Aqueles que acham que a recente crise entre a França e a Itália é um fait divers, enganam-se. É o sinal de que a Europa está a mudar, e não no bom sentido. O Brexit foi um sintoma, e preocupante: os hard brexiters não estão preocupados com as consequências de um hard brexit pois consideram que com forte probabilidade ele é uma etapa de um processo de desagregação que culminará no fim da União e numa teia de relações bilaterais, tão ao gosto dos saudosos do velho império. No fim de contas, não é Rees-Mogg, que personifica como ninguém os hard brexiters, o “honorável representante do século XVIII” no Parlamento britânico?

Com a queda de Merkel, Macron é hoje o único líder europeísta de um país europeu grande, portanto não é de estranhar que seja o homem a abater não só para os seus adversários políticos em França, mas também para os que contam subir na vida política à conta de um populismo e nacionalismo exacerbados num mundo feito de fake news e tweets. As próximas eleições europeias vão permitir ver até onde já avançamos neste caminho; aliás, não deixa de ser irónico que o progresso dos nacionalismos se meça em eleições europeias. Qual será o papel futuro do Parlamento Europeu neste cenário?

Não que Macron não tivesse iniciado ele as provocações: qualificou o resultado das eleições italianas e o governo da Liga e do Movimento 5 Estrelas como “peste populista” e inimigos da Europa e da democracia liberal, enquanto fechava as portas da França aos imigrantes que entravam pela Itália: dos nove mil a que se comprometeu receber, cumpriu 640. Ainda a 21 de junho de 2018 falava dos nacionalismos como “lepra”.

Mas di Maio foi longe de mais ao receber os gilets jaunes e fazer as declarações bombásticas que fez. Isto quando o seu principal objetivo é até interno – está a dar-se uma inversão de poder na Itália, e novas eleições não estão fora de causa. Nas eleições de 2018 o M5E teve 33% dos votos e a Liga 17%; as sondagens dão hoje à Liga mais de 30% e ao M5E 26%. Nas eleições de dia 10 em Abruzzo a Liga teve 28%, contra 19% do M5E.

O circo mediático que Salvini vem montando paga, e di Maio está a seguir uma estratégia que dá votos em Itália: bater em Macron. Portanto, é bem provável que nada mude a curto prazo pois nem vale a pena fingir arrependimento. No terreno, o presidente da Câmara de Cuneo hasteia a bandeira francesa ao lado da italiana (“um sinal de amizade pelos primos franceses”) e é obrigado a arreá-la, enquanto o de Nice vai organizar um “grand rassemblement transfrontalier” na praça Garibaldi.

Mas não se iluda. Se as eleições europeias são um barómetro e vão permitir medir o sentimento nacionalista, populista e antieuropeísta, um indicador avançado muito mais importante é ver o resultado da AfD na Alemanha.