojamento para os estudantes, e avança com algumas soluções. Diz que o OE2019 deve ser mais ambicioso.
4 Novembro 2018, 13h00

O Reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, António Fontainhas Fernandes é o presidente em exercício do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. A entidade coordenadora do ensino universitário integra como membros efetivos o conjunto das universidades públicas, o ISCTE – IUL e a Universidade Católica Portuguesa, num total de 15 instituições.

A proposta de Orçamento do Estado entregue, dia 15, na Assembleia da República, faz o descongelamento das propinas, baixando significativamente o seu valor. Também traz uma majoração de 10% ao valor suportado pelas famílias com as despesas de educação para quem estude no interior. Como vê estas duas medidas?

Vejo com bons olhos todas as medidas que permitam atrair mais estudantes para o Ensino Superior e, consequentemente, aumentar o número de diplomados em Portugal. Contudo, o Governo, atento ao bom funcionamento das Universidades, terá, obrigatoriamente, de as compensar pela quebra de receita relativa à diminuição do valor das propinas. Mas atrair mais estudantes para o Ensino Superior exige também aumentar a capacidade de alojamento para estudantes e reforçar a ação social. E fixar mais estudantes no interior exige ainda medidas complementares, designadamente ao nível dos apoios de natureza social.

Em agosto, as universidades queixaram-se que a verba não chegava para cumprir a totalidade dos seus encargos com salários.

Apesar dos enormes avanços que as universidades fizeram em termos de receitas próprias, não é sustentável manter o atual quadro de subfinanciamento público, o qual compromete, entre outras, a valorização e renovação dos recursos humanos. O CRUP vê com grande preocupação o facto de ainda não estar acomodado o montante para fazer face à regularização dos vínculos precários.

Disseram isso ao ministro Manuel Heitor?

Sim. Temos vindo a alertar o Governo para estes problemas e a necessidade de manter o cumprimento do acordo celebrado com o governo em 2016, o qual considera que o mesmo deve assegurar o impacto financeiro que decorre de qualquer alteração legislativa. Nos últimos tempos, temos alertado para a necessidade de apostar em políticas sociais para os estudantes, principalmente ao nível do alojamento e da ação social.

Qual foi a posição do ministro?

O ministro tem mantido sempre uma postura de abertura. Estamos num processo de diálogo permanente, como sempre, para encontrar as melhores decisões para o país.

Em que fase está o processo?

No caso da regularização dos vínculos precários, o processo está a ser analisado por uma comissão bipartida, cujas reuniões ainda estão em curso. Neste momento, existem instituições que já concluíram a análise de todos os processos, enquanto noutros casos o processo está muito atrasado, casos das Universidades de Lisboa e do Porto.

É possível fazer uma estimativa das necessidades do conjunto das instituições?

Prefiro falar de números reais no final do processo. Agora é tempo de alertar o Governo para a necessidade de analisar esta situação, vendo caso a caso qual a dotação necessária para cumprir as decisões aprovadas.

A dotação do OE 2019 é superior à verba de 2018?

A proposta de Orçamento prevê um aumento da dotação do lado da Ciência, devendo-se principalmente à aposta do Governo no emprego científico. Desejavelmente, a dotação deveria ser maior, para se iniciar uma trajetória de correção do conhecido subfinanciamento crónico relativamente à média europeia. Como referi, as Universidades têm aumentado a atração de receitas próprias, mas não é suficiente para alocar verbas para a modernização das instituições, quer em termos de requalificação do património, quer de atualização e reequipamento do seu parque científico, além da já mencionada necessidade de valorizar e rejuvenescer os seus recursos humanos.

Ficará tudo na mesma, então?

Apesar do esforço do lado da Ciência para resolver a questão do emprego científico, do ponto de vista do Ensino Superior o aumento da dotação esgota-se nas valorizações salariais.

Universidades só podem aumentar despesa com salários em 3% no máximo. É outra das propostas.

Até ao momento, ainda não conhecemos a redação da proposta do orçamento. Contudo, no caso das Universidades não devem estar incluídos neste valor as contratações decorrentes das conhecidas alterações legislativas, caso do emprego científico e da regularização de vínculos precários.

Qual é para si o maior problema das universidades?

É absolutamente fundamental apostar na definição de uma agenda do Ensino Superior para a próxima década. Esta agenda deve incluir temas centrais da atualidade, designadamente o reforço de políticas públicas de apoio aos estudantes, a atração de talento e a coesão social e territorial, bem como a renovação e valorização da academia e a modernização das instituições.

São as questões estratégicas?

São questões determinantes, se ambicionarmos uma Universidade mais competitiva e mais moderna. Coloco duas questões: como é que as universidades, cujas salas de aula estão praticamente nas mesmas condições do meu tempo de estudante, se vão adaptar à luz dos novos desafios de ensino e aprendizagem? E como é que vamos preparar as universidades para uma nova geração de jovens mais exigentes e com mais competências digitais? Na realidade, as universidades não dispõem de meios para a desejada modernização e de forma a responder aos novos desafios societais.

O que poderá ser feito, no seu entender?

Como disse, é vital lançar uma nova agenda para o Ensino Superior. Tornar o Ensino Superior uma prioridade.

É uma questão que depende da vontade política. São opções, escolhas do Governo.

Sim, mas não só. É fundamental envolver a sociedade e debater formatos de financiamento, incluindo a utilização dos fundos estruturais para o próximo Quadro Comunitário. Na realidade, a transformação digital, nomeadamente a internet das coisas, a inteligência artificial e a robotização, conjuntamente com outras aceleradas mudanças tecnológicas, apelam a um novo perfil de graduado universitário, bem como a uma permanente procura de novas competências. Este cenário exige pensar claramente numa agenda para a próxima década.

O tema já está na agenda?

O CRUP está a trabalhar em propostas concretas para afirmar a centralidade do conhecimento e da formação superior no desenvolvimento do país, as quais serão apresentadas ao Governo e colocadas à discussão do país.

Que outras questões o preocupam?

É fundamental implementar mecanismos compensatórios para as universidades situadas em territórios com maior dificuldade de atração de estudantes e com custos de formação superiores.

Mais preocupações?

Preocupa-me imenso a questão da quebra demográfica e a escassez de alojamento para os estudantes. Trata-se de um assunto vital que os alunos têm vindo a colocar, devido à insuficiente oferta e a uma certa especulação. O aumento de preços não atinge apenas os grandes centros urbanos do Porto e Lisboa, pois já se faz sentir em cidades do interior como Évora e Vila Real. Lembro que nos últimos quadros comunitários não foi prevista dotação para aumentar a oferta de residências. É prioritário lançar um programa que dê resposta a este problema.

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