[weglot_switcher]

Eleições no Sporting. Dias Ferreira: “Não devemos atirar para a praça pública as dívidas do clube”

Dias Ferreira critica a divulgação de informação financeira do clube e diz que a comissão de gestão devia ter tido mais tempo para avaliar a situação.
8 Setembro 2018, 17h00

José Dias Ferreira é, de novo, candidato a presidente do Sporting Clube de Portugal, depois de uma primeira candidatura, em 2011. Diz que o faz por obrigação de ser útil ao seu clube de sempre. Em entrevista ao Jornal Económico – em que participou também Ricardo Oliveira, que assumirá a gestão financeira na equipa de Dias Ferreira – o candidato diz que tem algo a acrescentar ao que as outras candidaturas oferecem. “Desta vez, olhei para trás, e até em função das candidaturas que estavam a surgir, considero que tenho uma mais-valia que é a experiência”, diz.

O que o leva a candidatar-se à presidência do Sporting?

Entendi que o clube tem de sair de uma situação que nos prejudicou bastante e achei que neste momento devia tentar mais uma vez servi-lo e que era minha obrigação ser útil ao Sporting.

Quando é que considerou que Bruno de Carvalho estava a ser prejudicial ao clube?

Ao contrário do que as pessoas pensam, nunca votei em Bruno de Carvalho. Apoiei-o nestas eleições porque, feito o balanço do trabalho realizado no primeiro mandato, era globalmente positivo, embora tivesse sido bastante crítico em relação à forma como ele tratava os problemas. Começou a ver-se que estava a desviar-se do caminho por duas razões: quando o foco mediático se fixava nos nossos adversários, com todos os problemas que tinham, Bruno de Carvalho – provavelmente por egocentrismo – procurou colocar-se no centro [das atenções]. Para isso, criou uma alteração de estatutos que, já de si, pelo texto e conteúdo, mostrava que queria ir mais além no poder que já lhe era atribuído. E, depois, não satisfeito com isso, colocou essas alterações como condição para continuar – se não tivesse 75% dos votos –, o que julgo ser uma situação inédita no clube.

Isso aconteceu quando o Sporting liderava o campeonato.

Quando se deu essa assembleia geral, o Sporting teve a primeira derrota, frente ao Estoril, e sentiu-se que aquilo dividia as pessoas, como foi o meu caso, e chamei-lhe a atenção sobre isso; ainda por cima, num momento em que estava a iniciar-se uma restruturação financeira importante para o Sporting. Não conseguia perceber bem quais eram as suas razões. Depois vieram as questões de Madrid, em que me pareceu que havia ali um problema que foi classificado de burnout [esgotamento]. O cúmulo foi o que se passou em Alcochete, que, no fundo, é produto de toda uma desorientação estratégica, de linha de pensamento. Aí, o que todos esperavam que pudesse resolver o assunto era uma demissão e, logo a seguir, eleições, onde até ele fosse candidato. Mas não, foi toda uma série de atropelos aos estatutos. A partir daí consegui arranjar uma equipa que, em sintonia comigo, detetou os problemas, tem consciência das soluções e avançámos com calma e serenidade.

Ficou surpreendido com o número de candidatos?

Não, houve até quem pensasse que podiam ser mais. Houve logo um candidato que se apresentou antes das eleições.

Quando anunciei a minha candidatura, perguntaram-me se não pedia o apoio da comissão de gestão e respondi que isso seria uma falta de respeito perante um órgão que já tinha manifestado que não se iria envolver nas eleições. Por isso, foi com alguma surpresa que vi dois elementos da comissão de gestão integrarem a lista de José Maria Ricciardi, visto que tinham assumido um compromisso de honra, perante o mesmo órgão.

A sua lista tem informação sobre a situação financeira do clube?

Posso ter, mas não a revelo, mas também não preciso [aquando do primeiro debate entre os sete candidatos, Dias Ferreira acusou José Maria Ricciardi de “pintar um cenário negro” sobre as contas do Sporting].

Não acho bem que se dispam essas situações quando se está a fazer uma restruturação financeira, nem tratar desses assuntos em campanhas eleitorais, de investidores, e invocar o passado das pessoas. Julgo que atirar para a praça pública todas as dívidas do clube não é da maior utilidade.

(Nesta altura da entrevista, intervém Ricardo Oliveira: “Temos de desmistificar aqui um mito. Todas as empresas têm passivo. Este passivo [do Sporting] foi criado ao longo dos anos e, quer se queira quer não, o anterior presidente até fez uma gestão de parte do passivo bem feita. Temos o exemplo da negociação com o Novo Banco e com o Millenium – no total, uma emissão de 120 milhões de euros de dívida, que a banca quis converter em algo que fosse mais fácil de executar. De que forma é que foram executadas? Com ações da SAD, porque é o futebol que lhes interessa. A anterior direção até fez muito bem, porque conseguiu negociar a compra dos VMOC [títulos de dívida obrigatoriamente convertíveis em ações] a 30 cêntimos por euro, ou seja, a dívida de 120 milhões transformou-se em 40 milhões, além de nos dar espaço temporal, porque só maturam em 2026. Mas tem uma consequência grave: em 2026, quando maturarem, ganham um título executório, ou seja, naquele momento, se a dívida não for paga, os bancos ficam donos das ações correspondentes da SAD, e o clube perde a maioria. Há um ponto em que todas as candidaturas convergem – com exceção de José Maria Ricciardi –, é que ninguém quer perder a maioria da SAD. Porque o Sporting é muito mais que um clube de futebol. Julgo que ainda este ano está previsto o pagamento de 17 milhões de euros dessas VMOC, ficando o restante por pagar em 2026, mas isso não me preocupa, porque é muito mais fácil negociar com a banca quando temos por trás um clube como o Sporting. Quando oiço José Maria Ricciardi, com devido o respeito pela experiência que tem na banca, falar neste cenário negro no Sporting, ou não está par de certas coisas no clube, ou quer assustar as pessoas, esquecendo-se mais uma vez que o clube não é só futebol, nem finanças”.)

Sente-se mais preparado do que em 2011?

Tanto em 2011, como em 2017, sentia-me preparado para ser candidato. Sempre defendi os mesmos princípios e valores sempre; tenho um passado no desporto.

As pessoas parece que ficam muito ofendidas por usar a expressão “paraquedista”; o que pretendo explicar é que um indivíduo dá um salto de pára-quedas e cai num determinado ponto. Quando foi comigo, dei esse “salto” porque o presidente João Rocha me disse que eu ia subir no “paraquedas” com ele e ia cair como vice-presidente do secretariado geral, e foi para isso que me preparei. Dei o “salto” para um terreno onde sabia que tinha um pára-quedas aberto, que era João Rocha. Portanto, quando falo em paraquedistas refiro-me a pessoas que não vimos em lado nenhum a gerir e que, de repente, se lembram “vou ser presidente do Sporting” e dão logo o salto para caírem nesse cargo. É só nesse sentido que uso a expressão. Quem me deu esta experiência foi acima de tudo a minha paixão pelo Sporting e preparei-me para isto. Desta vez, olhei para trás e até em função das candidaturas que estavam a surgir, acho que tenho uma mais-valia que é a experiência. Quando há pessoas que dizem que não se revêem na minha candidatura, acho que mais razão tenho para dizer que não me revejo na candidatura de alguém que como dirigente nunca fez nada pelo Sporting e é isso que nós estamos aqui a discutir. Mas afinal o que é ‘fazer’? É ter ganho um campeonato? Sou eu que marco os golos ou faço os treinadores melhores ou piores? As pessoas dizem que fiz parte do futebol em 1987 e que hoje é uma coisa completamente diferente. Realmente é, mas há princípios que não se mudam. Já se falava do balneário ser um lugar “sagrado” em 1987, como se fala em 2018. E o jogador evoluiu muito sob vários pontos de vista, mas aquele continua a ser o seu lugar. É ali que se aprende a conhecer o perfil do jogador; saber quem está para cumprir o contrato e quem está comprometido. O exemplo do Bas Dost: rescindiu contrato mas, por aquilo que já tinha mostrado antes, via-se que estava comprometido com o clube, quando há outros que se dizem sportinguistas, que têm contrato e são profissionais, mas falta-lhes essa caraterística. Outros jogadores não rescindiram o contrato nem o seu compromisso, apesar de todos os acontecimentos, e houve outros que rescindiram o seu contrato num determinado momento e que tenho de compreender, porque não passámos por aquilo e não temos o direito de os criticar, mas que se verificou que tinham compromisso e por isso voltaram atrás. Da mesma forma que, infelizmente, alguns rescindiram o contrato mas também o compromisso e, por isso, defendo que o Sporting deve ir até às últimas consequências para ser indemnizado.

Como analisa o trabalho da comissão de gestão?

O Sporting tem uma estrutura que tem estado numa missão difícil. As pessoas esquecem-se que a SAD tem o futebol, que é um tema sensível, e era inimaginável gerir uma situação como a que aconteceu. Uma vez que até se conseguiu alguma acalmia, e se está a fazer uma recuperação, pergunto se é sentido de responsabilidade de quem quer servir o Sporting, no dia seguinte às eleições, dizer: “meus senhores, agradeço muito em nome do clube, mas têm de se ir embora porque fui eleito”. Costumo classificar este tipo de pessoas como estando “com muita sede de ir ao pote”. Até entendo que esta comissão de gestão devia ter estado em funções mais tempo, porque atravessamos uma situação sui generis e esta comissão devia ter mais tempo para as pessoas se preparem, para que quem vá para presidente esteja completamente elucidado sobre a situação do clube. Não sendo assim, tenho de limitar os danos que essa situação pode provocar não criando instabilidade, designadamente na SAD. Não tenho ganância de ir para presidente. Estou ansioso para servir o Sporting e para que as coisas sejam o mais eficientes possível. Temos de tentar não estragar aquilo que está bem.

Preocupa-o haver tantos candidatos e é por isso que defende uma segunda volta?

O Sporting é que deve estar preocupado com isso, porque o sinal de vitalidade é uma frase feita, com a qual estou de acordo, mas era preciso que as pessoas mostrassem de facto isso. Lancei a ideia de um compromisso para uma segunda volta e aquilo que as pessoas souberam responder foi que os estatutos não admitem. Fui autor do projeto em 2011-2012 e foi chumbado, mas agora os próprios sócios do Sporting falam nisso. A conclusão que tiro é que, a partir do momento em que Bruno de Carvalho não se pode candidatar, as pessoas pensaram: “Temos aqui uma possibilidade de ganhar por 10%”. Livres de Bruno de Carvalho, o que pensam é: “Com 15% ou 18% posso ser presidente do Sporting, o que não consigo com 50%”. Não tenho medo disto. Até posso ir só com outro candidato e levar uma derrota de 90% a 10%, mas o meu princípio ficou afirmado, e era isto que os sócios do Sporting deviam definir. Há o argumento de presidentes que foram eleitos com 90% e depois perderam, mas a culpa é dos estatutos ou dos sportinguistas? Não, a culpa é deles, que não souberam gerir 90% da democracia e quiseram passar a 100% de ditadores, isso não existe. Admito perfeitamente que, com sete candidatos, uns sócios gostem mais de uns do que de outros, mas que haja uma segunda volta para escolher. Há uns anos, Mário Soares não teria sido Presidente da República se não houvesse segunda volta, mas houve e ele ganhou. Conseguiu isso pela sua capacidade. Alguém devia assumir um compromisso e dizer aos sócios que queremos uma segunda volta. Se são os sócios que mandam, que arranjem uma solução através de uma assembleia geral, que legalizem ou formalizem este compromisso de honra que nós assumimos. Os outros candidatos não assumiram isso, porque estão com muita pressa em lá chegar e não se querem sujeitar a uma segunda volta, para que o presidente tenha alguma força.

Perante os adeptos, como é que fica um presidente que vença com uma percentagem baixa?

Tenho a esperança de ganhar com maioria, porque a desejo. Se ganhar com minoria procurarei, porque tenho capacidade para isso, aglutinar os sócios. Já o fiz agora, ao constituir a minha equipa. Quis juntá-la com algum tempo para , quando fosse a jogo, saber com quem ia. Antes de começar a construir a minha equipa falei com as outras listas e já estava tudo fechado e comprometido com um projeto feito, parecia que sabiam que no dia 23 de junho haveria uma assembleia destitutiva. Se os sócios não nos quiserem, ficamos exatamente como estamos, com o maior amor ao Sporting e a desejar que os outros trabalhem bem. Não é possível compromisso com outros, quando o mais simples era este [segunda volta].

Falou dos jogadores que rescindiram e não voltaram. Sente alguma mágoa pelo facto daqueles que não voltaram serem da academia?

Sinto. Não compreendo, independentemente do pânico e de terem sido vítimas de uma coisa que não qualifico. Acho que há aqui alguma ponta de ingratidão pela maneira como saíram, e que não tenham feito um esforço para que o Sporting fosse indemnizado. Parece que as pessoas tinham um emprego no clube e agora outro clube oferece-lhes um novo emprego e isso magoa-me profundamente. Por exemplo, o Cristiano Ronaldo vive rodeado de milhões de euros e há duas coisas que ele não esquece e fala sempre: a sua família e a referência ao Sporting, porque foi o clube que o formou. É este espírito que nós queremos.

Nota de redação: Artigo originalmente publicado no dia 31 de agosto, na edição impressa nº1952 do JE.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.