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Presidenciais norte-americanas: Esse país não é para jovens

Presidente republicano e os dois democratas mais bem posicionados nas sondagens para as primárias às presidenciais de 2020 têm mais de 70 anos. Experiência e nostalgia do mundo antes de Trump são os argumentos.
  • Christopher Aluka Berry / Reuters
26 Maio 2019, 08h00

Num país onde a pressão do envelhecimento da população não tem nada a ver com a situação dramática que se vive na (cada vez mais) ‘velha’ Europa, os eleitores norte-americanos podem ver-se confrontados, nas presidenciais de 2020, com a escolha entre dois velhos – o que não só não é costume, como, ao menos em termos teóricos, não parece ser muito desejável.

Nada disto parecia estar prestes a acontecer: quando ‘abriu’ a corrida às primárias do Partido Democrata – sendo que já era quase certo que o atual presidente, Donald Trump, estaria disponível para concorrer à reeleição pelo lado republicano – havia, entre as dezenas de protocandidatos, possíveis candidatos e eventuais candidatos, um considerável número de jovens e de homens e mulheres de meia-idade.

Mas isso parece ter sido há muito tempo atrás: por uma razão ou por outra, mesmo aqueles que acalentavam alguma esperança de chegarem às primárias foram ficando pelo caminho, ‘trucidados’ pela ditadura das sondagens. Neste momento, os democratas arriscam ter nas primárias dois septuagenários: Joe Biden, que fará 77 anos em 2020, e Bernie Sanders, que nesse ano cumprirá 78 anos.

Resultado: Trump, aos 74 anos, pode ser o ‘benjamim’ das eleições. O próprio parece disso estar consciente. “Eles [Biden e Sanders] fazem-me parecer muito jovem, tanto em termos de idade como em termos de energia”, disse um dia destes, enquanto avançava resoluto, escadas acima, para o interior do helicóptero presidencial, de onde concluiu que “sou um homem jovem e vibrante”.

Tudo isto num país onde os dados oficiais apontam para que, de 2014 para 2018, mais 79% dos que se encontram na faixa etária dos 18 aos 29 anos decidiram passar a votar. Talvez a base de comparação fosse reduzida, mas o certo é que, nos Estados Unidos, a geração que já pode passar a exercer o direito de voto está apostada em fazê-lo – o que parece contraproducente quando se observa a provecta idade dos que, em princípio, constituirão o universo de escolhas nas próximas eleições presidenciais.

A contrariar esta possível escolha dos democratas está também a história: Barack Obama tinha 48 anos quando foi eleito presidente pela primeira vez, mais um ano que Bill Clinton quando, em janeiro de 1993, se sentou pela primeira vez na Sala Oval. Jimmy Carter era um pouco mais velho, tinha 53 anos, mas o saudoso J. F. Kennedy, que tinha apenas 45 anos, o que faz as contas voltarem a uma média bem abaixo dos 50 anos.

São precisamente os republicanos que têm um histórico de preferirem candidatos mais maduros: George W. Bush já tinha chegado aos 56 anos quando chegou à Casa Branca, mas muito mais novo que o seu pai, que, em janeiro de 1989, já ia nos 65 anos. Antes dele, Ronald Reagan já tinha idade para estar reformado – estava na casa dos 70. Rixard Nixon era mais novo, 56 anos, mas a média mantém-se acima dos 61 anos.

A nostalgia da experiência

A revista norte-americana ‘The Atlantic’ (que, tendo sido fundada em 1857, cumprirá 163 anos em 2020), tentou perceber por que razão os democratas insistem, em princípio, em escudar-se por trás de alguém com mais de sete décadas – num quadro em que nada disso faz parte do ADN do partido.

O primeiro motivo apurado é o mais evidente: o acumulado de experiência. Qualquer dos candidatos tem-no de sobra.

Quando em 2008 foi eleito vice-presidente de Obama, Joe Biden tinha um ‘lastro’ político que começara em 1966 (ou 69, dependendo das biografias), numa altura em que hesitava entre democratas e republicanos. Richard Nixon foi a ‘chave’ da escolha: Biden optou pelos democratas. Quando decidiu concorrer à nomeação democrata em 1988, arriscou ser o presidente mais jovem desde John F. Kennedy, e foi nisso que investiu: era o candidato dos Baby Boomers (os nascidos depois do fim da Segunda Guerra Mundial). Não chegou às primárias por questões de saúde, mas a ‘The Atlantic’ recorda que, quando Biden concorreu a senador pelo Delaware, em 1972, uma das suas frases de campanha era ‘Joe Biden entende o que se está a passar’ – tinha 29 anos e desafiava um candidato de 63 anos que, supostamente, já não tinha idade para entender o que se estava a passar, fosse lá o que fosse.

Sanders – que arrisca testar a verdade de uma convicção que permanece desde 2015 (se fosse o candidato democrata em vez de Hillary Clinton teria ganho a Trump) – é ativista político desde os 20 anos e está em todas as frentes cívicas, ou quase, desde 1962, ano em que liderou um protesto contra a segregação dos negros. Não lhe são conhecidas frases ou iniciativas a partir das quais se possa inferir que reserva à juventude qualquer especial capacidade intelectual e o certo é que, em 2015, durante as primárias democratas e aos 73 anos, não deu mostras de vacilar fisicamente (coisa de que Hillary, na altura com 67 anos, não se pode vangloriar).

Biden tem mostrado algum desconforto com a questão – e queixa-se, através dos assessores, de que pode estar a ser vítima de democratas mais novos que não vêm chegar a sua hora: Pete Buttigieg, de 37 anos, surge em terceiro lugar nas sondagens para as primárias democratas e parece estar farto de velhos!

O segundo motivo, ainda segundo a ‘The Atlantic’, é mais duvidoso: a nostalgia do regresso a um tempo normal – ou, dito de outra forma, ao tempo em que não havia um louco perigoso na Casa Branca. O argumento carece de prova, mas o certo é que o staff de Biden ‘vendeu’ esta teoria à revista.

Seja como for, regressando-se à ditadura das sondagens, Trump continua a surgir à frente nas intenções de voto nas presidenciais de 2020; e, mais surpreendentemente ainda, cerca de 70% dos democratas dizem, para já, que prefeririam ver Biden e não Sanders como candidato do partido. Entretanto, e só para complicar, refira-se que a idade média na Câmara baixa dos Estados Unidos caiu 10 anos após as eleições de 2018.

Artigo publicado na edição nº1988, de 10 de maio do Jornal Económico

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