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Eduardo Catroga: “Empresas não podem ter medidas discricionárias só para sacar mais dinheiro”

Eduardo Catroga considera que as decisões do governo criaram desconfiança entre os acionistas da EDP e que isso põe o futuro da empresa em risco, podendo confiná-la apenas ao mercado nacional.
2 Dezembro 2018, 11h00

Eduardo Catroga, gestor, ex-ministro das Finanças, membro do Conselho Superior e de Supervisão da EDP – Energias de Portugal, publicou agora “Gestão, Política e Economia”, um livro de “quase memórias”. Em entrevista ao programa Decisores, transmitido esta sexta-feira, às 11h00, no site e nas redes sociais do Jornal Económico, garante que, com 76 anos (feitos há dois dias) não vai abandonar a intervenção pública. Como nesta ocasião, em que analisa a evolução da economia portuguesa e avalia o risco que corre a EDP, pela crispação existente entre o governo e os acionistas da empresa.

Foi a experiência política que o tornou conhecido, quando aceitou ser ministro das Finanças, na altura difícil da recessão de 1993. A partir daí, manteve uma intervenção pública relevante. Ficou-lhe o bichinho da política?

Eu sou um economista que fez carreira na área de gestão e que aos 51 anos – mas fui desafiado desde os 38 – aceitei uma missão cívica na área da política. E depois disso aceitei outras, sempre como cidadão independentemente. A minha carreira foi na área da gestão. É evidente que, depois ter exercido funções como ministro das Finanças fiquei mais sensibilizado para os problemas da economia portuguesa, europeia e global; para a política económica e financeira como instrumento que pode ser utilizado para a melhoria das condições de vida dos portugueses. Comecei, a partir daí, sem qualquer fidelização partidária, a ter intervenções cívicas, porque acho que as pessoas quando exercem funções de responsabilidade ou quando sentem que têm opiniões e quando essas opiniões são solicitadas, ou missões, têm a obrigação de contribuir com ideias para o desenvolvimento económico e social do país.

Tendo opinião sobre o rumo da economia, como avalia estes quatro anos?

Em 2011, o país deixou-se cair numa situação de pré-bancarrota, em que o nível da atividade económica caiu à volta de 8%, até 2013. Teve que ser desenvolvido um programa de ajustamento, para recuperação da saúde financeira como base para a saúde económica. O país começou a reagir em 2014; em 2015 cresceu 1,8%, em 2017 consolidou o crescimento em 2,7%. Devo dizer que houve um contexto externo muito favorável nos últimos anos que os outros países aproveitaram melhor que nós – Espanha sempre cresceu acima de 3%; a Hungria, a República Checa, a Irlanda e a Polónia cresceram sempre muito mais do que nós, e vai continuar assim. Estamos na cauda do crescimento.

O défice público, em 2010, estava na casa dos 11% do PIB [Produto Interno Bruto]. Sem factores extraordinários, estava à volta de 8,5%. Pedro Passos Coelho, em 2015, passou de 8,5% para 3% [do PIB]. Este governo tinha obrigação nacional de passar de 3% para zero e criar excedente orçamental. Isto é um processo de ajustamento que começou em 2011 e que tem sido desenvolvido nos sete últimos anos e vai continuar a ser desenvolvido, porque temos de criar condições para a redução do stock da dívida pública; precisamos de criar condições para a melhoria da produtividade e da competitividade da economia portuguesa.

Falou em missões cívicas. Uma delas foi participar na negociação com a troika para o programa ajustamento. Aprendemos com a crise?

Eu não negociei com a troika, quem negociou foi o governo em funções. Fui designado para tentar acompanhar as negociações, para receber informação sobre o processo negocial e essa informação nunca foi dada. Quem negociou foi o Partido Socialista. Na altura, escrevi cartas sobre o que é que seria uma boa negociação.

É preciso dizer a quem não quiser analisar ideologicamente esta matéria, mas sim objetivamente, que tal como em 1977, tal como 1983-84, em 2011, o país precisava de um processo de ajustamento – chame-lhe austeridade ou não –, no sentido da correção dos desequilíbrios das finanças públicas, contas externas, criação de condições para a melhoria da taxa de crescimento económico. A luta política pode fazer aceitar mais ou menos isso, mas era uma realidade qualquer que fosse o partido que estivesse no poder, como aconteceu na Grécia, na Inglaterra, Espanha ou noutros países. Houve um processo de correção de desequilíbrios criados, de excesso de despesismo, endividamento público e privado. Portanto, era uma condição de base necessária para criar condições para a retoma da economia; e essa retoma tem vindo a acontecer, mas a um ritmo muito lento. Noutros momentos, crescemos mais aceleradamente; poderíamos ter aproveitado a situação altamente favorável de taxas de juros baixas, do preço de petróleo muito baixo, com a economia europeia a crescer, para crescermos mais.

Estes últimos anos, o partido responsável no poder esteve condicionado pelo seu segmento esquerdista e pela esquerda radical. Como é que estes segmentos políticos são antiglobalização, antieconomia europeia, antieconomia de mercado e são favoráveis a medidas para melhorar a produtividade e competitividade da economia portuguesa, no sentido de criar condições de estímulo às empresas e ao investimento empresarial – que as empresas são a célula base da atividade económica –, para produzirem mais, com mais riqueza? Só se preocupam em aumentar a despesa pública, não se preocupam em criar condições para melhorar a competitividade empresarial. Apesar de tudo, o António Costa conseguiu gerir a “geringonça” e evitou males maiores. Sem essa influência negativa, a economia portuguesa devia ter crescido muito mais; podíamos ter crescido muito mais a curto prazo e tínhamos condições para crescer a médio e longo prazo, o chamado de crescimento potencial. Estamos com uma taxa potencial de crescimento muito fraca, entre zero e 2%, e precisamos de criar condições para que a taxa de crescimento potencial cresça para a casa de 3% ou 4% por ano. Só assim resolvemos os problemas de excesso de endividamento e só assim podemos responder às necessidades do financiamento do estado social, que é uma conquista civilizacional; mas um estado social pressupõe um estado de financiamento sustentável e uma economia saudável. É esse o grande desafio.

Para aumentar o potencial precisamos de investimento. O que é necessário para termos mais investimento?

Estamos com excesso de despesa pública, que determina um excesso de carga fiscal para as famílias e empresas. Precisamos de ter condições atrativas de competitividade, que dependem das infrastruturas físicas, sociais, tecnológicas. Precisamos de criar um clima de confiança; as instituições políticas têm que gerar confiança a quem investe, seja um investidor privado nacional ou um investidor privado estrangeiro. Pressupõe um sistema de justiça eficiente; ações frequentes para a melhoria da qualidade do capital humano; pressupõe estabilização macroeconómica; todo um conjunto de políticas na área institucional e na área económica, financeira e social que sejam coerentes com um país que quer privilegiar a iniciativa empresarial, o investimento nacional produtivo, seja ele nacional ou estrangeiro; pressupõe a estabilidade das regras de jogo; e um discurso amigo do investimento, do empreendedorismo, das empresas e não um discurso antiempresas e anti-investidor. Devem-se criar condições de carga fiscal e de esforço fiscal relativamente adequado. Repare que dizem que a nossa carga fiscal está na média europeia, mas como a média europeia são mais riscos que nós, significa que o esforço fiscal relativamente ao rendimento per capita é maior. Esta situação é insustentável; nestes últimos anos caminhámos para uma carga fiscal recorde na nossa história. Houve alguns alívios e uma aceleração da reposição de rendimentos à custa do aumento da carga fiscal, dos impostos indiretos, que as pessoas sentem menos, à custa do recurso a receitas extraordinárias, do aumento dos dividendos do Banco de Portugal; este Estado nunca foi tão capitalista como em relação ao Banco de Portugal.

Já devíamos estar com uma melhoria, como os países da zona euro, com uma situação de excedente orçamental precisamente por termos um excesso de stock de dívida pública. Quanto mais depressa passarmos para a zona de menos perigo – estamos com 125% do PIB de dívida pública, que, aliás, eu deixei em 58%, em 1995. Passou para 125%, após 30 pontos percentuais de PIB de receitas extraordinárias de privatizações; e estamos com uma dívida externa líquida de 110% do PIB, quando há 20 anos atrás era quase inexistente. Temos que ter excedentes orçamentais primários, excedentes das contas externas e para ter excedentes dessas contas temos que apostar no crescimento saudável das empresas. Temos que exportar mais e importar menos; exportar mais com valor acrescentado nacional. É preciso investimento produtivo, criar condições para esse investimento produtivo, seja ele nacional, seja ele estrangeiro. Precisamos de estabilidade das regras de jogo, das políticas fiscais. Isto são instrumentos fundamentais.

É membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, que tem como maior acionista a chinesa China Three Gorges (CTG), que lançou uma OPA para ter a maioria do capital da empresa. Apontou duas questões que têm sido criticadas no caso da EDP, a estabilidade das regras do jogo e a estabilidade fiscal.

Um dos setores sacrificados nos últimos três anos foi o da energia, ao porem em causa a estabilidade das regras de jogo. Isto violou a confiança dos segmentos acionistas da EDP, porque tornaram o passado incerto.

Quando falo na estabilidade das regras de jogo não é só neste setor, é também noutros da economia. A economia precisa de estabilidade do contexto regulatório, das políticas fiscais, [as empresas] não podem ser objeto de medidas discricionárias só para “sacar mais dinheiro’’. Essas medidas acabam, a prazo, por minar a confiança. Alguns acionistas, por exemplo os acionistas do fundo de investimento americano [Capital Group], já venderam.

A EDP é uma das mais internacionais empresas portuguesas, das mais dinâmicas e é um veículo de internacionalização, é um veículo da melhoria da eficiência e qualidade das pessoas. Se compararmos os índices de qualidade de serviço que existem hoje com os que existiam há 20 anos atrás, é como da noite para o dia. Miguel Sousa Tavares referiu, há poucos dias, que as empresas quando foram privatizadas começaram a prestar um serviço pior; é mentira. Isso não é tirar conclusões com base em dados. A EDP surgiu juridicamente em 1976 e só melhorou continuamente. Quando fui ministro das Finanças, a grande preocupação do ministro da Energia, Luís Mira Amaral, era consolidar a recuperação económica e financeira da EDP; quando Cavaco Silva iniciou as suas funções como primeiro-ministro [em 1985], a EDP estava quase falida, porque os 10 primeiros anos [1976-1986] de intervenção dos vários partidos políticos fez com que a EDP caminhasse para ser uma CP. Aliás, eu caracterizo isso no capítulo da EDP. Quando se introduziu o capital privado na EDP e princípios de racionalidade económica e financeira, melhorou a sua eficiência operacional e estratégica. São dados. Há muita gente que fala, mas nunca estudou a matéria.

Referiu a saída do Capital Group da estrutura acionista da EDP. É consequência da instabilidade?

Quais são os grandes desafios estratégicos da EDP para os próximos ano? Crescimento, rentabilidade e isto está ligado aos desafios da estrutura acionista. O que eu digo da EDP é que é uma das poucas empresas que restam com uma estratégia de internacionalização. Todas as outras, quer do setor bancário, telecomunicações ou do setor do cimento, são exemplos estratégicos negativos de empresas que acabaram por não ter uma boa estrutura acionista que apostasse na internacionalização e que hoje são ‘’empresazinhas’’, confinadas às operações domésticas. Este é um grande desafio estratégico da EDP.

Qual é a estrutura acionista que permite à EDP continuar a crescer? Como o mercado da eletricidade não cresce nem Portugal, nem em Espanha, nem mesmo na Europa, tem que crescer noutros mercados. Uma empresa que não cresce, a prazo, morre. Os desafios são de desenvolvimento, rentabilidade e da estrutura acionista. Cerca de 93% da EDP é de origem estrangeira. O capital nacional mais ou menos estável anda sempre à volta de 7%. O problema aqui é qual é a composição do capital estrangeiro da EDP que lhe permite continuar a pagar impostos em Portugal, ter um management essencialmente português e ser um veículo da internacionalização da economia portuguesa nos segmentos de futuro, nas renováveis, nas down stream activities, e noutros segmentos com futuro no setor elétrico, em mercados em crescimento? Esse é o grande desafio da EDP. As autoridades em Portugal têm que alinhar as estruturas acionistas que permitam o alcance desses objetivos e não criar condições para que digam: “Então, agora estão a tornar o passado incerto?”.

Espero que isso não venha acontecer. [Espero] que a EDP venha a ter uma estrutura acionista que continue a apostar na internacionalização e no crescimento e na rentabilidade da empresa.

A operação da EDP em Portugal já é minoritária em relação à dimensão internacional da empresa. Corremos o risco de os acionistas dizerem que em Portugal não vale a pena?

Esses desafios estão ligados à composição da estrutura acionista da empresa a curto e a médio prazo. Vejamos o caso da PT, da Cimpor, do setor bancário; mesmo no setor eléctrico, a nível ibérico, temos o caso da Endesa, que foi integrada num grupo europeu e ficou também praticamente confinada a atividades em Espanha e Portugal.

Esse risco existe sempre. Quando existem condições que não geram confiança, esse risco aumenta. Espero que esses riscos possam ser controlados, a bem da EDP, da economia portuguesa, e que tenhamos aqui um exemplo estratégico positivo, e não mais um exemplo estratégico negativo, como aconteceu nos cimentos, nas telecomunicações e no setor bancário. A operação no mercado será decidida no mercado e será decidida pelos reguladores; é uma operação complexa que envolve 14 países e muitos reguladores. Neste momento, existe uma operação preliminar que exige registo definitivo após o preenchimento de um conjunto de condições. Temos de ver se essas condições vão estar preenchidas, se aparecem outras operações de mercado, porque, no fundo, os poderes públicos dos reguladores podem influenciar. Os grandes juízes vão ser os acionistas, que vão decidir vender ou não.

Nestes sectores altamente sensíveis a regulados, os poderes públicos têm a obrigação de criar condições para que os acionistas se sintam confortáveis em investir em Portugal, a continuar o processo de internacionalização, a manter a unidade da empresa, a sua diversificação geográfica e tecnológica.

Nos últimos três anos houve tensão entre a EDP e o governo por causa da política energética e também pela política fiscal.

O que eu digo é que não depende das pessoas, depende de políticas. A EDP sempre adotou, em relação a qualquer governo, ministro e secretário de Estado, a mesma postura. Uma postura elegante, técnica, legal, baseada na lei que nos rege e nos regulamentos do sector. No fundo, nos últimos três anos é visível que o segmento bloquista do governo  ou que apoia o governo tem este setor como um alvo de ataques; é visível. Espero que regresse o bom senso, a boa aplicação da lei e que não se torne o passado ainda mais incerto. Ainda há pouco tempo, no parlamento dinamarquês, todos os partidos chegaram a um acordo sobre as regras para as políticas energéticas nos próximos 10 anos. Em Portugal, discute-se o passado e não o futuro. Discutamos o futuro, como fazer a transição energética, como melhorar a produtividade e a competitividade do setor, como instrumento da competitividade da economia portuguesa e da sua internacionalização. Esses é que são os desafios. Às vezes, andamos a discutir as minudências, para não usar outra expressão, ao invés de andarmos a discutir as grandes questões estruturais do país e dos grandes sectores.

Este livro é o começo do fim da sua intervenção pública ou vai continuar a trabalhar?

Como cidadão, decidi não me reformar há 15 anos atrás e hoje toda a gente que trabalha comigo diz que canso os jovens. Eu continuo com energia. Continuo a gostar de estudar, trabalhar. Levanto-me todos os dias às 6h00 da manhã com gosto de ir pegar aos vários projetos a que estou ligado. No fundo, e tal como digo no livro, a única coisa que não aceito são funções governativas. Para funções empresariais, missões ao serviço do país, em que possa ser útil, estou disponível. Ainda hoje estou ligado ao setor elétrico, bancário, fundos de investimento, setor agro-alimentar. Continuo a dar a minha colaboração e a trabalhar todos os dias. Só com o trabalho e estudo, tendo bem presente as necessidades objetivas das organizações onde estamos, nos projetos e no país é que o país vai para a frente. Eu tenho esperança.

Entrevista publicada na edição do dia 16 de novembro do Jornal Económico

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