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Espanhola FCC exige dois milhões à Resíduos do Nordeste em tribunal

Multinacional alega incumprimento de contratos e acusa entidade pública de não ter protegido 40 trabalhadores que ficaram sem emprego ou sem direitos após fim de concessão. Ministério Público investiga denúncias de alegada corrupção.
6 Janeiro 2019, 19h00

Uma guerra abala o setor da recolha de resíduos na Terra Quente Transmontana, com acusações de falta de transparência nas contas, violação dos direitos dos trabalhadores e suspeitas de favorecimento em troca da contratação da mulher de um diretor geral, que estão a ser investigadas pelo Ministério Público (ver caixa). No centro deste furacão está a Resíduos do Nordeste (RN), entidade pública que gere o sistema de recolha de resíduos urbanos em Trás-os-Montes.

Durante vinte anos, a RN, que é detida pelos municípios da região, manteve com a multinacional espanhola FCC Environment um conjunto de contratos que entregavam a esta empresa a responsabilidade pela recolha de resíduos em cinco autarquias. Até que, a 10 de outubro de 2017, a RN comunicou à FCC que os contratos expirariam no dia 31 de dezembro. Na altura, a FCC pressupôs que a RN internalizaria o serviço de recolha de resíduos e que os cerca de 40 trabalhadores passariam para os seus quadros. No entanto, tal não aconteceu: no espaço de três dias, a RN lançou um  concurso internacional “urgentíssimo” e entregou o contrato a um concorrente da FCC, o grupo Paínhas. Já os trabalhadores perderam os seus direitos de antiguidade e cerca de 20 foram transferidos para empresas de trabalho temporário, onde hoje desempenham as mesmas funções que anteriormente, em troca de um salário inferior.

Entretanto, a FCC avançou com processos judiciais contra a RN no valor de 2,031 milhões de euros, soma que incluiu juros de mora, faturas não pagas e lucros cessantes, alegando o incumprimento de contratos de prestação de serviços com falta de pagamentos e pagamentos em atraso.

Mas este valor não está provisionado nas contas da RN, à margem das boas práticas contabilísticas, com empresas do sector a acusarem a entidade de falta de transparência. Uma situação que o presidente da RN refuta, ao afirmar ao Jornal Económico que a empresa “está sujeita ao escrutínio e às regras aplicáveis às entidades que integram o setor empresarial local, e, como tal, respeita a prestação de contas a que está obrigada e as fiscalizações, de natureza interna e externa, por entidades como a IGF e o Tribunal de Contas”.

Sindicato diz que RN não defendeu trabalhadores

Estas acções judiciais correm nos tribunais numa altura em que cerca de duas dezenas de trabalhadores mantêm uma situação de precariedade, após a RN ter adjudicado a outra empresa do grupo Painhas o serviços de recolha de resíduos, num processo alvo de críticas do Sindicato Nacional da Indústria e Energia (Sindel) pela não transmissão dos trabalhadores da recolha de resíduos e da ETAL de Urjais, uma vez que as entidades que passaram a efectuar o serviço (primeiro, a Ferrovial e depois a PA Residel em consórcio com a Ecoambiente) não aceitaram, há um ano, receber os cerca de 40 trabalhadores que trabalhavam anteriormente para a FCC.

Segundo o Sindel e a FCC, encontravam-se reunidos os pressupostos para a transmissão de trabalhadores, defendendo esta última que estavam reunidos os pressupostos ao nível do contrato de recolha e lavagem (as viaturas para prestar o serviço eram as mesmas, segundo o caderno de encargos do concurso público e ainda que a nova empresa tenha decidido apresentar-se a um de janeiro com viaturas próprias). E também ao nível do contrato da ETAL (instalação industrial que passou a ser operada pela RN com internalização do serviço).

“A RN recusou a existência de transmissão de estabelecimento”, avançou ao JE José Emílio Viana do Sindel, realçando que “a posição dos trabalhadores podia ter sido salvaguardada se a RN tivesse garantido – incluindo no caderno de encargos cláusula com a respectiva salvaguarda, ou feito garantir, neste caso aos concorrentes, o cumprimentos das disposições legais em vigor – Código de Trabalho e Directiva Europeia”.

O JE questionou o presidente da RN sobre esta recusa na transmissão de trabalhadores e os seus fundamentos, mas Paulo Praça não avançou com qualquer explicação, apenas “declinando e refutando qualquer situação de favor ou desfavor a qualquer parceiro ou operador económico, quer em domínios laborais, ou de serviços, seja a que título for”.

As críticas da FCC

Às críticas do sindicato juntam-se ainda as da FCC que, entretanto, chegou a acordo com 34 trabalhadores, com uma compensação de 287 mil euros, face à situação social dos funcionários que, a partir de 1 de janeiro deste ano, viram-se privados de trabalho, de remuneração e de qualquer subsídio.

“O nível de urgência social, foi o principal motivo por de trás desta decisão. A ética e código de conduta, nas quais estão inscritos os princípios e normas de comportamento que pautam a actuação da FCC perante os seus trabalhadores, apontam sempre para minimizar o sofrimento social”, afirmou ao JE, Duarte Sanfins, director de serviços da FCC Environment.

O responsável recorda que, quando a RN comunicou à FCC o fim dos contratos, não deu qualquer informação sobre o que se passaria a 1 de janeiro, tendo a empresa espanhola concluído que   a empresa intermunicipal iria internalizar os serviços. Por isso enviou uma comunicação onde dava conta da sua intenção de transmitir os funcionários para o novo operador. Para Duarte Sanfins, esta comunicação levou a RN a passar a “batata quente” da transmissão para outro. De que forma? Lançando um concurso público “urgentíssimo” no dia 15 de dezembro à tarde (sexta-feira), com data de apresentação de propostas no dia 18 de dezembro (segunda).

Sobre a não manutenção dos contratos de trabalho, o responsável da FCC critica a RN pela “nítida precarização do trabalho”. E fala mesmo em “subsídios à contratação” com favorecimento do operador privado, numa situação que, diz, deverão estar cerca de 20 trabalhadores.

E alerta: “a não existência de transmissão, além de representar um verdadeiro problema social, acabou por se verificar, pode representar um nítido prejuízo para o Estado, que alegremente irá apoiar a nova empresa a contratar, num claro favorecimento do novo operador”.

O JE questionou a administração do grupo Painhas sobre esta questão, mas não obteve resposta até ao fecho da edição.

Artigo originalmente publicado na edição impressa de 21 de dezembro de 2018

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