Em França, um grupo de cem mulheres, de que faz parte a atriz Catherine Deneuve, reagiu com um manifesto onde, reconhecendo a necessidade de travar os abusadores, pede que não se vá longe de mais e que não se retire aos homens “o direito de importunar”. As cem subscritoras do manifesto dizem não se rever num feminismo que tem “ódio aos homens e à sexualidade” e que corre o risco de alimentar uma caça às bruxas própria de uma “sociedade totalitária”, dando força aos inimigos da liberdade sexual. Dentro e fora de França, este manifesto está a causar polémica e há quem acuse Deneuve de “traição”.

Esta clivagem entre as duas margens do Atlântico justifica-se pelas diferenças que existem entre europeus e norte-americanos, na forma como encaram a sexualidade. E uns e outros terão a sua quota de razão. Tentemos, pois, olhar para o assunto com o bom senso que normalmente falta às turbas que procuram linchar malfeitores.

Em primeiro lugar, importa definir o que é assédio sexual. O dicionário diz que será todo o avanço sexual não consensual. Num contexto laboral, será a coação de natureza sexual praticada por quem ocupa uma posição hierarquicamente superior. Nomeadamente, um patrão ou chefe que se faz valer do seu poder para tentar forçar alguém a ter relações sexuais.

Não há dúvidas de que quem faz isto é um abusador. É alguém que pratica um crime e deve ser punido por isso. Será este o caso de Harvey Weinstein, que assediava mulheres e depois retaliava contra aquelas que rejeitavam os seus avanços.

São situações que acontecem em todo o tipo de organizações e que fazem parte da condição humana. Da mesma forma que sempre haverá gestores desonestos, também haverá sempre alguém que abuse do poder. A diferença é que os gestores corruptos, quando expostos, são julgados e condenados – pelo menos socialmente -, ao passo que os que assediam funcionárias ficam geralmente impunes.

Em Portugal, a regra é o silêncio. Segundo o “Público”, em 2016 não houve uma única queixa de assédio sexual na Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE). Em 2017, até julho, houve duas. Leu bem: duas queixas num país com dez milhões de habitantes.

Quer isto dizer que não existe assédio sexual em Portugal? Claro que existe e todos já ouvimos relatos dessas situações. E há também dados estatísticos: um estudo da CITE, de 2015, concluiu que 12,6% dos inquiridos já foram alvo de assédio sexual ao longo da vida profissional. É um problema sério mas, no país do respeitinho, muitas mulheres (e homens) receiam dar a cara, porque temem as consequências que uma denúncia dessas possa ter para a sua vida pessoal e profissional. Até porque as pessoas comuns não gozam da proteção conferida pela posição social de uma Catherine Deneuve. Temos, pois, enquanto sociedade, de dedicar a este problema a atenção que merece. Não é um fait divers, nem uma questão de esquerda versus direita. É uma questão de princípios.

P.S.: Polémicas à parte, o manifesto francês levanta questões que devem ser ponderadas. Qual a fronteira entre a sedução falhada e o assédio? Um homem (ou mulher) que tente a sorte sem forçar ou coagir, comete um crime? Por indesejada que seja, essa pessoa é uma criminosa, mesmo que não passe das marcas? E quais são essas “marcas”? Encostar o joelho? Tentar roubar um beijo?