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Apetro: “É um erro focarmo-nos demasiado no carro elétrico”

Portugal não deve apostar em excesso numa única tecnologia, como o carro elétrico, para combater as emissões poluentes, diz António Comprido, defendendo que existem mais setores onde atuar.
27 Setembro 2019, 12h30

Em entrevista ao Jornal Económico, o secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro) aborda os desafios que a indústria enfrenta.

Considera que existe da parte do Governo alguma espécie de moda ou febre com o carro elétrico, a julgar pelas medidas, e também pelas declarações do ministro do Ambiente?
Cometemos um erro ao focarmo-nos demasiado no carro elétrico porque se pensarmos no problema das emissões, em Portugal temos um foco de emissões muito superior ao dos carros ligeiros de passageiros que são os fogos florestais, com o CO2 [dióxido de carbono] lançado para a atmosfera. O efeito é extremamente perverso e tem um período de recuperação bastante longo.

Existem outros problemas a resolver para travar as emissões poluentes?
Existe o problema da completa falta de eficiência energética do nosso parque habitacional, mesmo habitações relativamente novas são más em termos de isolamento térmico. E outros, como porque é que as pessoas usam transportes, mas o automóvel continua a ser tão usado? Temos um fraco planeamento do território, temos milhares de pessoas a deslocarem-se diariamente dos centros urbanos para fora, e ao mesmo tempo, de fora para dentro. Outro aspeto extremamente importante, é a questão do modo de transporte. Portugal já teve uma das melhores redes ferroviárias no princípio do seculo passado, infelizmente hoje já não é assim, mas temos que apostar nas áreas urbanas e suburbanas no transporte coletivo em detrimento do transporte individual. Estes são aspetos que merecem muito mais a atenção dos governos. Focando demasiado e criando um bocadinho a ilusão na opinião publica, de que a simples substituição dos veículos a gasolina ou a gasóleo por veículos elétricos vai resolver os problemas das emissões, da qualidade do ar e do congestionamento de trafego das cidade, é uma visão demasiado redutora que pode distrair as pessoas da atenção que têm que dar a outros setores.

A eletricidade é uma solução para o transporte de passageiros e de mercadorias de média e longa distância?
Não é previsível, com base no conhecimento científico atual, que o transporte aéreo, o transporte marítimo transatlântico de longa distância e mesmo o transporte rodoviário de mercadorias, sejam facilmente eletrificáveis. Os camiões que fazem as rotas europeias, e mesmo as rotas nacionais de longo curso, também dificilmente conseguirão.

Estamos a acabar a legislatura, como avalia o Governo?
Não vou dar uma nota por uma razão muito simples: é política da Apetro não se fazer avaliações sobre os políticos, a classe política, os governos. Tivemos uma relação cordial, de respeito mútuo, como tem sido hábito com praticamente todos os governos. Na generalidade dos casos fomos ouvidos, talvez não tantas vezes como gostaríamos em certos assuntos.

Houve alguma coisa que ficou por fazer no setor?
Há sempre coisas por fazer. O que nos preocupa mais, e não é específico apenas deste Governo mas é transversal a vários governos, é a imprevisibilidade e instabilidade legislativa e fiscal. Essas duas questões não têm sido, por razões várias, características do nosso sistema de governação, desde há muitos anos, e esta ditadura do Orçamento do Estado é prejudicial, porque efetivamente remete para um horizonte temporal de um ano coisas que deveriam ser definidas para mais de uma legislatura. Só assim se consegue efetivamente criar as condições para o desenvolvimento das empresas, para o investimento, para que a economia se possa desenvolver.

Para o próximo Governo, seja ele qual for, a Apetro faz algum apelo?
Por um lado, como referi, é preciso criar condições de previsibilidade a nível regulatório, legislativo ou fiscal no sentido de que as empresas saibam com o que é que podem contar por períodos mais ou menos alargados. Por outro lado, achamos que um Governo deve adotar uma postura de neutralidade tecnológica relativamente às questões que temos pela frente, e muito particularmente este grande desafio que é o combate às alterações climáticas através da descarbonização da economia. Estamos perfeitamente de acordo que o governo deve ser ambicioso nas suas metas, que o Governo deve criar condições para que Portugal cumpra os objetivos a que se propôs no acordo de Paris.

Mas assiste-se hoje, quer a nível da União Europeia, quer a nível de Portugal, a uma excessiva interferência do Governo, ditando de alguma maneira as tecnologias que deverão ser ganhadoras em detrimento de outras. Achamos que isso não é bom porque a própria Agencia Internacional de Energia ou a ONU, todos dizem que para se atingirem as metas de descarbonização é preciso usar todos os meios que temos ao nosso dispor, é preciso usar todas as tecnologias possíveis, não há uma bala de prata numa tecnologia ganhadora que nos vá resolver os problemas todos.

Em relação à crise dos motoristas de combustíveis, como avalia a intermediação do Governo?
Não me vou pronunciar sobre a questão do direito à greve versus os restantes direitos. Ambos têm de ser respeitados não sou especialista em matérias de direito. O direito à greve tem de ser respeitado, mas também não pode sobrepor-se a todos os outros direitos. Mete-me um pouco impressão, apenas como cidadão, que qualquer grupo profissional, qualquer que seja, tenha capacidade para paralisar o país e causar danos irreparáveis a todo o resto da população. Nesse aspeto, acho que o Governo fez bem em interferir no sentido de tentar acautelar esta segunda parte. Acho que, de facto, o Governo tentou por todas as vias que as partes se entendessem, o que é facto é que conseguiu parar a outra greve e conseguiu evitar que esta nova greve se realizasse. Eu diria que a atuação foi positiva no sentido de evitar que todos nós sofrêssemos consequências mais gravosas com o efeito da greve.

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