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“Entre 2025 e 2030 as frotas estarão quase todas eletrificadas”, diz secretário de Estado

Não haverá datas limite para circulação de veículos a combustão, mas José Mendes refere que os níveis de emissões poluentes vão baixar bastante. A era do carro elétrico já é irreversível.
21 Junho 2019, 13h00

Portugal foi um dos países europeus pioneiros na introdução de postos de carregamento para veículos elétricos e agora prepara-se para aumentar e modernizar esta rede de postos. José Mendes, secretário de Estado da Mobilidade, diz que na próxima década a eletrificação dos veículos já será significativa.

Portugal vai ter alguma data limite que imponha o fim de circulação dos veículos com motor a combustão? É previsível que o Governo, ou as autoridades da União Europeia, possam fixar datas limite para circulação deste tipo de veículos nas cidades?
O objetivo com o qual estamos todos de acordo é atingirmos a mobilidade descarbonizada o quanto antes. Mas há uma questão que tem que ser abordada que é a da proibição.
Na União Europeia, a Noruega costuma ser dada como exemplo. Eles não proibiram a circulação desses veículos, o que fizeram foi impor medidas proativas que hão-de chegar em 2030 e vão conseguir concretizar esse objetivo. Acho que essa é a abordagem certa.

Mas isso pode acontecer em Portugal?
Em Portugal o tema de haver uma proibição a partir de um determinado ano não está em cima da mesa. Nós achamos que pelo crescimento das vendas de veículos eléctricos, pelo avanço da tecnologia que sabemos que corresponde a menos custos de manutenção, acreditamos que não faltará muito para atingir um momento de disrupção.

Pelo crescimento das vendas de carros elétricos acredita que chegaremos a um momento em que se vão vender mais elétricos que veículos a combustão?
Vai haver um momento de inflexão. Em vez de fazermos as contas sobre a venda de veículos elétricos, vamos começar contabilizar quantos veículos circulam com motores de combustão interna.

E em termos europeus? Existe alguma diretiva?
Em termos europeus não há nenhuma diretiva que imponha a proibição de veículos a combustão interna, ou a diesel. Isso não existe.

Mas há metas para os níveis de emissões poluentes?
Sim. O que existe é um regulamento – que foi alterado no ano passado – das emissões de CO2 dos comerciais ligeiros, que impõe que em 2030 se tenham reduzido 37,5% das emissões, face a 2021 nos veículos ligeiros. Este regulamento de emissões de CO2 é orientado para os fabricantes de automóveis. Ou seja, o valor médio das emissões de gases de efeito estufa da frota que vão colocar no mercado em 2030 tem de estar 37,5% abaixo daquele que será o valor emitido em 2021. Será um decréscimo muito substancial.

Acha que a indústria automóvel vai ser capaz de responder ao aumento da procura?
Não vale a pena estarmos aqui com objetivos muito ideais, muito utópicos para depois a indústria dizer que não é capaz de corresponder. De um modo geral, a indústria é sempre um pouco mais conservadora. Teme sempre mudanças muito rápidas e abruptas porque tem investimentos feitos. A resistência à mudança afecta-nos a todos.

Qual será o período em que vão ser notadas maiores mudanças na produção da indústria automóvel?
A indústria automóvel tem demonstrado – pelos planos de eletrificação de frotas que tem colocado na rua -, que não só está muito empenhada na redução das emissões médias, mas que também está muito empenhada em mudar tudo para veículos híbridos. Grandes fabricantes têm dito que entre 2025 e 2030 as suas frotas estarão praticamente todas eletrificadas.

É possível ter uma infraestrutura para abastecer 50% ou 60% da frota automóvel eletrificada? O sistema elétrico terá de ter capacidade para isso?
É inverosímil que o crescimento da mobilidade elétrica seja tão rápido que a rede elétrica não se consiga adaptar. Atualmente, nas nossas casas, não há nada que se utilize que não seja elétrico.
Ao nível da resiliência da rede, se forem ligados muitos veículos a pedir potência à rede, questiona-se se a rede se aguenta.

E aguenta-se?
A nossa rede elétrica em Portugal tem elevadíssima resiliência. Estão a ser feitos muitos investimentos, mesmo ao nível da distribuição. Portanto, é praticamente impossível haver um ‘shut down ‘em Portugal.

Como é que a rede elétrica acomodará um aumento de solicitações?
Através da gestão inteligente da rede. A gestão das ‘smart grids’. Isto é, podemos ter mais dispositivos a pedir energia à rede, mais automóveis a pedirem energia à rede, mas não quer dizer que a rede tenha de dar energia a todos, ao mesmo tempo. Felizmente a economia, e a nossa vida, funciona maioritariamente de dia, e os veículos também funcionam de dia, o que significa que de noite temos capacidade sobrante ociosa [para carregamentos]. Ou seja, em 99,9% das situações, a carga que se faz à noite serve para circular durante vários dias.

Quer dizer que o crescimento das vendas de carros elétricos nunca terá um grande disparo?
Convém não dar a ideia do mito de que a procura vai crescer muito e que será difícil de gerir. Na realidade, terá alguma escala mas é preciso distribuí-la no tempo.

Portanto, não serão necessários grandes investimentos na rede elétrica?
Evidentemente vai ter de ser feito algum investimento na infraestrutura para fazer face ao período de pico e sobretudo, tem de haver carregadores disponíveis.
Mas não estou particularmente preocupado. Em Portugal, se calhar, uma substancial eletrificação da mobilidade poderia corresponder a aumentos da procura da eletricidade abaixo de 20%.

E a guerra entre gasolina e gasóleo faz sentido? Caminhamos para a descontinuação do gasóleo?
A gasolina e o gasóleo prestaram grandes serviços à mobilidade durante muito tempo e, como tal, não se deve demonizar quem prestou tantos serviços. Mas haverá sempre um princípio, um meio e um fim. É como as calças à boca de sino: hoje já ninguém as quer usar. Na década de 70 fizeram furor, mas mesmo assim agora estão a voltar. Convém não demonizar as coisas.
A gasolina e gasóleo fazem mover as nossas vidas e a nossa economia. Temos de fazer o seu ‘phasing out’– de um e de outro combustível – porque geram externalidades nefastas. Por essa razão, estamos a criar alternativas.
A gasolina e o gasóleo têm, ao nível dos poluentes que emitem depois da combustão, comportamentos diferenciados ao nível dos gases de efeito estufa, por um lado, e ao nível da emissão de partículas, por outro.

Qual é a pior consequência da utilização do gasóleo?
O gasóleo gera partículas que são muito nefastas para a qualidade do ar nas cidades. Razão pela qual, a maior parte dos projectos de inibição do uso do gasóleo em algumas cidades europeias tem a ver com problemas de qualidade do ar, e não com emissão de gases efeito estufa. Quer um, quer outro combustível são usados por máquinas de combustão que geram benzenos, geram CO, óxidos de azoto, partículas, dióxido de carbono, e óxidos de enxofre. Por isso, a transição vai acontecer.
Se todos os fabricantes de automóveis têm projetos de eletrificação na sua frota de veículos, isto significa que está a decorrer um processo de ‘phasing out’ Mas temos que ter alguma tranquilidade.

E em termos de vendas,o que representa o consumidor português no mercado europeu dos automóveis elétricos?
Portugal é um dos pioneiros nas vendas de veículos elétricos e relativamente aos veículos eléctricos híbridos, somos os quartos. Percentualmente ao número total de veículos vendidos, estamos no topo das vendas de veículos eléctricos.

Relativamente à rede de carregamento, boa parte dos carregadores tem problemas, alguns são muito antigos, outros estão estragados e uns têm uma tecnologia que já foi ultrapassada. Esta rede exige uma manutenção complexa…
A partir de 2016 ficou muito claro o que tinha de ser feito por nós: tínhamos que procurar recuperar a rede antiga, que usa uma tecnologia antiga e que foi abandonada durante pelo menos quatro anos.
Para além dessa rede mais antiga, temos os postos de carregamento lentos, onde o carregamento ainda é gratuito. Temos 20% inoperacionais – eles são arranjados mas avariam-se de novo porque são de uma tecnologia antiga e que está abandonada.

Fará sentido estar a arranjar os postos antigos que estão avariados? Atualmente os veículos pedem velocidades de carga superiores. Como será feita a modernização da rede?
Queremos instalar novos carregadores. Estamos a falar de um projeto de 200 mais 100 novos carregadores rápidos. Os carregadores são todos semi-rápidos, a 22 KW, dos quais 200 são novos e 100 são da rede mais antiga mas que vão ser substituídos.

Essa rede mais antiga vai continuar a ser pública?
Há uma coisa que é clara no Governo: o tema da rede de carregamento pública é um tema de mercado. A razão pela qual o Estado colocou carregadores foi porque a procura ainda não era muito expressiva. Para que as pessoas ganhassem confiança procurámos ter uma rede pública, mantida pelo Estado. Mas não é vocação do Estado manter uma rede pública de carregamento, nem o Estado quer ser um operador de ponto de carregamento. Aquilo que procurámos fazer, entre 2016 e 2017, foi ir paulatinamente abrindo o mercado a operadores.

Qual é a estratégia seguida para a abertura do mercado?
No ano passado, liberalizámos o mercado de carregamento em carregadores rápidos. Isto significa que os operadores de carregamentos rápidos passaram a poder cobrar pela energia carregada e [instalam postos de carregamento] à sua vontade, cumprindo os requisitos de licenciamento. Abrimos essa dimensão do mercado.

Esse foi o último segmento a ser aberto?
Em abril também liberalizámos o carregamento nas áreas privativas de acesso público, que são os parques de estacionamentos e centros comerciais. Ou seja, os operadores dessas infra-estruturas podem colocar lá carregamento e cobrar por ele. Temos conhecimento que começam a aparecer projetos e instalação de carregadores. Com esta permissão, liberalizámos, praticamente, todo o mercado de carregamento.

Entrevista publicada no suplemento “Automóveis elétricos” do Jornal Económico de 21-06-2019

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